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Fronteiras do País pedem socorro

OESP, Nacional, p. A14-15
27 de Ago de 2006

Fronteiras do País pedem socorro
Nos 16,8 mil km que separam o Brasil de dez países, crime organizado leva armamentos e drogas livremente

Se os 1.700 agentes da Polícia Federal responsáveis pela proteção das fronteiras se perfilassem, cada um deles teria de vigiar uma reta de dez quilômetros. Se a esse grupo fossem somados os 14.037 soldados do Exército, daria um homem para cada mil metros. A aritmética simplista sepulta o discurso igualmente simplista dos políticos de que se pode fechar as fronteiras secas do Brasil para o crime organizado.

Ao mesmo tempo, os números correspondem a uma tragédia. Eles são imaginários. Na prática, os militares raramente combatem o avanço da criminalidade brasileira pelos países vizinhos e o contingente de policiais federais só existe quando há operações especiais. Nas duas últimas semanas, seis jornalistas do Estado visitaram três regiões do País, a Norte, a Centro-Oeste e a Sul. O objetivo era mapear o que tem sido feito para proteger os 16,8 mil quilômetros de limites territoriais brasileiros. Muito, caso se pense numa invasão vinda dos países vizinhos. "Estamos preparados para a guerra", relata o general José Alberto Leal, comandante da 2ª Brigada da Cavalaria Mecanizada de Uruguaiana (RS).

Mas, se for considerado o combate ao tráfico de drogas e armas, a resposta é o contrário. PCC e CV, as siglas de duas facções criminosas que aterrorizam São Paulo e Rio, já atuam em países sul-americanos. Operam com desenvoltura, ousadia e afronta às autoridades. Não só porque sabem da falta de policiamento, mas também porque conhecem as brechas jurídicas e diplomáticas que dificultam o combate ao crime organizado transnacional. Faltam união de esforços e inteligência.

A exceção é a atuação do Exército e da PF na fronteira norte. Em São Gabriel da Cachoeira, radares e computadores são capazes de detectar 60 vôos suspeitos por mês. A maioria dos casos é resolvida em contatos por rádio com os infratores. Caso contrário, as aeronaves, muitas carregadas com drogas e armas, são abatidas. Para os militares, a Amazônia é questão de soberania nacional.

No Paraguai, uma base do PCC
Pedro Juan Caballero é refúgio de bandidos e paraíso para traficar armas, maconha e cocaína

Eduardo Nunomura
O crime organizado brasileiro elegeu a cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, ao lado de Ponta Porã, como refúgio de bandidos e paraíso para lavar dinheiro e traficar armas, maconha e cocaína. "Todo mundo sabe que estamos aqui, o que é isso aqui, mas só estamos trabalhando", diz um integrante do PCC, uma vez preso em São Paulo e hoje livre para operar no país vizinho. É dele a advertência, no mínimo insolente: "Podem fechar essa fronteira e já temos outras para atuarmos."

A divisa entre Mato Grosso do Sul e o Paraguai é protegida por 20 agentes da Polícia Federal (PF) e pelo Exército brasileiro. Cerca de 600 soldados estão a menos de três quarteirões do lado paraguaio. Passam a maior parte do tempo realizando treinamento no quartel, bem perto de onde o crime se alastra.

O Estado localizou o integrante do Primeiro Comando da Capital por meio de indicações de autoridades brasileiras e paraguaias. Não é segredo para ninguém onde moram muitos criminosos no Paraguai. Ele recebeu a reportagem em sua casa, protegida por capangas no imóvel da frente. Foi gentil, admitiu a ligação com a facção criminosa e confirmou a maioria das informações das mesmas autoridades. Negou, contudo, que exista um exército do PCC no Paraguai. Disse que há um número variável de membros do grupo, menos de dez, que estão fugindo da Justiça ou trabalham para o crime organizado. "Isso não acabará nunca, nem os americanos, nem ninguém consegue parar, como vão conseguir fazer isso?"

