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Floresta submersa ameaça hidrelétrica de Tucuruí

The New York Times-New York-USA
Autor: Larry Rohter Tradução: George El Khouri Andolfato
07 de Set de 2004

Floresta submersa ameaça hidrelétrica de Tucuruí

Árvores emitem gases, deixam a água ácida e danificam as turbinas

Uma coisa engraçada aconteceu quando o governo do Brasil estava construindo a gigantesca usina de US$ 8 bilhões (cerca de 24 bilhões) que carrega o nome de Tucuruí, cidade na região oriental da Floresta Amazônica.

Alguém esqueceu de cortar as árvores e desmatar a área de 2.875 km2 que seria inundada, e 20 anos depois isto se tornou um problema. A decomposição da vegetação resultou na emissão de milhões de toneladas de gases responsáveis pelo efeito estufa. Os troncos de árvore submersos atrapalham a navegação. Os cientistas temem que a crescente acidez da água do reservatório possa corroer as turbinas da usina. Infestações de mosquitos têm sido tão intensas que alguns assentamentos foram forçados a se mudar.

Para resolver o problema, até recentemente, mergulhadores usando serras hidráulicas especiais nadavam até mais de 20 metros de profundidade, se prendiam aos troncos de árvore submersos e os cortavam, assistindo depois os troncos serem içados para a superfície por cabos de aço.

"Em um bom dia, é possível cortar de oito a dez árvores", disse Benedito Sidinei Correia de Medeiros, um mergulhador de 38 anos que, depois de cinco anos, chegou a um salário de pouco mais de R$ 800 por mês. "Você precisa ter muito cuidado lá embaixo, porque a serra pode cortar você ao meio se você soltá-la, e é tão escuro durante a estação das chuvas que não dá para ver nada."

Ainda assim, ele descreveu seu trabalho como "limpo" e "muito divertido". Apesar de os mergulhadores precisarem constantemente ficar atentos a jacarés, cobras e uma espécie em particular de árvore cuja casca é venenosa, ele também lembra de percas e botos curiosos se aproximando alegremente e o cutucando.

Mas no início deste ano, a Eletronorte, a agência do governo que administra a represa, ordenou a suspensão da remoção das árvores. As autoridades da agência dizem que as madeireiras não estavam cumprindo suas cotas contratuais e prazos de pagamento e, portanto, eles agora vêem benefícios ambientais em deixar o reservatório intacto.

"A qualidade da água do reservatório melhorou nos últimos anos e, com isto, nós estamos vendo muitos cardumes de peixes se formando nestas árvores", disse Antônio Raimundo Ribeiro Coimbra, diretor de assuntos ambientais da agência. "É um ecossistema que cria um nicho para os peixes se reproduzirem, da mesma forma que acontece com um navio afundado, fornecendo ao mesmo tempo proteção contra pesca predatória."

Os madeireiros aquáticos reconhecem estarem aquém das metas de produção, apesar de dizerem que é conseqüência da recente decisão da agência de elevar o nível da água no reservatório, o que dificulta o trabalho deles. Mas eles também citam o meio ambiente em sua defesa.

"Cada árvore morta que cortamos no fundo do reservatório é uma árvore viva a menos sendo derrubada na floresta", disse Rogério Corte Leal, o proprietário da principal empresa que remove a madeira. "Nós também prestamos um serviço ao mantermos o lago limpo e resolvendo um problema que não criamos."

História de um erro

Tucuruí é um produto da era "Brasil Grande" dos anos 70, quando a ditadura militar que então estava no poder promoveu megaprojetos como a Rodovia Transamazônica. A represa é a maior inteiramente dentro do Brasil e é citada pela Eletronorte como um modelo para mais de 70 outros projetos de hidrelétricas que o governo planeja construir na Amazônia.

Mas em sua pressa de concluir o projeto, os governantes do Brasil ignoraram os alertas dos ambientalistas e engenheiros e inundaram a floresta tropical antes de removerem as árvores. Quando tardiamente resolveram cuidar do problema, a empresa escolhida para realizar o trabalho foi o próprio fundo de pensão dos militares, que não tinha experiência em corte e transporte de madeira, mas era muito bem relacionado politicamente.

Utilizando a floresta submersa como garantia, a empresa foi capaz de obter mais de US$ 100 milhões em créditos. Mas após remover algumas árvores de madeira-de-lei particularmente valiosas, ela faliu, provocando imensas perdas para os credores e uma investigação de corrupção pelo Congresso que o governo eventualmente anulou.

"Foi tudo um grande golpe financeiro, somado à estupidez das agências federais", disse Osório Pacheco Alves, o secretário municipal de saneamento daqui.

Por anos, a população local removeu clandestinamente os troncos de árvores que puderam. Mas há uma década, a Eletronorte fez uma licitação para iniciar a remoção da madeira em escala comercial, concedendo contratos de 15 anos que agora foram descartados.

Em um esforço para dobrar a capacidade de geração da represa, para 8 mil megawatts, novas turbinas estão sendo instaladas. Mas os críticos prevêem que com a madeira não mais sendo removida, os problemas aumentarão.

Apesar de a submersão retardar a decomposição dos troncos de árvores, eles eventualmente apodrecerão, liberando dióxido de carbono. Cientistas e mergulhadores dizem que a água no reservatório está se tornando mais ácida, aumentando o risco de corrosão do equipamento, uma noção descartada por Coimbra.

Os cientistas estão ainda mais preocupados com a elevação e redução sazonal do nível das águas aqui e a conseqüente decomposição da vegetação. Tucuruí é "virtualmente uma fábrica de metano", disse Philip M. Fearnside, um pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.

As pesquisas sugerem, ele acrescentou, que as árvores mortas podem servir como "condutos" que transportam o metano do solo do fundo do reservatório. Durante grande parte dos anos 90, ele disse, Tucuruí produziu mais emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa, entre 7 milhões e 10 milhões de toneladas por ano, do que a Grande São Paulo, com cerca de 20 milhões de habitantes.

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