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Floresta vira cerrado

CB, Brasil, p. 18
18 de Nov de 2007

Floresta vira cerrado
Secretário-geral da ONU alerta para alterações "aterrorizantes" na Amazônia, e relatório prevê desertificação no Nordeste. Impacto das mudanças climáticas leva a confronto entre ricos e pobres

Rodrigo Craveiro
Da equipe do Correio

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Kofi Annan, visitou na semana passada o Pará e conheceu parte da Floresta Amazônica. Ontem, durante o encerramento da 27ª Conferência Plenária do Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas (IPCC), manifestou, alarmado, sua impressão sobre o destino da Amazônia e do que chamou de "tesouros" do planeta. "As mudanças nessas regiões são tão aterrorizantes quanto as de filmes de ficção científica. São ainda mais aterrorizantes porque são reais", afirmou. Em seu discurso de apresentação do relatório-síntese do IPCC, em Valência (Espanha), Ban citou, além da floresta, a Antártida e as geleiras de Torres del Paine, no Chile.
Em comum, todas essas riquezas naturais estão no Hemisfério Sul. Documentos anteriores do IPCC já constatavam que os principais impactos do aquecimento global - secas, inundações, doenças, fome e extinção de espécies - castigarão com mais intensidade as nações em desenvolvimento, incapazes de fazer frente à ameaça. "Na Amazônia, vi como a floresta, o 'pulmão da Terra', está sendo sufocada. O Brasil faz avanços sérios no combate ao desmatamento e promove o gerenciamento sustentável da floresta. Mas o governo teme que o aquecimento global já esteja minando estes esforços", alertou Ban. "Se a previsão mais forte do grupo (IPCC) se tornar realidade, grande parte da selva amazônica se transformará em savana."
O resumo elaborado em Valência é considerado um guia para que governos tomem atitudes pragmáticas contra as mudanças climáticas. O texto não inclui a Amazônia entre os ecossistemas onde já são nítidas as conseqüências do aquecimento, mas a floresta é citada como exemplo de riqueza ameaçada. "Até meados do século, aumentos de temperaturas associados à redução do nível de água no solo devem ocasionar uma substituição gradual da floresta tropical por cerrado no leste da Amazônia", ressalta o documento, que também aponta para o risco de desertificação em regiões semi-áridas da América do Sul, como o sertão nordestino - nas quais ganha espaço a vegetação totalmente árida.
Ban pediu à comunidade internacional que não perca tempo tentando achar culpados. Mas enfatizou que as nações pobres precisam de ajuda. "A mudança do tempo e das temperaturas pode fazer os países em desenvolvimento retrocederem para o poço da pobreza e desfazer muitos dos progressos", explicou. O secretário-geral admitiu que futuros acordos precisarão incluir incentivos aos emergentes, como melhores condições financeiras para tecnologias energéticas pouco poluentes e recursos para que os países mais vulneráveis se adaptem aos efeitos da mudança.
Prevenção
Como forma de se anteciparem aos efeitos catastróficos, os Estados emergentes intensificam a pressão para que os ricos arquem com medidas de mitigação do aquecimento e começam a exigir compensações. Os países desenvolvidos são responsáveis por 70% das emissões de gases causadores do efeito estufa, enquanto 28% cabem às nações em desenvolvimento e apenas 2% aos mais miseráveis. Diante dessa disparidade, teme-se um cisma entre ricos e pobres na Convenção das Partes sobre Mudança Climática das Nações Unidas, que será realizada em Bali (Indonésia) entre 3 e 14 de dezembro.
Países emergentes, como Índia e Peru, enfatizaram em Valência a vulnerabilidade de populações mais pobres. A Índia poderá sofrer mais tempestades tropicais por conta do aumento da temperatura do oceano, e o Peru corre o risco de presenciar o derretimento das geleiras da Cordilheira dos Andes, repositório natural de água doce. De acordo com o holandês Hans Verolme, diretor do Programa de Mudanças Climáticas da organização não-governamental WWF, é "bastante óbvio" que os países ricos têm maior responsabilidade pelas alterações no clima. "No entanto, mesmo se cortássemos as emissões de todas as nações desenvolvidas, não seríamos capazes de deter o aquecimento global", afirmou ao Correio.

Cientista do Centro Nacional para Pesquisas Atmosféricas e revisor do relatório-síntese do IPCC, Michael Glantz alerta que os países em desenvolvimento têm um argumento razoável para se fazerem de vítimas potenciais de um problema ambiental "fabricado pelo norte industrializado". O especialista norte-americano lembrou, no entanto, que todo o planeta é vulnerável. "O diferencial está no fato de que os ricos podem reservar fundos para prevenir futuros danos. Normalmente, mais vidas são perdidas em países em desenvolvimento, em decorrência de eventos climáticos extremos", acrescentou.

"O problema do aquecimento global é causado pelas emissões acumuladas do passado e, por isso, os países subdesenvolvidos carregam a carga", acrescentou o neozelandês Kevin Trenberth, um dos autores dos três últimos relatórios do IPCC (1995, 2001 e 2007). Em entrevista ao Correio, ele lembrou, no entanto, que a taxa do aumento de emissões de países em desenvolvimento obscurece qualquer progresso nas nações desenvolvidas. O cientista teme que o tão propalado cisma entre ricos e pobres se traduza no fracasso da conferência de Bali.

Devastação em Bangladesh

Da redação

A tragédia que atingiu Bangladesh na madrugada de sexta-feira já causou a morte de pelo menos 1.795 pessoas, segundo informações do governo. De acordo com a agência de notícias United News of Bangladesh (UNB), esse número supera 2 mil. Cerca de 3,2 milhões de pessoas tiveram de ser removidas de suas residências. Mais de 24 horas depois da passagem do ciclone Sidr, cerca de 200 corpos apareceram em várias regiões litorâneas, como Dublarchar, Bagerhat e Sundarban, um abrigo natural que costuma receber pescadores durante tempestades.
As organizações de ajuda ainda esperam informações sobre o destino de mais de 100 embarcações que não puderam retornar aos portos devido à tempestade. Sidr foi o maior ciclone desde 1991, quando Gorky matou 143 mil pessoas no país. O ciclone varreu a costa de Bangladesh, onde destruiu os cabos elétricos e derrubou árvores e casas construídas com folha-de-flandres e bambu, construção comum na nação que está entre as mais pobres da Ásia. Depois, Sidr deslocou-se para a capital, Daca, que também está sem luz. Já transformado em tempestade tropical, foi para as regiões indianas de Tripura e Assam. Antes de se transformar em tempestade tropical, o ciclone provocou uma elevação de 5m no oceano. Centenas de milhares de pessoas ficaram desabrigadas.
O Exército começou a utilizar ontem helicópteros para entregar suprimentos nas áreas mais remotas, enquanto embarcações militares transportam alimentos e remédios para comunidades de pescadores que vivem nas centenas de pequenas ilhas ao longo da costa. As organizações de ajuda humanitária também trabalham nas áreas afetadas. "Nossas equipes de apoio começaram a distribuição de emergência, com uma cobertura inicial de 100 mil pessoas", afirmou Vince Edwards, diretor em Bangladesh do grupo World Vision. "Entretanto, várias áreas estão inacessíveis agora por causa da queda de árvores", informou o grupo por meio de um comunicado.
Os Estados Unidos enviaram equipamentos para ajudar no resgate, além de veículos anfíbios e equipes de trabalhadores. A União Européia anunciou o envio de US$ 2,2 milhões, enquanto a Alemanha comprometeu-se em liberar 500 mil euros.

CB, 18/11/2007, Brasil, p. 18

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