O PCC se estabeleceu há 5 anos no Paraguai, 3 anos depois do Comando Vermelho (CV), a facção criminosa carioca de Fernandinho Beira-Mar. Naquela época, Pedro Juan Caballero era terra de achacadores. Comerciantes tinham de pagar pedágio de 20% para trabalhar. "A fronteira era o maior sem futuro, a maior extorquisão (sic)", diz ele. Como no Brasil, os criminosos passaram a ajudar quem tinha dificuldades, e não são poucos. Ganharam a simpatia e a conivência dos paraguaios.

Para saber onde termina Ponta Porã e começa Pedro Juan Caballero só lendo os letreiros e as placas. São cerca de 700 quilômetros de divisa por Mato Grosso do Sul, sem barreiras. Vão de estradas de terra até avenidas largas de ambos os lados, cortadas por cruzamentos asfaltados. O movimento de caminhões e carros nas estradas paralelas aos dois países é intenso. Não é preciso cédula de identidade, de motorista ou passaporte.

E há a muamba, o contrabando de cigarros, brinquedos, aparelhos eletrônicos, CDs e DVDs piratas. Paga-se tudo com real, guarani ou dólar. Pedro Juan Caballero é uma versão de Ciudad del Este sem a Ponte da Amizade. As fiscalizações ocorrem na BR-163, que liga Ponta Porã a Campo Grande. Apreende-se muito, deixa-se passar uma montanha de produtos ilegais, admitem os policiais. Até meados dos anos 1980, o contrabando era de café, soja e açúcar. Depois veio a maconha, hoje nas mãos de traficantes brasileiros.

Na semana retrasada, foram apreendidos cerca de R$ 4,5 milhões em notas falsas. O fiscal da Justiça Justiniano Cardoso Gomes não descarta que esteja relacionado ao crime organizado. O que já se sabe é que para quatro notas falsas de R$ 50 paga-se com uma verdadeira.

Esse terreno fértil de tolerância e ilegalidade fez do Paraguai a opção natural para as rotas de tráfico. Após a Lei do Abate, que permite derrubar aviões suspeitos em espaço aéreo brasileiro, um piloto que cobrava R$ 5 mil para servir aos barões do tráfico do Rio e de São Paulo passou a pedir R$ 25 mil por causa do risco. Em Pedro Juan Caballero, a droga chega e é lançada do alto num terreno ao lado de um aeroporto, onde caminhonetes já estão à espera. Depois, as aeronaves aterrissam para esperar a próxima encomenda.

ARMAMENTO

Portar ou comercializar armas no Paraguai não é crime. Seguranças armados de pistolas, escopetas e rifles protegem bancos, comércio, camelôs, cidadãos honestos e traficantes. A partir de 2002 uma nova lei proibiu a sua venda para estrangeiros que não morem naquele país. Segundo a ONG Viva Rio, que divulgou no fim de 2005 um extenso relatório sobre esse tema, as medidas surtiram efeito e houve significativa redução desse mercado ilegal. Na prática, as lojas começam a diversificar seus produtos e o crime organizado passou a buscar rotas pela Argentina e pelo Uruguai.

"No Paraguai, o crime organizado tem invadido a política, procurando eleger candidatos favoráveis", alerta o governador de Amambay, Roberto Acevedo, que combate o narcotráfico.

A Senad paraguaia é uma espécie de oásis num país onde a polícia, o Exército, o Judiciário e os políticos tomam partido, algumas vezes o do crime organizado. Foi o órgão que prendeu em 27 de julho Marcelinho Niterói, considerado homem forte de Beira-Mar. Com a prisão dele foi possível impedir, no dia 11, o envio de um arsenal com centenas de pistolas, fuzis, metralhadoras e munição. A carga seguia para o Rio.

O dono da loja de onde saíram as armas, Alberto Dornelles Rodriguez, foi preso pela PF na sexta-feira. Segundo as investigações, Niterói estava na fronteira também para retomar o controle do CV sobre o tráfico de drogas na região de Capitán Bado, onde Beira-Mar tem uma fazenda.

