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Francisco da Silva Ashaninka

Página 20-Rio Branco-AC
Autor: Josafá Batista
18 de Fev de 2003

Secretário dos povos indígenas prepara pacotaço antiglobalização nas aldeias

Evitar o "jeito do branco pensar e organizar-se socialmente", tido como obsoleto e baseado em falsas premissas. É o que pretende o mais novo secretário do Estado acreano, Francisco da Silva Ashaninka, 34, ocupante da pasta dos Povos Indígenas. Com instrução equivalente ao Ensino Médio, através do Programa de Alfabetização dos Povos Indígenas, Pinhanta foi alçado ao cargo em - mais ou menos - comum acordo entre os 16 povos indígenas acreanos.

O projeto é mais ou menos realizável. Mais ou menos porque depende de um tremendo esforço coletivo, que foge e muito às prerrogativas da estreante Secretaria Estadual dos Povos Indígenas. O próprio secretário reconhece isso, mas, resoluto, quer discuti-lo com as diversas secretarias estaduais, além das municipais, iniciativa privada, e, principalmente, com os maiores aliados do chamado "plano alternativo de desenvolvimento": o terceiro setor.

A síntese da florestania e o coração do plano de desenvolvimento sustentável acreano - que vem entusiasmando o Brasil e atraindo a atenção do planeta - podem ser explicados por este indígena, que cresceu praticando-os, como todas as comunidades nativas da Amazônia, numa aldeia Ashaninka. Em entrevista exclusiva ao Página 20, ele fala sobre seus planos e como pretende desenvolvê-los.

Como você vê a criação de uma secretaria destinada a uma minoria étnica? Para alguns é uma atitude racista, idêntica às cotas de negros nas universidades públicas...

Vejo como uma manifestação democrática. A partir do momento em que o povo ou, no caso, uma parcela dele pede (os indígenas) reivindica determinada mudança ou criação, o poder público tem o dever de legitimar. Além disso, nesse momento em que a sustentabilidade se coloca como alternativa viável para o capitalismo selvagem, é um avanço político a criação de uma secretaria indígena. Quanto ao racismo, quem vê as coisas assim é que é racista, não nós.

Então as tribos participaram do processo de escolha?

Só participaram. Há muito tempo nós vimos discutindo com o Estado e as próprias tribos sobre a participação política ideal num governo que usa o ambientalismo e o desenvolvimento sustentável como raízes políticas. Houve várias etapas nesse processo, mas o importante é que conseguimos algum consenso sobre determinados detalhes. Um deles é a Secretaria.

O conhecimento indígena é apontado como o coração do plano de desenvolvimento sustentável. Isso é verdade?

Caramba, já está assim? Talvez seja o pulmão (risos). Na verdade, os índios detém grande conhecimento sobre a floresta, e, como se trata de uma área inexplorada ou pouco explorada pela ciência tradicional, acabam, por derivação, tendo certa vantagem em relação a conhecimentos adquiridos. Está chegando a hora em que toda a humanidade compartilhará desta sabedoria, que é um ideal do plano de desenvolvimento sustentável. Daí porque somos tidos como o "coração" do projeto. Mas acho que apenas soubemos nos organizar.

Alguns estudiosos classificam essa "resistência étnica" e esse "plano alternativo" à globalização como unilateral, já que representa apenas o anseio de um único povo. Os índios ouvirão os brancos, os negros etc?

Na verdade, o que o branco pensa ou deixa de pensar não nos interessa. Acho que do jeito que as coisas estão, com essa desigualdade social provocada pelo capitalismo, ninguém está em condições de ficar nos julgando, nos avaliando. Nós, indígenas, não vamos dar respostas a essas questões esdrúxulas. Vamos responder com trabalho.

Falando em trabalho, como será feita a transição da teoria ideológica à prática política?

Quanto a isso eu gostaria de ressaltar o excelente apoio da União dos Povos Indígenas, representada pelo Francisco Avelino, que mostrou um grande preparo democrático, procurando sempre ouvir os vários povos antes de propor o conjunto de itens a serem trabalhados na nossa gestão. Por enquanto estamos buscando apoio em outras secretarias que já têm projetos voltados para os povos indígenas, ouvindo também as lideranças dos povos.

Por quê? Já não existe um apoio consensual das diversas etnias?

Existe, mas nunca é cem por cento, você sabe. Claro que há discordâncias, é até um ponto positivo. É o contraditório necessário. Mas este é outro ponto que pretendemos unificar com o trabalho. Até porque nossa intenção é trabalhar em conjunto com as aldeias, ouvindo as lideranças sempre. Não é por ser do governo que deixei de ser indígena. Pelo contrário.

Mas qual é a prioridade, na prática, a ser adotada pela sua secretaria?

Acho que deverei trabalhar a médio e longo prazos, sempre observando o ideal da economia sustentável, respeitando as diferenças culturais entre os povos e tentando reunir o máximo possível a tecnologia e o lado positivo da sociedade moderna. Acho que se conseguirmos esse equilíbrio já estaremos no caminho certo.

Mas você não condena o desenvolvimento baseado no capitalismo?

O capitalismo não é de todo mau e mesmo que fosse teríamos que nos adaptar, porque senão viveríamos numa redoma intocável. O que quero dizer é que há um plano alternativo de desenvolvimento, sim, mas não temos a pretensão de dominar o mundo... Não foi isso o que o capitalismo quis?

O que significa ou em que se baseia esse "novo jeito de viver", essa "nova qualidade de vida" tão propalada pela sustentabilidade?

Veja, hoje temos a Declaração Universal dos Direitos do Homem, um belíssimo documento legal que determina uma série de direitos, para qualquer membro de qualquer civilização, esquimó ou amazônida. Só que ela não é cumprida. A lei se torna, no mínimo, um ideal de vida, um conjunto de propostas. O projeto sustentável prevê o cumprimento dessa ideologia.

Então foi nisso que o capitalismo falhou?

Exatamente. Correu-se muito atrás de novas tecnologias, avançou-se muito na robótica e na engenharia genética, mas, por outro lado, civilizações inteiras passam fome, o abismo social aumentou, as bolhas econômicas explodiram e recentemente entramos num impasse: o buraco da camada de ozônio aumentou e os recursos naturais vêm se esgotando rapidamente.

Como se pretende conseguir o que o capitalismo não conseguiu?

O capitalismo foi um sistema criado de cima para baixo, das elites para o povo. A sustentabilidade nasce do povo, um povo que aprendeu a conviver com a floresta sem destruí-la. Esse item, eu diria, é o que mais falta no modelo atual de desenvolvimento mundial.

Você há pouco disse que é preciso aproveitar o "lado positivo da sociedade moderna". Isso não vai anular, como aconteceu em algumas tribos, o lado "original" do indigenismo?

Não pretendemos misturar nada, apenas conviver em paz. Também não pretendemos impor nosso ponto de vista, porque cada nação sabe o que é melhor para si. Apenas temos uma alternativa para um modelo caduco de desenvolvimento. Quem quiser continuar apostando no capitalismo, esteja à vontade, mas sempre lembrando que alguns povos indígenas foram dizimados porque acreditaram nesse sonho, que para mim é impossível.

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