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Forças Armadas ampliam presença na Amazônia

OESP, Nacional, p. A1, A8
18 de Jan de 2004

Forças Armadas ampliam presença na Amazônia
Já foram enviados mais 3 mil homens e ampliado projeto Calha Norte; objetivo é ocupar região

Tânia Monteiro

O governo brasileiro decidiu intensificar a transferência de tropas para a Amazônia para ajudar no processo de desenvolvimento sustentável da região e, mais importante, para ocupá-la efetivamente. Além de ampliar a área de atuação do Projeto Calha Norte, incluindo entre as áreas de ocupação a Ilha de Marajó e os Estados do Acre e Rondônia, até o limite com Mato Grosso, na próxima quinta-feira será inaugurado o novo comando naval da Amazônia Ocidental, na Ilha de São Vicente.
Outras medidas já estão previstas para o Amazonas: em janeiro de 2005 entrará em funcionamento a nova Brigada de Infantaria de São Gabriel da Cachoeira, com 3 mil homens, e está sendo iniciada a construção da Base Aérea de Eirunepé.
Com as transferências, o Exército ampliará a presença na área para pelo menos 25 mil soldados, ainda este ano. Hoje são 22 mil, o que corresponde a 12% do efetivo da Força. Está nos planos também mais dois pelotões de fronteira nos Estados do Acre e Rondônia, as novas áreas do Calha Norte. Um deles já está definido. Será na fronteira do Acre com o Peru.
As transferências de militares esbarram em problemas orçamentários. A nova brigada de São Gabriel da Cachoeira, que está sendo transferida de Niterói (RJ) para o Amazonas, deveria ficar pronta até meados deste ano, mas o início das operações foi transferido para janeiro de 2005. O Exército já conseguiu, no entanto, levar para Manaus 150 homens que vão montar uma espécie de posto avançado da Brigada de Operações Especiais de Goiânia.
O coordenador do Calha Norte, coronel Roberto de Paula Avelino, está animado com as obras na Amazônia, caso o orçamento projetado para 2004 seja cumprido. O Calha Norte conseguiu R$ 69 milhões, sendo R$ 20 milhões do Orçamento, R$ 47 milhões de 36 emendas de parlamentares e de bancada e R$ 12 milhões de convênio assinado com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
"Se isso for mesmo liberado, poderemos executar mais de cem obras de infra-estrutura que temos previstas. Poderemos fazer mais do que foi feito nos últimos três anos." No ano passado, dos R$ 42,4 milhões previstos, só R$ 14,3 milhões chegaram ao projeto. Mas Avelino tem de lutar contra o tempo - 2004 é ano de eleição e os convênios com prefeituras e secretarias municipais só podem ser assinados até julho.
A exemplo do que ocorre em outras áreas do governo, há recursos com a mesma finalidade dispersos em outros ministérios, que deveriam estar concentrados no projeto Calha Norte.
Outro problema é que dos 24 pelotões de fronteira na área do Calha Norte somente em um terço há presença de outro órgão federal. Na definição original, em cada posto deveriam estar presentes todos os representantes do Estado, mas é difícil conseguir funcionários para trabalhar nessas áreas isoladas.
Aumento - O antigo Calha Norte atendia a quatro Estados: Amazonas, Pará, Amapá e Roraima. Agora, foram acrescidos Acre e Rondônia, passando de 74 municípios beneficiados para 151, em 10.938 quilômetros de fronteira, contra os 7.413 quilômetros que eram abrangidos anteriormente.
O novo Calha Norte abrange 2.186.252 quilômetros quadrados - 25% do território do País -, ao invés dos 1,5 milhão de quilômetros quadrados anteriores. Dos 151 municípios, 95 estão na fronteira, com os seguintes países: Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana Francesa e Bolívia.
O governo espera poder incrementar o projeto com a volta do Correio Aéreo Nacional (CAN), a ser revitalizado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no mês que vem.

Alto Rio Negro, o desafio maior da infantaria
Batalhão da Selva usa de lançador de granadas a zarabatanas; no grupo, índios de 8 etnias