O juiz José Gabriel Valiente aplicou multa de US$ 13 mil ao traficante, confiscou sua documentação paraguaia falsificada e imaginou que poderia entregá-lo preso às autoridades brasileiras. Na noite de 17 de agosto, Niterói foi ouvido pela PF e saiu pela porta da frente da delegacia de Ponta Porã. Livre.

ED FERREIRA/AE

LIVRE PASSAGEM - Na estrada deserta entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, apenas o marco com os nomes de Brasil e Paraguai indica o limite entre os dois países

Por telefone, filial recebe ordens do chefe preso em SP
Nas áreas de fronteira, lei diz que militares têm poder de polícia

Num simples telefonema da cidade de Pedro Juan Caballero para uma central telefônica, o integrante do PCC consulta seu "chefe", preso em São Paulo, sempre que necessário. As negociações são feitas sem passar pelas fronteiras. Dessa forma, sistematicamente planejam-se a compra e o tráfico de armas e drogas, a proteção de fugitivos e a lavagem de dinheiro nas casas de câmbio do Paraguai. A grave crise de segurança paulista tem, sim, um pé fincando a quilômetros de distância da capital e muito pouco tem sido feito para coibir essas ações.

A Polícia Federal é a principal responsável pela segurança das fronteiras, diz o artigo 144 da Constituição. Sabe muito sobre a movimentação das facções criminosas no lado paraguaio, age quando possível, mas confirma que só evita uma fração dos crimes transnacionais. "Duvido que se acabe com o crime nas fronteiras", admite o delegado Mauro Sposito, coordenador de Operações Especiais nas Fronteiras da Polícia Federal. "Os Estados Unidos têm 30 mil homens para vigiar 3 mil quilômetros com o México e mesmo assim eles não dão conta do recado."

O Exército poderia ajudar. Sua função essencial é garantir a soberania nacional, reza o artigo 142 da Carta. Qualquer mudança de rota, só sob ordens do presidente. A exceção é o artigo 17A da Lei Complementar 117 de 2004, que dá poderes de polícia aos militares nas áreas de fronteira. "A Lei 117 é autorizativa, está aí para ser usada, não preciso receber ordem de ninguém", diz o general Luiz Cesário da Silveira Filho, comandante Militar do Oeste. "Reúno a força de contingência e posso colaborar com as autoridades constituídas."

Se os militares podem atuar, por que não o fazem mais vezes?, questiona o juiz federal Odilon de Oliveira, com o gabarito de atuar há 15 anos no combate aos narcotraficantes da fronteira e ter condenado 114 deles. "Porque desmobilizaria a missão e descaracterizaria o Exército", explica o general Cesário. Segundo ele, o Comando Militar do Oeste, que protege uma extensão de 2.300 quilômetros de fronteira com o Paraguai e a Bolívia, tem atuado como força policial na medida certa com operações eventuais. O juiz Odilon contesta: "O Exército na fronteira não pode ficar aquartelado. Se houvesse barreiras fixas e volantes com soldados, os traficantes iriam se arriscar a passar?"

Por enquanto, o que ocorre marca a vida de pessoas como Marcos Dias de Barros, de 31 anos. Desempregado, aceitou ser mula para uma carga de 7 quilos de cocaína. Foi pego num posto da Polícia Rodoviária Federal, que não levou mais de 5 minutos para encontrar a droga escondida na lateral do carro. Estava com a mulher, os três filhos e o irmão. Acredita ter sido um "boi de piranha".

Enquanto o flagrante era feito, o que levou mais de duas horas, centenas de carros e caminhões circularam livremente pela rodovia. Iria receber R$ 1.500. Bem menos que os R$ 20 mil de outro caminhoneiro, que foi preso transportando 5,5 toneladas de maconha. Este último decidiu entregar os donos da carga e agora reza para ser transferido para bem longe dali.

