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21 de Fev de 2018
Denominada de "I Rodada sobre Etnodesenvolvimento em Terras e Comunidades Indígenas", o encontro realizado no dia 15 de fevereiro teve como objetivo aproximar o diálogo sobre economia indígena entre a FEI (Fundação Estadual do Índio) e a Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), que atua em uma área de aproximadamente 11,5 milhões de hectares de terras indígenas reconhecidas.
O diretor-presidente da FEI, Amilton Gadelha, informou que o encontro visa iniciar um "mapeamento da economia indígena no Estado do Amazonas" para que seja feito um diagnóstico das suas potencialidades e dificuldades. "Existe falta de fomento e de políticas públicas em todos os níveis de governo para a economia indígena. Queremos saber quais são as ações promissoras que já estão em andamento e que precisam ser apoiadas", ressaltou o presidente da FEI.
Menos imposto, mais produto indígena
Em desenvolvimento no rio Negro, o projeto "Territórios da Diversidade Socioambiental", executado pelo ISA em parceria com a Foirn e associações locais, busca inserir em mercados de alto valor agregado uma cesta de produtos do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, como artesanatos e alimentos.
Algumas cadeias produtivas desse sistema enquadram-se entre as iniciativas bem sucedidas em andamento e que precisam ser estimuladas. Um exemplo concreto é o da pimenta jiquitaia "Baniwa", comercializada pelo povo Baniwa para uma rede de 28 parceiros comerciais no Brasil, em pequena escala para os Estados Unidos e usada por chefs como Alex Atala, Felipe Schaedler (especializado em comida amazônica) e Bela Gil.
"Há um enorme potencial na região que só precisa de maior apoio, como isenção do ICMS para produtos indígenas. Conseguir desonerar esses produtos seria uma ótima política de Estado para os povos indígenas do rio Negro", disse o geógrafo do ISA, Wilde Itaborahy, que atua com pesquisa e desenvolvimento socioambiental na Amazônia e assessora a Foirn na implementação das cadeias produtivas.
O cálculo feito pelo ISA é de que 12% do preço de venda do potinho de Pimenta Baniwa é recolhido para pagar ICMS. Em uma venda para clientes no Brasil a R$ 22,50, por exemplo, isto representa R$ 2,64. Um valor que onera muito essa cadeia produtiva, que é baseada no comércio justo e na manutenção de uma atividade econômica ligada à cultura dos povos indígenas do rio Negro.
Para estimular a economia indígena em São Gabriel da Cachoeira, será construída uma Central Multiprodutos da Foirn, junto à sede da Federação. No local, os indígenas poderão vender uma grande variedade de produtos, como mel nativo de abelhas amazônicas, castanhas, tucupi, farinhas, tapiocas, artesanato e cerâmica. "É uma grande oportunidade de alavancar a economia indígena, mas precisamos contar com maior incentivo público para que tenhamos, de fato, um desenvolvimento sustentável pensado a longo prazo para a Amazônia e os povos indígenas", enfatiza o presidente da Foirn, Marivelton Barroso, da etnia Baré.
Câmara de negócios indígenas
As rodadas de conversa da FEI serão levadas também a outros pontos do estado, como Parintins e as regiões dos rios Madeira, Juruá e para a Terra Indígena (TI) Vale do Javari. Segundo Gadelha, é lamentável que o estado do Amazonas não tenha uma "câmara de negócios indígenas" que possa apoiar a construção de uma política de Estado voltada para o desenvolvimento socioeconômico sustentável dos povos indígenas em suas terras demarcadas, que ocupam cerca de 30% do território amazonense, com 179 TIs e 66 povos indígenas.
O diálogo é importante, mas precisa ser levado adiante com propostas que de fato saiam do papel, anseiam as lideranças indígenas do rio Negro. "Essa é uma primeira rodada de conversa importante, mas que precisa ser levada para as bases e ter continuidade. São Gabriel não pode virar pólo de visitação política turística sem nenhum resultado para a nossa população", afirmou o presidente da Foirn.
Barroso acrescentou que a trigésima quarta reunião do Conselho Diretor da Foirn, reunindo lideranças indígenas de toda a região (inclui São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos), será realizada no fim de fevereiro, entre os dias 26 e 28. E que todas as propostas trazidas pelo governo do estado ao movimento indígena precisam ser avaliadas e debatidas, como a exemplo da proposta de Instrução Normativa (IN) para regulação, no âmbito da Funai, de atividades comerciais de extração de recursos florestais madeireiros e não madeireiros nas terras indígenas.
A atividade citada por essa proposta de Instrução Normativa é a de "Manejo Florestal Comunitário e Familiar Sustentável Indígena em terras indígenas", como alternativa de geração de trabalho e renda para as comunidades, a exemplo da IN de 3 de novembro de 2015, que estabelece normas e diretrizes às atividades de visitação para fins turísticos em terras indígenas.
