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A floresta vira hambúrguer

Carta Capital, p. 46
Autor: MUGGIATI, André
09 de Jun de 2004

A floresta vira hambúrguer
A soja empurra as pastagens de gado para a Amazônia.
E Causa incômodo ao governo.

Por André Muggiati

Você sabia que quando come um hambúrguer em qualquer lanchonete do mundo pode estar contribuindo para a derrubada de unta arvore da Amazônia?
É o que apontam dois estudos do Banco Mundial e da ONG Centro para Pesquisa Florestal Internacional (Cifor): a principal causa do desmatamento na Amazônia é a substituição da floresta por pastagens de gado. O baixo custo da terra na região, geralmente grilada, torna as criações muito rentáveis e um bom motivo para apenas atear fogo à mata.
Além disso, ONGs e movimentos sociais apontam uma nova tendência. Trata-se da expansão das lavouras de soja, com a construção de um terminal graneleiro da empresa Cargili em Santarém e a perspectiva de asfaltamento da BR-163 (Cuiabá-Santarém), que representa um eixo de expansão das lavouras para o interior da Amazônia.
Em função dessas obras, diversos plantios são observados em Santarém e no norte do Mato Grosso. A maior parte da soja brasileira é exportada para outros países, onde, entre as principais aplicações, destaca-se a ração para suínos e bovinos. Ou seja, mais hambúrguer.
Hoje as lavouras de soja ocupam áreas desmatadas, em substituição às pastagens. Isso leva a um deslocamento da criação de gado, induzindo a novos desmatamentos. Há especialistas preocupados com a expansão da própria produção de grãos sobre a floresta, como mostram os dados, do desmatamento no ano passado, nos quais o Mato Grosso apresentou o maior índice e crescimento.
O cientista social Roberto do Carmo, da Unicamp, ilustra a dimensão do conflito: "Com a inserção da soja e tudo o que ela significa em termos de mobilização de capital, creio que esta vai se configurar nos próximos anos como uma das principais incentivadoras do desmatamento. Mesmo porque, na atual conjuntura econômica, a soja é fonte de divisas fundamental".
Esse tipo de denúncia levou o Ministério da Agricultura a divulgar, na última semana, um comunicado buscando acalmar seus mercados. "Quanto mais o agronegócio brasileiro mostra desempenho alvissareiro e se projeta no cenário mundial, mais ONGs internacionais e veículos da imprensa internacional vinculam o crescimento do setor a desmatamentos na Amazônia", diz a nota. "Há fortes indícios de que muitas dessas matérias têm o objetivo de prejudicar o competitivo agronegócio brasileiro perante o mundo."
O ministério afirma que a maior parte da expansão da lavoura de soja se dá em áreas de cerrado. É verdade. Mas não expõe que este também é um ecossistema ameaçado, do qual restam apenas 8% da cobertura original. E que a expansão agropecuária no cerrado não respeita os limites de reserva legal, de 35% .
Também parece exagerada a tentativa do ministério em vincular ONGs e conceituadas publicações, como The Economist, a interesses de outros governos. Tradicionalmente, as ONGs adotam posturas de defesa ambiental também nos países do chamado Primeiro Mundo, em contrariedade a seus governos. Além disso, ONGs ioo brasileiras, como o Instituto Socioambiental e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, também têm se ocupado da questão.
O próprio governo brasileiro apresenta preocupação com os efeitos da agricultura sobre o desmatamento. É o que demonstra o Plano de Controle e Combate ao Desmatamento na Amazônia, divulgado em março. Ou a criação do Grupo de Trabalho Interministerial sobre o Asfaltamento da BR-i63.
O Ministério da Agricultura diz que o gado produzido na Amazônia não pode ser exportado, por questões fitossanitárias. Mas isso não impede o crescimento das pastagens na região. Se o gado exportado é o das regiões Sul e Sudeste, o da Amazônia acaba servindo para abastecer o mercado local dessas regiões. Ou seja, não se pode isolar o problema.
Ao tentar demonstrar que a questão não existe, o ministério adota uma postura preocupante. O desmatamento na Amazônia e sua relação com a expansão agropecuária exigem medidas urgentes. Entre as questões que devem ser priorizadas estão a situação fundiária e o zoneamento econômico e ecológico. A fiscalização precisa ser financiada e reforçada.
Embora o presidente Lula tenha afirmado ser a questão uma prioridade, infelizmente não é o que se vê. O Plano de Controle e Combate ao Desmatamento caminha a passos lentos e, até agora, não foram liberados os recursos necessários para a execução das medidas propostas. Enquanto isso, a derrubada de mata avança a passos largos.

André Muggiati, Jornalista especializado em meio ambiente, trabalha com a temática amazônica desde 1995

Carta Capital, 09/06/2004, p. 46

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