No sul, o mercado do submundo
Fronteira da região tem 720 quilômetros, na maior parte sem obstáculo geográfico e quase toda sem fiscalização

José Maria Tomazela

Um insólito trânsito de carroças puxadas por mulas congestiona o leito do Rio Quaraí, a 590 quilômetros de Porto Alegre. As águas, correndo sobre o leito pedregoso, separam a cidade brasileira de Quaraí, com 23 mil habitantes, da uruguaia Artigas, com 36 mil. As carroças enfrentam a correnteza para levar e trazer contrabando, mercadorias proibidas que podem ser apreendidas por fiscais aduaneiros na Ponte da Concórdia. São bebidas, carnes, combustível, madeira e, eventualmente, armas e drogas.

Às vezes, 4 ou 5 carroças cruzam o rio ao mesmo tempo, 100 metros abaixo do prédio da Receita Federal, à vista dos agentes e, mais raramente, de policiais dos dois países que fiscalizam o trânsito sobre a ponte. "É pura hipocrisia. Enquanto eles tiram mercadorias das sacolas de donas de casa lá em cima, aqui embaixo passa de tudo", diz Marco Aurélio Goulart, que construiu uma casa sob a ponte. Os carroceiros cobram R$ 5 de frete e fazem, juntos, mais de 100 viagens por dia. O comando da Brigada Militar de Quaraí informou que a competência, na fronteira, é da Polícia Federal. No ano passado, a Brigada apreendeu espadas uruguaias que teriam passado pelo rio.

As carroças de Quaraí expõem a vulnerabilidade da fronteira no sul do País. O Uruguai não tem fábricas de armas, mas faz poucas restrições a seu comércio e ao de munições. A facilidade para transpor a fronteira tornou o país uma rota alternativa para a entrega de encomendas do crime organizado no Brasil, segundo o major Márcio Roberto Galdino, responsável pelo patrulhamento aéreo da Brigada Militar de Uruguaiana. "Os traficantes mudam a rota sempre que há repressão. Agora, em vez de entrar por Mato Grosso do Sul, seguem pela Argentina até o Uruguai e entram pelo Rio Grande do Sul, entre Livramento e Bagé."

A fronteira sul tem 720 quilômetros, mais de 500 sem obstáculos geográficos e quase toda sem nenhuma fiscalização. O tráfico "pesado" de armas e drogas, segundo Galdino, pode entrar por terra ou pelo ar. Muitas fazendas da região têm pistas de pouso para aviões. O único radar, em Santa Maria, não pega naves em vôo baixo. A linha internacional passa dentro das fazendas e divide cidades.

Em Santana do Livramento, a 504 quilômetros de Porto Alegre, os 90.849 brasileiros têm forte convivência com os 63.365 uruguaios de Rivera. As duas cidades compõem um só núcleo urbano. No centro, a linha internacional, uma grande avenida com marcos de cimento no canteiro central, fica congestionada de veículos e pedestres dos dois países. Rivera é uma zona franca, tem cassino e recebe sacoleiros de vários Estados. Na periferia, a fronteira divide quadras urbanizadas e confunde até moradores locais. "Fica difícil saber em que país se está", diz Jonas Burim, que se desloca a cavalo pela periferia.

A poucas quadras da linha internacional, nas lojas de armas uruguaias, não faltam clientes brasileiros. "Vendemos principalmente armas de caça", diz Roberto Fernandez Silva, da Guns&Ammo. "Arma para brasileiro é proibido, munição pode-se comprar à vontade." Alerta, porém, que portar munição é crime no lado brasileiro. "Se a polícia te pega, é teu problema."

No Gaúcho Free Shop, o funcionário que se identificou como Rogério vendeu três caixas de munição calibre 12 mm e 9 mm para dois brasileiros. "Tu escondes bem que passa", recomendou a um dos compradores. O pacote foi colocado numa bolsa de couro. Os dois homens entraram num Corolla com placas de Videira (SC) e passaram para o Brasil, sem problemas.

No lado brasileiro, é fácil conseguir uma arma: um guardador de carros ofereceu-se para intermediar a compra de uma pistola 7.65, seminova e municiada por R$ 700. O delegado-chefe da PF, Luiz Eduardo Telles Pereira, diz que é difícil controlar a entrada de armas pequenas - revólveres e pistolas. "Mas estamos em cima", afirma. Na terça-feira, a PF apreendeu três espingardas calibre 22, um revólver 32 e munições no bairro Armour.

