VOLTAR

Fracasso escolar é alto entre os índios na cidade

Diário de Cuiabá-MT
Autor: CARLA PIMENTEL
25 de Fev de 2002

"Não estudo de dia porque, à noite, poucos me vêem". Este é o relato de um aluno xavante de 16 anos, que saiu da aldeia para completar, no meio urbano, o ensino fundamental. Trata-se de um dos depoimentos da dissertação de mestrado "A Diversidade da Formação dos A'Uwê Uptabi, a ser defendida no segundo semestre deste ano no Instituto Cuiabano de Educação (ICE). A pesquisadora Hilda Maria Stürmer Gonçalves analisou o universo de quase mil índios xavantes dos municípios de Barra do Garças, Paranatinga e General Carneiro, no decorrer dos anos 90. E o diagnóstico apontou para a dificuldade de adolescentes e adultos que deslocam-se de suas aldeias para completar os estudos na cidade, de serem recebidos pelo contexto urbano.

Esta dificuldade pode ser traduzida em números. O índice de desistência dos alunos que buscam os estudos de 5ª a 8ª séries atinge o patamar de 10% - um volume alto, segundo a pesquisadora. O fracasso escolar - que inclui desistências temporárias, repetência e pouco rendimento - atinge um universo de 22% dos estudantes pesquisados. "Muitos alunos começam a estudar, depois evadem, voltam às aldeias, recomeçam. O deslocamento para a cidade os deixa, grande parte das vezes, muito confusos", relata.

Dados de 1999 revelam que Mato Grosso contava, naquele ano, com 127 escolas no interior das aldeias. Desse montante, segundo Hilda Stürmer, apenas quatro contavam com ensino de 5ª a 8ª séries, totalizando o atendimento a 140 alunos. Atualmente, Mato Grosso conta com cerca de 6 mil estudantes indígenas. O resultado desta matemática é que muitos precisam deslocar-se para as cidades para completar o Ensino Fundamental - e é aí que começam os problemas de adaptação de adolescentes e adultos.

Frustração é a palavra usada pela pesquisadora - também professora da Fundação Nacional do Índio (Funai) há 25 anos - para definir esta transição. Os problemas começam com a barreira da língua: muitos xavantes analisados por ela não tinham o domínio do português, ocasionando dificuldades para acompanhar o ritmo das aulas do ensino regular. Segundo Hilda Stürmer, esse problema de comunicação, que gera deficiências no rendimento, acaba transformando-se em rótulos para os alunos indígenas: "Ele copia tudo, mas não sabe o que copiou. Esta é uma constatação corriqueira", aponta o depoimento de uma das professoras pesquisadas na dissertação.

Estar em um ambiente estranho, mergulhado em outra cultura. Este é o desafio para os estudantes que se deslocam para as cidades, segundo constatação de Hilda Stürmer. Voltada para a psicopedagogia, a pesquisa alerta que esta experiência pode gerar traumas para toda a vida. Ela aponta que o jovem depara-se com uma ambigüidade, que o faz querer enquadrar-se nos moldes recém descobertos na cidade, ao mesmo tempo em que se vê comprometido com as tradições de sua própria cultura. Começando por questões simples como o corte de cabelo, o confronto entre dois mundos é fonte de perturbações. Incluindo neste caldeirão as dúvidas e transformações típicas da adolescência, as dificuldades tendem a inflar.

Hilda Stürmer não constatou muitos problemas envolvendo drogas e alcoolismo entre os xavantes. Ela atribui este fato ao grande cuidado dos mais velhos em preservar a própria cultura. Os idosos, que contam com grande respeito no grupo social, chegam a passar temporadas nas casas onde os alunos ficam hospedados - mantidas pelas prefeituras, Funai ou, em alguns casos, entidades não-governamentais. A missão: servir como referência de família e aconselhar os mais novos acerca da importância da manutenção das tradições. Mas a pesquisadora não sabe dizer como esta transição se dá nos demais povos. "Outras etnias podem estar mais suscetíveis a problemas como esses", acredita.

Esta preocupação é compartilhada pela líder de equipe de Educação Indígena da Secretaria de estado de Educação (Seduc), Maristela Mendes Pedroso: "O adolescente, estando dentro da aldeia, evita o contato coma droga e com o álcool". Segundo ela, a ampliação da oferta de ensino de 5ª a 8ª séries dentro das reservas é uma das prioridades do governo no setor - que poderá ser viabilizada a partir da crescente formação de professores índios, tanto em nível médio quanto superior, através de iniciativas como o Projeto Tucum e a Universidade Indígena.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.