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Fome afeta pelo menos 14 milhões, diz IBGE

FSP, Brasil, p. A12
18 de Mai de 2006

Fome afeta pelo menos 14 milhões, diz IBGE
Pesquisa com dados de 2004 revela que problema afeta mais os negros ou pardos e os moradores do Nordeste

PEDRO SOARES
RAPHAEL GOMIDE
Da sucursal do Rio

Quase 14 milhões de brasileiros (ou 7,7% da população) viviam em domicílios nos quais a fome esteve presente ao menos um dia em 2004, revela a primeira pesquisa sobre Segurança Alimentar feita pelo IBGE, como suplemento da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio).
Considerando todos os níveis de insegurança alimentar, 72 milhões de pessoas (39,8%) estavam vulneráveis à fome em maior ou menor grau: tinham preocupação com falta de dinheiro para comprar comida, perderam qualidade na dieta ou ingeriram alimentos em quantidade insuficiente.
Mais da metade da população preta ou parda (52,3%) residia em domicílios sob risco de conviver com a fome em 2004. Entre os brancos, o percentual era bem menor: 28,1%.
"Esses dados mostram a reprodução da discriminação e da desigualdade na sociedade brasileira", disse Lena Lavinas, economista da UFRJ.
Segundo o levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os 14 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar grave (ao menos uma pessoa da família relatou ter sentido fome nos 90 dias anteriores à pesquisa) viviam em 6,5% dos domicílios do país, ou 3,35 milhões de lares.
Os 14 milhões de pessoas mais atingidas pela fome representam menos de um terço dos 44 milhões usados como base para a implantação do Fome Zero. O cálculo indireto, a partir da renda, levou em conta linha de pobreza definida a partir de dados da Pnad-IBGE. Nesta pesquisa, a avaliação é mensurada a partir da percepção dos entrevistados.
Para Lena Lavinas, o fato de haver 72 milhões de pessoas que convivem com a fome ou temem ser afetados por ela mostra que o contingente de pessoas abaixo da linha de indigência é superior ao estimado pelo governo. "Será que essas informações não servem para redefinir a linha do governo Lula, que estima 55 milhões de pessoas na pobreza?"
Relacionada diretamente à renda, a segurança alimentar consiste no direito ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer outras necessidades essenciais. A insegurança alimentar, por sua vez, está dividida em diferentes níveis: o leve inclui a preocupação com a possível falta de comida; o moderado representa perda da qualidade da alimentação e alguma restrição na quantidade de alimentos; o grave evidencia a fome.
A pesquisa mostra ainda que metade das crianças e dos jovens de até 17 anos viviam em lares com algum grau de insegurança alimentar. Mais da metade (52%) das pessoas afetadas pela fome em seu domicílio viviam no Nordeste, que concentrava 7,24 milhões de pessoas com insegurança alimentar grave. O Maranhão é o Estado com maior percentual de lares com o problema -18%.
Apesar dos dados graves, o IBGE alertou: "O cenário não é a África, vamos deixar isso claro, embora no estágio mais grave seja identificada a fome", disse Márcia Quintslr, chefe da Coordenação de Emprego e Rendimento do IBGE. Em domicílios com renda per capita de até um quarto de salário mínimo, a insegurança alimentar moderada ou grave chega a 61,2%. Nos lares com rendimento superior a três salários mínimos per capita, isso só se aplica a 1%.
Os pesquisadores foram a campo entre outubro e dezembro de 2004. Embora as metodologias das pesquisas sejam distintas, nos EUA a insegurança alimentar atingia 16,5% dos domicílios em 2002, sendo 3,5% desses no nível grave. A escala brasileira foi adaptada da norte-americana.

Programas sociais só beneficiam um terço dos que passam fome
Da sucursal do Rio

Dos 18 milhões de domicílios com algum nível de insegurança alimentar, apenas 5,3 milhões (29% do total) eram beneficiários dos programas sociais de transferência de renda, de acordo os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). Ou seja: ainda existiam no país, em 2004, 12,5 milhões domicílios vulneráveis à fome que não recebiam repasses do governo.
Naquele ano, 8 milhões de domicílios tinham algum morador beneficiado por programas de transferência de renda das diferentes esferas de governo, como o Bolsa-Família. Entre os domicílios que recebiam transferências de renda, os dados mostram que a maioria (66%) tinha ao menos um morador que relatou insegurança alimentar em algum nível.
Uma distorção de foco dos programas sociais, segundo especialistas, é que em 34% dos domicílios que recebiam recursos de transferência de renda não houve preocupação nem chegaram a faltar alimentos para uma dieta saudável por restrições de renda.
Dos domicílios atendidos por programas sociais, 14,9% estavam em situação de insegurança alimentar grave, na qual moradores relataram que chegaram a passar fome ao menos uma vez nos três meses anteriores à pesquisa, realizada em outubro de 2004. Era 1,2 milhão de lares nessa situação.
Para Lena Lavinas, do Instituto de Economia da UFRJ, os dados relevam a "enorme exclusão das políticas sociais". Mostram ainda, diz, que os programas são "mal desenhados e inadequados".
"As estatísticas apontam que há um déficit de cobertura de mais de 12 milhões de pessoas. Os dados mostram que há um erro de focalização gravíssimo", afirmou.
"O Bolsa-Família é só uma forma de organizar a fila, na qual os mais pobres nunca são os primeiros por desinformação ou porque simplesmente o recurso destinado ao município acaba. Os programas de transferência de renda têm de contemplar todos que precisam, que pela pesquisa são 72 milhões de pessoas."
O secretário de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério de Desenvolvimento Social, Rômulo Paes, afirmou que os programas sociais hoje englobam mais gente que em 2004 e que o Bolsa-Família vai incluir até o fim do ano as pessoas que não estavam atendidas naquele ano.
O governo estima que o Bolsa-Família atingirá 11,1 milhões de domicílios até o fim do ano. Hoje, 9,1 milhões de famílias recebem o benefício. Em 2004, eram 6,7 milhões os atendidos. (PS e RG)

FSP, Brasil, 18/05/2006, p. A12

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