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Frade será próximo alvo no Pará, alerta OAB

OESP, Nacional, p. A7
23 de Fev de 2005

Frade será próximo alvo no Pará, alerta OAB
Entidade avisa a Lula que o missionário francês Henri Roziers, ligado à CPT, está jurado de morte

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) alertou ontem o presidente Lula de que o próximo ativista dos direitos humanos "marcado para morrer" no Pará é o frade francês Henri Roziers, da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O alerta foi dado pelo conselheiro federal da OAB e ex-presidente da entidade no Pará, Sérgio Alberto Frazão do Couto.
Ele falou sobre frei Henri durante sessão plenária do conselho federal, conduzida pelo presidente nacional da OAB, Roberto Busato, que anunciou a criação de uma comissão formada pela OAB nacional e pela seccional da entidade no Pará, para investigar permanentemente os conflitos fundiários e a violação aos direitos humanos no Estado.

Sérgio Couto disse temer pela vida do missionário, que é defensor dos direitos humanos na região de Xinguara e é advogado das causas da CPT, a principal delas a questão do trabalho escravo. O conselheiro pediu na sessão da OAB que o governo federal leve proteção a frei Henri. "O frade desempenha um trabalho intenso e vivem chegando até nós denúncias de que vão matá-lo", afirmou Couto. "E eu sei que vão, é só uma questão de tempo."

Na reunião plenária, Couto afirmou que assassinatos como o da irmã Dorothy Stang ocorrem todos os dias. As vítimas, anotou, são pessoas paupérrimas e desconhecidas.

FAROESTE

"No sul do Pará, os frades e as irmãs estão ameaçados, a Serra Pelada é um barril de pólvora e vemos se repetir a irresponsabilidade de governos que se sucedem, sem nada fazer para resolver as causas dos conflitos no Pará", afirmou Couto. Ele classificou os conflitos como um "faroeste".

O advogado disse que a federalização dos crimes no Pará não terá saída se não forem dadas reais condições de funcionamento da Justiça Federal no Estado. "Temos de implantar a Justiça Federal, criar condições para que haja policiais sempre por perto."

No Pará, o presidente da seccional da OAB, Ophir Cavalcante Junior, afirmou que o governo federal está agindo apenas em função das pressões internacionais na tomada de decisões nas investigações do assassinato da irmã. "O governo já conhecia há muito tempo a drástica situação fundiária do Pará", declarou Cavalcante.

TARDE DEMAIS

Ameaçado de morte no Pará, o bispo de prelazia do Xingu, d. Erwim Krautler, disse ontem que o governo federal demorou para mandar tropas do Exército para a região dos conflitos agrários. "A decisão do governo veio muito tarde", afirmou o religioso depois de prestar depoimento à comissão especial do Senado criada para apurar o assassinato da freira.

Ele contou que escreveu várias cartas aos ministros do governo Lula e a integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) relatando a gravidade dos conflitos e pedindo providências. "Obtive resposta de todos eles, mas a violência só foi aumentando." Ele admitiu ter medo de ser assassinado, mas disse que não vai desistir da luta pela defesa dos direitos da população.

O bispo era amigo da missionária e contou que ela não acreditava nas ameaças de morte. Segundo ele, os conflitos aumentaram no Estado depois de o governo federal anunciar o lançamento do Programa de Desenvolvimento Sustentável (PDS).

Até o advogado que elabora lista da CPT sofre ameaças
Defensor de posseiros, Batista não se inclui na listagem oficial: "Tem gente mais ameaçada do que eu"

Luiz Maklouf Carvalho
Especial para o Estado

Seja por não gostar de aparecer, seja por ser mineiro e desconfiado, o advogado José Batista Gonçalves Afonso, 40 anos, assessor jurídico da Comissão Pastoral da Terra de Marabá, não coloca o próprio nome na lista de marcados para morrer que ajuda a elaborar. "Tem gente mais ameaçada do que eu", diz. Não é o caso de medir o tamanho das ameaças - já basta que elas existam, centenas de vezes executadas -, mas é fora de dúvida que Batista está na lista.
Nos últimos anos, ele tem sido, além de advogado diligente, o principal articulador do trabalho da CPT em Marabá e região. Advoga, para centenas de posseiros, em cerca de 50 processos, quase todos contra interesses de grandes e médios fazendeiros arreliados com as invasões. Mantém briga permanente contra a lentidão e outras mazelas de órgãos polícias e Incra. Elabora denúncias que vão parar no Congresso e em organismos internacionais como OEA e ONU. Articula-se com entidades congêneres à sua. "É um trabalho da equipe", diz. Mas as equipes, da CPT e das outras siglas, sabem bem o quanto ele pesa na balança.

Os chefes da pistolagem também. Dia desses, num vôo Brasília-Marabá, uma advogada que quer ter nome preservado teve a boa sorte de ouvir, de fazendeiros de área invadida, que o problema era Batista. Acabando-se um, ao outro dava-se fim, conversavam. O relato da advogada, registrado em cartório, é do conhecimento dele, mas nem por isso dá-se aos ares. "Sei qual é meu papel aqui na região e procuro tomar os cuidados possíveis", diz, revoltado com a morte da irmã Dorothy Stang, companheira de batalhas, a cujo enterro compareceu.

A somar os marcados para morrer que a pistolagem já matou, Dorothy, para Batista, foi mais uma da série que conheceu. Ele já estava na região, em 1980, ilustre desconhecido, quando mataram Raimundo Ferreira Lima, o Gringo, de Conceição do Araguaia, primeiro morto do gênero a provocar alarde nacional. Foi à missa da sétimo dia. No palanque, estava o advogado Paulo Fonteles de Lima, assassinado em 1987. Antes dele, em 85, morreu João Canuto, e mais tarde seus dois filhos, de quem era amigo. Datilografava poesias de Expedito Ribeiro de Souza, presidente do sindicato de Rio Maria. Foi dos primeiros a ver o cadáver, em fevereiro de 91. Os mais recentes - Fusquinha, Valentim, Euclides, Dezinho, Ribamar, Dedé, Carlito, Soares - eram companheiros da mesma luta.