Ele se preocupa com o grande tráfico - drogas e armas pesadas. Há seis meses, um subtenente do Exército foi preso levando, num ônibus de linha, um fuzil AR-15 e um AK-47, de fabricação russa. "Nem nós podemos usar uma dessas."

"CARROS"

Foi Pereira quem ouviu, na semana passada, o comerciante Oscar Xavier de Fontoura Mulatieri, de Rivera, que teve gravadas conversas com o traficante José Roberto Tavares, acusado de abastecer quadrilhas na Grande São Paulo, e contrabandistas de armas: Alexandre Moraes da Silva, que seria responsável pela distribuição na capital paulista e Grande São Paulo, e Celso Cortez, que atenderia o litoral sul paulista e o Rio.

Desconfiados de que estavam sendo monitorados, os criminosos, segundo a PF, criaram um código no qual a arma virava modelo de carro. Pequenos "escorregões" durante as conversas deram à PF a certeza de se tratar de tráfico de armas. Ao encomendar "automóveis" Golf, BMW e Tempra 16 válvulas, Tavares se referiu a um Pálio com "pente". Em outro trecho, pergunta se o veículo tem "coronha de madeira". Chamado a depor na PF de Santana do Livramento, Mulatieri insistiu nos negócios com carros. Ele é dono de um clube de tiro em Rivera e tinha, até o início do ano, uma loja de armas.

Na terça-feira, a PF prendeu integrantes de quadrilha suspeita de fornecer drogas e armas para o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e facções criminosas do Rio. Os agentes apreenderam 16 quilos de pasta base de cocaína e 7 quilos de lidocaína. A droga teria sido encomendada pelo empresário Denílson Leseux, que foi preso. Segundo o delegado Ildo Gasparetto, da Delegacia de Combate ao Crime Organizado, o acusado faz parte de uma quadrilha que contrabandeia armas da Argentina e do Paraguai pela fronteira gaúcha. O bando abasteceria com fuzis assaltantes de carros-fortes.

SEM FISCALIZAÇÃO

O tráfico terrestre é facilitado pela ausência de fiscalização em pontos críticos, como a tríplice fronteira em Barra do Quaraí, a 720 quilômetros de Porto Alegre. A única fiscalização na ponte internacional, que liga Barra à uruguaia Bella Unión, é da Receita Federal - os dois agentes trabalham desarmados e só abordam caminhões. No lado uruguaio, os veículos que entram têm o porta-malas revistado, mas só durante o dia.

A ligação com Monte Caseros, na Argentina, é feita por balsa e a aduana só verifica cargas. O comerciante Ubirajara de Carvalho Londero diz que é intenso o contrabando de pneus, mais baratos no Uruguai, e combustíveis da Argentina. "Os fiscais uruguaios só revistam para pegar propina." O contrabando "mais grosso", segundo ele, é feito de barco - nas margens há dezenas de atracadouros improvisados. A cidade, minúscula, tem três postos de combustível, boa malha viária e nenhuma presença da polícia. "É tudo o que o traficante quer", diz Londero. Além de armas, ele conta que passam pelo rio pedras semipreciosas brasileiras, levadas "a rodo" para o Uruguai.

Em Uruguaiana, maior porto seco do País, a 650 quilômetros de Porto Alegre, o tráfego na ponte internacional é intenso e escapa de controle. A ponte sobre o Rio Uruguai liga a cidade a Paso de Los Libres, na Argentina, porta de entrada para o Mercosul. São pelo menos 500 caminhões de carga e cerca de 2.500 automóveis por dia.