Leonencio Nossa
Enviado especial

Com sol escaldante, rios com cachoeiras, pântanos, montanhas de vegetação densa e nuvens de piuns - mosquitos amazônicos -, a selva do Alto Rio Negro, no Amazonas, é o topo da carreira para o militar que pretende atuar num batalhão de infantaria, regimento que combate a pé.
Formado na Academia Militar de Agulhas Negras, no Rio, o capitão Marco Antônio Lobão, de 39 anos, há um ano em São Gabriel da Cachoeira, avalia que, na Amazônia, o militar é forçado a ter flexibilidade de raciocínio e fazer planejamentos mais complexos. "O batalhão de selva é tudo para o infante."
Os militares que atuam no 5.o Batalhão de Selva, em São Gabriel da Cachoeira, manuseiam tanto um lançador de granada quanto uma zarabatana - arma de sopro dos índios, que dispara uma flecha envenenada. "Não tive muito choque, pois já conheço a cultura do pessoal da mata", diz o sargento Jânio Cruz, de 24 anos, que nasceu na cidade.
O soldado Espitia Cubeu, de 19 anos, índio de Querari, não esconde o fascínio em poder usar um para-fal - fuzil calibre 7.62, com 4,2 quilos e resistente à umidade da floresta. Nas caçadas com parentes e amigos, só costuma utilizar flechas e espingardas feitas de cano de carrinho de mão.
Se em outras áreas a diversidade de línguas indígenas dificulta o trabalho de órgãos do governo, no dia-a-dia militar os dialetos e línguas da Amazônia tornam ainda mais sofisticados os códigos de comunicação, diz o capitão Pablo Roberto Macário. Soldados de pelo menos oito etnias servem o Exército no batalhão.
Infiltração - Na quinta-feira, dez homens fizeram uma demonstração, no Rio Negro, de como se infiltrar por água numa área dominada pelo inimigo. Com rostos pintados, fardas, mochilas, coturnos e fuzis, os homens já nadaram até 4 quilômetros enfrentando as correntezas do rio. Para não serem arrastados, eles são amarrados uns aos outros e as mochilas carregadas ajudam a flutuar. Um homem com bússola vai à frente.
Ao final de um ano, nem todos os índios e ribeirinhos permanecem na carreira. O jeito é voltar para a comunidade sem o salário mensal, as armas de fogo e os uniformes.

Governo está agindo certo, diz brasilianista
Para Saunders, Brasil tem de investir em programas avançados para proteger a Amazônia

Roberto Godoy

O governo do Brasil age certo investindo em programas avançados destinados a criar uma sólida estrutura militar de defesa da Amazônia, "porque ao menor sinal de fragilidade da sua guarda, esse, que é o último território das grandes reservas mundiais, será ameaçado".
A análise é do brasilianista Andrew Saunders, pesquisador da Fundação de Estudos da Defesa da Universidade da Califórnia. Em entrevista ao Estado, ele afirma que "programas como o Calha Norte e o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) não podem perder a perspectiva da ação social e econômica". A seguir, os principais trechos da entrevista:

Estado - O senhor considera que a Região Amazônica está sob risco?

Andrew Saunders - Pensando a longo prazo, sim. É o último conjunto intocado de grandes reservas estratégicas da Terra.

Estado - O senhor pode dar alguns exemplos?

Saunders - Há muitos. Cito dois: 88% das reservas mundiais do nióbio - o mais promissor dos materiais da nova tecnologia - estão dentro da Amazônia brasileira, da mesma forma que o maior banco genético-biológico do planeta.
Os pesquisadores mal começaram a contar e já chegaram a 2 mil matrizes biológicas.
Estado - O que poderia caracterizar uma ameaça à região, na sua opinião?

Saunders - Uma futura crise internacional pode levar à declaração de uma parte do território amazônico sujeito ao regime de soberania especial sob o argumento do interesse da humanidade.

Estado - E a curto prazo?

Saunders - A América Latina tende a ser um dos novos cenários de crise da primeira década do século 21.

Exército administra único hospital da região
Batalhão é a principal fonte de renda e desenvolvimento do Alto Rio Negro

Um batalhão do Exército é a principal fonte de renda e desenvolvimento da região do Alto Rio Negro, no noroeste do Estado do Amazonas. Os 32 mil moradores de São Gabriel da Cachoeira, município do tamanho de Portugal, a 1.601 quilômetros por barco de Manaus, dependem dos militares para fazer uma simples cirurgia ou deslocamentos de emergência. O único hospital da cidade, construído pelo Projeto Calha Norte, é administrado pelo Exército. O pequeno comércio e o setor de serviços têm como principal clientela os soldados e oficiais que trabalham no 5.o Batalhão de Infantaria de Selva.
Os remédios e equipamentos usados pelos militares no atendimento aos pacientes são os convencionais, mas rituais indígenas são permitidos nas dependências do hospital. "Nós permitimos que os índios façam seus rituais e pajelanças, desde que não incomodem outros pacientes", afirma o coronel André Luiz Portela Martins, diretor do hospital.
Com mais de 400 comunidades indígenas distantes até 500 km da sede, o município não tem estradas por terra, e os rios apresentam trechos de cachoeira. "Quem mora em comunidades enfrenta até cinco dias nas correntezas do rio ou pede carona aos pilotos do Exército para chegar à cidade", diz o prefeito Raimundo Quirino Calixto (PPS). "Antes dos militares São Gabriel era uma aldeia."
Qualidade - Mas para líderes indígenas e comunitários, apesar de garantir segurança, os sete Pelotões Especiais de Fronteira ainda não contribuem para a melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento das localidades situadas nos 1.500 quilômetros de fronteira com a Colômbia e a Venezuela.
A proposta do governo previa a atuação, nestes centros isolados na selva, de representantes de órgãos diversos, como Polícia Federal, Funai, Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e bancos oficiais. Na prática, apenas os militares foram deslocados para os pelotões.
"A presença do Exército trouxe segurança na fronteira, mas os espaços construídos para outros órgãos estão vazios", reclama o diretor da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), Domingos Barreto Tucano.
(L.N.)

OESP, 18/01/2004, Nacional, p.A1, A8

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