Mineiro de Turmalina, no sempre necessitado Vale do Jequitinhonha, Batista é da pobreza que conheceu a fome. A família migrou, em 73, de pau-de-arara, para Paraíso do Norte, em Goiás. Foram arrendatários de terra alheia. Atrás de própria, mudaram para Conceição do Araguaia, em 77. Os irmãos mais velhos participaram de ocupações e acampamentos, até ganharem a sua como assentados. Batista participava.

Em 84, decidido a ser padre, fez o seminário em Conceição. Dois anos depois, foi cursar Teologia, em Belém, em escola que dava peso à opção social da Igreja. Desistiu da batina, mas engajou-se no trabalho pastoral. Primeiro em Rio Maria, com o padre Ricardo Rezende, presença assídua na lista dos marcados para morrer enquanto esteve na região. Mudou-se para a CPT de Marabá em agosto de 96. Em 2001, formou-se advogado pela Universidade Federal do Pará.

Batista não pára - nem aos domingos - e o trabalho sempre entra pela noite. São audiências, expediente na CPT, reunião em cima de reunião, viagens para municípios em que há conflitos. São muitos, a entidade só tem mais um advogado, recém-formado, e a equipe toda é de seis pessoas. Na azáfama, não se percebem maiores preocupações com ameaças. Batista as têm, é certo, toma lá cuidados e segue em frente. "Se o padrão de violência do sul e sudeste do Pará impressiona, a impunidade choca ainda mais", diz o advogado. "É contra isso que lutamos, mesmo correndo risco."

Número de invasões no País cresceu 47% em 2004
Relatório, apresentado pela Ouvidoria Agrária, mostra 327 ocupações de terra; 16 morreram em conflitos no campo

Roldão Arruda

Em 2004, o segundo ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, os sem-terra demonstraram um nível de ofensividade que não se via desde 1999. De acordo com relatório divulgado ontem pela Ouvidoria Agrária Nacional, eles fizeram 327 ocupações de terra no País. Isso representa uma variação de 47% em relação a 2003, quando ocorreram 222 invasões. Em 1999 foram 502.
O relatório da ouvidoria também registra um total de 16 mortes decorrentes de conflitos agrários no ano passado. Outras 19 estão sendo investigadas - para esclarecer se decorreram de disputas em torno da terra ou foram crimes comuns.

Sob esse aspecto os números da ouvidoria indicam um recuo em relação a 2003. No primeiro ano do governo Lula o registro de mortes chegou a 42 - mais do que o dobro de 2002, último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, quando 20 pessoas foram assassinadas nos conflitos.

ABRIL VERMELHO

Em 2004, o maior número de ocupações de terras ocorreu em abril. Foram 109 casos, no chamado abril vermelho - quase quatro por dia. O mês no qual os sem-terra mostraram menor ofensividade foi outubro, com 7 registros. Em dezembro foram 11 casos.

Desde 1995, quando a ouvidoria começou a registrar os conflitos agrários, não se tinha visto nada como o que ocorreu em abril deste ano. Até então, o mês de março de 1999 encabeçava a lista dos meses com maior número de ocorrências, com um total de 101.

Pernambuco é o Estado em que os sem-terra mais fazem ocupações, de acordo com o relatório da ouvidoria. Do total de 327 invasões realizadas no ano passado, 76 foram conduzidas pelos movimentos pernambucanos. Em segundo lugar aparece São Paulo, com 49; e em terceiro, Minas, com 31.

No Pará, onde foi assassinada a missionária americana Dorothy Stang, a ouvidoria registrou 8 invasões e 4 assassinatos em 2004. Sob esse aspecto, Minas poderia ser considerado o Estado mais violentos, com 5 mortes registradas. Nesta conta estão incluídos os três fiscais e o motorista do Ministério do Trabalho que investigavam denúncias de trabalho escravo numa propriedade na região mineira de Unaí.

DESCOMPASSO

Até 1995 os números de conflitos agrários eram contabilizados apenas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Eram quase sempre contestados pelo governo federal, que decidiu fazer seu próprio levantamento, por meio da ouvidoria. No governo Fernando Henrique Cardoso sempre houve descompasso entre os números oficiais e os CPT, freqüentemente acusada de inflar as estatísticas para chamar a atenção para os problemas agrários.

No governo Lula, o descompasso continuou. De acordo com a CPT, os números do governo não refletem a gravidade da situação. Pelas contas dos agentes pastorais, o número de mortes decorrentes de conflitos em 2003 chegou a 73 - um número bem maior que as 42 registradas pela ouvidoria.

Entre 1995 e 1999, houve uma escalada nas ocupações, lideradas sobretudo pelo Movimento dos Sem-Terra (MST). Em 2000, pressionado pelos proprietários rurais, Fernando Henrique baixou uma medida provisória que pune esse tipo de ação, retirando a área ocupada dos processos de desapropriação para a reforma agrária.

Isso teve efeito imediato nas ações dos sem-terra. O número de ocupações caiu de 502 em 1999 para 236 no ano seguinte, 158 em 2001, e 103 em 2002. Embora Lula não tenha mexido na medida provisória, os movimentos dos sem-terra voltaram à ofensiva desde o primeiro ano de seu governo.

OESP, 23/02/2005, Nacional, p. A7

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