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Forças de segurança dão início a maior retirada de invasores de terras indígenas do Pará

O Globo - https://oglobo.globo.com
Autor: Daniel Biasetto
02 de Out de 2023

Território do povo Parakanã, a Terra Indígena Apyterewa perdeu 324 km² de floresta, maior que a área de Fortaleza, algo em torno de 32.400 campos de futebol

Por Daniel Biasetto - Rio de Janeiro
02/10/2023 00h01 Atualizado há 22 horas

Forças de segurança deflagraram nesta segunda-feira a maior operação de desintrusão de invasores de terras indígenas no Pará. Cerca de 150 agentes da Força Nacional e outros 60 policiais federais darão início à primeira etapa da ação que visa retirar da TI Apyterewa, localizada no município de São Félix do Xingu, aproximadamente 2 mil pessoas que vivem ilegamente na área, a mais devastada entre as terras indígenas nos últimos quatro anos.

O GLOBO apurou que mais de 300 servidores federais, 93 viaturas e dois helicópteros vão dar apoio à operação, que mira grileiros, desmatadores, pecuaristas e garimpeiros ilegais. A Secretaria-Geral da Presidência da República, o Ministério dos Povos Indígenas, o Comando Militar do Norte e o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) também participam da ação.

Território do povo Parakanã, a Terra Indígena Apyterewa perdeu nesse período 324 km² de floresta, maior que a área de Fortaleza, algo em torno de 32.400 campos de futebol. É a maior devastação de uma área de floresta derrubada na Amazônia entre as terras indígenas, de acordo com o Imazon. As áreas desmatadas na TI Apyterewa vêm sendo ocupadas sistematicamente pela criação de gado ilegal. Homologada em 2007, a Apyterewa conta com uma população de 729 pessoas distribuídas em 20 aldeias.

Um comunicado foi entregue aos invasores para que desocupassem "imediatamente" a área de maneira voluntária levando consigo seus pertences e animais antes de a operação ter início. O panfleto cita o artigo 231 da Constituição Federal, sobre a demarcação, proteção e respeito aos bens das terras ocupadas pelos povos indígenas como obrigação da União.

Só na terra Apyterewa há cerca de 70 mil cabeças de gado, já embargados pelo Ibama, com publicação de edital de notificação determinando a retirada dos animais criados ilegalmente na área. O governo promete que haverá monitoramento constante para evitar o retorno de posseiros e invasores.

A ação, que conta ainda com servidores do Ibama, da Funai e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), se estende também à Terra Indígena Trincheira-Bacajá e já pode ser considerada a primeira grande operação de desintrusão determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após a deflagrada no início do ano contra os garimpeiros na Terra Indígena Yanomami.

Homolgada em 1996, a Trincheira-Bacajá está localizada entre os municípios de Altamira, Anapú, Senador José Porfírio e São Félix do Xingu e possui uma área de 1, 7 milhão de hectares e é ocupada pelos povos Mebengôkre Kayapó, Mebengôkre Kayapó Kararaô e Xikrin (Mebengôkre). No total, nas terras homologadas vivem cerca de 2,5 mil indígenas distribuídos em 51 aldeias. Há também registros de indígenas isolados e de recente contato no território.

De acordo com a Secretaria-Geral da Presidência, a desintrusão para reintegração de posse das TIs ocorrerá de "forma negociada com as famílias não indígenas que vivem lá e com assistência do Governo Federal como transporte, doação de cesta básica, cadastro para verificar se as famílias têm direito a Programa de Reforma Agrária e orientação para inscrição no Cadastro Único para as famílias que ainda não façam parte".

Resistência de políticos locais
A retirada dos invasores do Pará era para ter sido iniciada na última quinta-feira (28), mas fontes que acompanham a concentração dos agentes em Marabá disseram ao GLOBO que "forças políticas locais" pressionaram ministérios do governo federal e até o STF para que a ação não fosse desencadeada. O que acabou por atrasar a início da operação.

No final de junho, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, que é relator da ação de desintrusão, havia dado prazo de 10 dias para que a União apresentasse as providências tomadas em relação à retirada dos invasores da Terra Indígena Apyterewa, como a contenção de invasões e remoção do gado, o que só agora será possível.

A determinação do ministro atende a um pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que aponta para a presença de indígenas de recente contato na área.

--- Esperamos um comprometimento nessa operação do governo federal e ministérios envolvidos. É uma ação complexa, necessita de coordenação interministerial e vontade política para que haja êxito. A Apib espera que exista um comprometimento do governo dentro de outras esferas, como da Defesa, da Casa Civil, que por vezes apresentam algumas dificuldades. Digo isso porque soubemos que forças políticas do Pará tentaram barrar as desintrusões. A desintrusão é um dever do Estado brasileiro e um cumprimento constitucional. E que não se sobreponham as vontades políticas que miram visões particulares em detrimento do interesse público --- afirma ao GLOBO o coordenador jurídico da Apib, Maurício Terena.

Em meados dejulho, Ibama e Funai realizaram uma operação no interior da Trincheira-Bacajá, com apoio da Força Nacional, para desmobilizar 15 acampamentos que serviam de ponto de apoio aos invasores como forma de dificultar ações fiscalizatórias. A Trincheira- Bacajá também é uma das terras indígenas alvo de processo de desintrusão determinado pelo STF no âmbito da ADPF 709.

Em 2020, a prefeitura de São Félix do Xingu foi ao STF para tentar negociar com a União a redução da Terra Indígena Apyterewa, de 773 mil hectares, sem a consulta de indígenas e do Ministério Público Federal (MPF). Em maio deste ano, o prefeito de São Félix, João Cléber (MDB), foi alvo de uma ação do MPF que pediu sua condenação, sob a acusação de abrir uma estrada para dar apoio ao garimpo ilegal dentro da Terra Indígena Apyterewa.

Além de Cléber, o capitão da reserva Raimundo Pereira dos Santos Neto - que coordenou, por indicação de Jair Bolsonaro, a Funai no estado - e Gaspar Francisco da Silva, apontado como grileiro, são alvos do processo. A ação quer ainda que Gaspar, João Cléber e Raimundo também paguem mais de R$ 2,2 milhões de multas aplicadas.

https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/10/02/forcas-de-seguranca-…

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