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Florestas estão longe dos povos

O Globo, Razão Social, p. 16-17
10 de Abr de 2012

Florestas estão longe dos povos
ONG americana mostra relação entre fome e falta de acesso à terra

Camila Nobrega
camila.nobrega@oglobo.com.br

Quase 98% das florestas africanas estão nas mãos de governos. Enquanto isso, apenas 0,4% está nas mãos de comunidades tradicionais ou indígenas. Os dados são da ONG americana Rights and Resources Initiative (RRI) e apontam um dos principais entraves para a redução da pobreza no mundo: a falta de acesso à terra. A organização, em parceria com instituições de várias partes do globo, quer colocar o assunto em pauta durante a Rio+20. O objetivo é chamar atenção de líderes e da sociedade civil para bons exemplos que já estão em curso, inclusive no Brasil. E também, deixar claro de vez: a fome mundial não é fruto da escassez de alimentos, mas da dificuldade de acesso à terra por parte da população.

Na América Latina, segundo dados da RRI, 36,1% das florestas são administradas por governos, 36,9% controlados por indivíduos e empresas e 24,6% estão oficialmente nas mãos de comunidades tradicionais e indígenas. Segundo o secretário executivo da organização, Jeffrey Hatcher, que esteve aqui no início do mês e concedeu entrevista exclusiva no Rio de Janeiro, houve importantes avanços na região, muitos deles no Brasil:

- O Brasil entregou título de propriedade a muitas famílias e fez concessão de terras. Além disso, investiu em políticas sociais como o Bolsa-Família, o Bolsa-Floresta. São políticas que têm servido de exemplo para países africanos e asiáticos cujos problemas seríssimos de pobreza e fome passam diretamente pelo acesso à terra. A Rio+20 será um momento importante de fazer essa troca de exemplos, e avaliar o que está dando certo e errado na prática.

Pesquisas recentes da organização comprovam a relação direta entre pobreza, acesso à terra e desmatamento. Segundo os estudos, a pobreza se agrava em países onde a política fundiária é falha, e isso aumenta o desmatamento. Por outro lado, onde há distribuição de terra e investimento no manejo de florestas por populações tradicionais, a renda aumenta e o desmatamento cai. É o caso da China nos últimos anos.

O Brasil também está no centro da discussão, porque, junto com Indonésia e República Dominicana, é responsável por 20% das emissões de carbono mundiais relacionadas ao desmatamento. Embora o Brasil não tenha passado por uma reforma agrária e os conflitos no campo sejam frequentes, especialmente por conta do empobrecimento de famílias da área rural do país, Hatcher afirmou que, mundo afora, ganha status de vitrine.

O principal é o fato de o país estar conseguindo reduzir a curva do desmatamento (não reduzi-lo, mas sim seu crescimento), ao mesmo tempo em que reduz índices de pobreza e desigualdade. Há países da África que seguem tendências preocupantes, por exemplo, com acelerada retirada de árvores das florestas e empobrecimento da população simultaneamente.

Segundo o último relatório lançado pela RRI no início do ano, dos 203 milhões de hectares negociados em todo o mundo entre 2000 e 2010, dois terços estavam na África e provocaram a expulsão de comunidades inteiras de suas terras para dar lugar a atividades de mineração, plantações e até para projetos de preservação. Há indivíduos e corporações se apropriando de terras de comunidades tradicionais, com o objetivo de lucrar com a venda de créditos de carbono ou programas internacionais de conservação. Essa foi a principal conclusão do estudo "Turning Point -What future for forest peoples and resources in the emerging world order?". A aquisição de terras foi um dos fatores chave para o início de guerras civis no Sudão, Libéria e Serra Leoa, e a instituição está fazendo o alerta, para que o problema não se repita em outros países. Dados do documento dão conta de que três quartos da população africana esteja vulnerável a conflitos ligados à terra.

Segundo Jeffrey Hatcher, o Brasil também corre o risco de ver ampliados os conflitos fundiários, mas tem nas mãos a possibilidade de fazer exatamente o contrário:

- A Rio+20 será aqui, e é o momentode o Brasil fazer mudanças sérias no campo. A sociedade civil está madura e terá que se colocar na conferência. A monocultura ainda impera no país, o que é um problema, assim como o uso excessivo de fertilizantes, que endividam os pequenos agricultores e dependem de um combustível em declínio - o petróleo. Mas o país tem importantes organizações da sociedade civil à frente de projetos alternativos, e muitas possibilidades de expandir a agricultura orgânica, as agroflorestas, de base familiar e comunitária.

Fundada em 2005 e formada por 14 instituições, a RRI atua em 16 países. Os projetos da organização se voltam para, além do direito à terra, temas como manejo florestal, direitos humanos e conservação da biodiversidade. As organizações resolveram se juntar, ao perceber que o acesso à terra não estava entre os temas prioritários do desenvolvimento sustentável.

"A Rio+20 será um momento importante de fazer uma troca de exemplos e avaliar o que está dando certo e errado na prática de todas as nações",
Jefrey Hatcher, Rights and Resources Initiative

Antes da Rio+20, um novo relatório

Um mês antes da Rio+20, as 14 organizações que compõem a Rights and Resources Iniciative (RRI) vão lançar um novo relatório global sobre a posse de terras, analisando diversos países desde 1992, quando foi realizada a primeira conferência do Meio Ambiente no Brasil, até 2012. Resultados preliminares do estudo já apontam que, enquanto a situação na África não mudou muito em relação à posse de terra, a pobreza aumentou.

E o documento faz um alerta: a concessão de terras por parte de governos africanos para outros governos e empresas pode se tornar um novo problema. Só Moçambique ofertou, no ano passado, seis milhões de hectares em quatro estados do norte do país, para serem explorados em regime de concessão por 50 anos, mediante o pagamento de imposto de R$ 21 ao ano por hectare. Por outro lado, na América Latina, houve avanços positivos, com reconhecimento de propriedade para populações tradicionais. Segundo a pesquisa, em 2011, os principais investimentos voltados para projetos de proteção de florestas e geração de renda aconteceram no Brasil e na China.

O Globo, 10/04/2012, Razão Social, p. 16-17

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