A Receita vistoria as cargas por amostragem, parando apenas 5% das carretas. A polícia aduaneira argentina fiscaliza com excessivo rigor a entrada dos carros brasileiros - exige documentos originais do veículo e dos ocupantes e ainda cobra taxa de ingresso de R$ 4 por pessoa. Em Los Libres, pelo menos três lojas vendem armas de todo tipo, inclusive fuzis. O trânsito no sentido inverso, para Uruguaiana, não tem fiscalização. A cidade entrou na mira da CPI do Tráfico de Armas, que chegou a ouvir pessoas conhecidas no fim do ano passado.

Exército não está preparado e tarefa é da Polícia Federal, diz general

O Exército não tem condições de assumir a vigilância das fronteiras para impedir a entrada de armas e drogas no País, avisa o general José Alberto Leal, comandante da 2ª Brigada da Cavalaria Mecanizada de Uruguaiana. As tropas não foram treinadas nem dispõem de equipamentos para essa tarefa. Não temos, hoje, as condições para isso", disse ele ao Estado.

Leal admite que a situação das fronteiras "é preocupante", mas lembra que essas missões cabem à Polícia Federal. "O Exército não tem amparo legal para atividades desse tipo." As tropas aquarteladas nas regiões fronteiriças podem auxiliar as outras forças no combate ao tráfico, mas de forma subsidiária - com apoio logístico, de inteligência e treinamento. "Temos feito isso, rotineiramente."

Em Uruguaiana, o Exército mantém quatro unidades, incluindo o 22o Grupo de Artilharia de Campanha Auto-Propulsada, o 8o Regimento de Cavalaria Mecanizada e o 2o Pelotão de Polícia do Exército. Há também dois quartéis em Santana do Livramento e um na pequena cidade de Quaraí, o 5o Regimento de Cavalaria da Legião de Tropas Ligeiras.

Apesar disso, o general não vê possibilidade de assumir o controle das fronteiras.

Há duas semanas, o Exército participou da Operação Fronteira Sul, com PF, Polícia Rodoviária Federal e Brigada Militar. "Fizemos varredura de Foz do Iguaçu (PR) ao Chuí (extremo sul do País) com bloqueios de passagens e revistas em veículos", disse o tenente-coronel Francisco Azambuja Vieira, da 2ª Brigada. Não foram apreendidas muitas armas ou drogas, mas ele a achou um sucesso.

Um helicóptero da Brigada Militar sobrevoa duas vezes por semana a fronteira, de São Borja a Livramento - há um tráfego intenso de barcos nos Rios Uruguai e Quaraí. O serviço foi interrompido semana passada porque o helicóptero foi para revisão em São Paulo.

O delegado da PF Fabrício Chedid Padilha, de Uruguaiana, reclama da falta de estrutura e pessoal. "Para um policiamento efetivo, precisávamos no mínimo triplicar o quadro de agentes." Na ponte internacional, só dois policiais fazem trabalho burocrático, de imigração. "Na prática, não temos ninguém lá."

A Receita tem um scanner para identificar armas ou drogas em cargas, mas ele raramente é usado. "Pedimos o equipamento, mas até agora..." Falta integração também com a gendarmeria - força de segurança - argentina. Ele reconhece que a fronteira não está protegida. "Se o traficante esconde armas no caminhão, elas passam."

País tem terceira maior fronteira

Vannildo Mendes
Com mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, o Brasil tem a terceira mais extensa fronteira terrestre - 16.886 quilômetros, perdendo apenas para China e Rússia. Essa gigantesca faixa atravessa quase 600 municípios, nos quais vivem cerca de 8 milhões de brasileiros, desde o Arroio Chuí, no extremo Sul do País, até a divisa com a Guiana Francesa, no norte.

O governo mobiliza mais de 30 mil homens e gasta bilhões todos os anos na tarefa de vigiar fronteiras. Ao longo dessa longa faixa há trechos totalmente desguarnecidas. Embora as Forças Armadas mantenham grande contingente na região, cabe à PF o trabalho duro de vigilância, sobretudo nas fronteiras com o Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia e Venezuela. Para essa tarefa, ela mantém 800 homens em 23 postos (há planos de ampliá-los para 57) e nove operações permanentes.

OESP, 27/08/2006, Nacional, p. A14-15

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