Questionamentos e dúvidas
Lideranças indígenas locais presentes ao encontro alertaram para os riscos desta instrução normativa e para a necessidade de amplo debate sobre a proposta, sobretudo, relacionada à questão madeireira. Maria Assunção, médica da saúde indígena da etnia Tukano e liderança local, alertou à FEI: "Meu medo é que o indígena seja ainda mais explorado pelas empresas que já estão aí extraindo as riquezas da Amazônia. A pergunta é: quem é que vai fiscalizar essa atividade?", questionou a médica sobre a exploração de madeira na região.
Para a coordenadora da UMIAB (União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira), Maria Assunta Tukano, toda e qualquer atividade econômica envolvendo os indígenas em suas terras demarcadas precisam ser levadas às bases com grandes encontros de consulta. Com sede em Manaus, a UMIAB tem 8 anos de atividade e coordenadoras executivas no Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
"Nós mulheres estamos ligadas à terra e queremos colaborar com os assuntos ligados à sustentabilidade. Também precisamos envolver a juventude indígena, pois estamos falando do futuro deles nos seus territórios", sublinhou Assunta.
Marcos Apurinã, coordenador da Coipam (Coordenação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas), veio com a comitiva do governo estadual a São Gabriel da Cachoeira, assim como a liderança Sateré-Mawé, Turi, coordenador da Copime (Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e entorno). Apurinã ressaltou a importância da Foirn estar realizando os PGTAs das sete terras indígenas do Médio e Alto rio Negro, chamando atenção dos representantes do governo estadual para a relevância desses documentos. "O governo precisa respeitar os encaminhamentos das populações indígenas. Tudo o que as comunidades querem e precisam está nos seus PGTAs", ressaltou Apurinã na audiência.
Turismo em terra indígena
As atividades de turismo indígena também estiveram nos centro das atenções do encontro, com especial destaque para as atividades de pesca esportiva no rio Marié, na terra indígena Médio Rio Negro II, onde recentemente foi pescado o maior tucunaré da Amazônia, em atividade de pesque e solte.
Outras iniciativas de turismo indígena na região estão em plena fase de desenvolvimento, como as Serras Guerreiras de Tapuruquara e o turismo Yanomami ao Pico da Neblina (Yaripo), que ocorre dentro da terra indígena Yanomami, na região de Maturacá. Esses roteiros foram apresentados pela Foirn, que é parceira das comunidades e suas associações de base no desenvolvimento dos projetos de turismo, com assessoria do ISA.
A comitiva do governo do Estado que esteve presente em São Gabriel da Cachoeira também contou com o deputado estadual Josué Neto (PSD-AM), do engenheiro florestal do Idam (Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas), Eirie Vinhote, e representantes da AmazonasTur e da Secretaria de Estado de Meio Ambiente.
Saiba mais sobre a FEI
A Fundação Estadual do Índio (FEI) foi criada em 2001 durante governo de Amazonino Mendes no Amazonas e era chamada inicialmente de Fundação Estadual dos Povos Indígenas (Fepi). O órgão tem como missão integrar as ações governamentais através da formulação, implementação, execução e gestão de políticas públicas de etnodesenvolvimento para os povos indígenas do Amazonas.
O atual presidente da Fei, Amilton Gadelha, é ex-prefeito de São Gabriel da Cachoeira (AM). Quando assumiu a presidência da Fei em outubro de 2017, Gadelha sofreu muitos protestos e críticas de entidades e lideranças indígenas. As manifestações ocorreram na sede da Fei, em Manaus, e também na Av. Torquato Tapajós, uma das principais da capital, nas quais os indígenas reivindicaram seu direito à consulta e participação democrática na escolha do novo presidente da entidade.
Sistema agrícola do rio Negro é patrimônio cultural
Em 2010, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), reconheceu o Sistema Agrícola do Rio Negro como Patrimônio Cultural Brasileiro, a partir de uma parceria entre associações indígenas, instituições de pesquisa e organizações da sociedade civil.
O Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro é entendido como um conjunto de saberes e práticas das técnicas de manejo dos espaços de cultivo (roça e quintais); do sistema alimentar; dos utensílios de processamento e armazenamento; e, por fim, da conformação de redes sociais de troca de sementes e plantas que se estende de Manaus, no Amazonas, à Mitu, na Amazônia Colombiana.
O cultivo da mandioca brava, por meio da técnica de queima, plantio e manejo de capoeiras (conhecido como coivara), é a base desse sistema, compartilhado por mais de 20 povos indígenas da região. A pimenta jiquitaia produzida e comercializada pelo povo Baniwa integra esse conjunto de saberes e práticas agrícolas reconhecido pelo Iphan.
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