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Floresta e 'alugada'

A Critica, Tema do Dia, p.A3
08 de Nov de 2004

Tema do dia Manejo Florestal
Amazônia
O Governo Federal encontra uma saída prática para o desenvolvimento sustentável da floresta brasileira. Delimitar áreas públicas para serem exploradas entre 20 e 30 anos por madeireiras tem apoio de ONGs e pode gerar receita bilionárias para os cofres públicos. Esse tempo permitiria renovação da mata deflorestada num processo de baixo manejo

"As florestas públicas no décimo ano gerariam R$ 5,4 bilhões"
Tasso Azevedo, do Ministério do Meio Ambiente

500 milhões de dólares Este é valor anual das exportações de madeira tropical da Amazônia

Floresta é alugada
Proposta do Governo Federal a ser transformada em lei tem apoio de madeireiras e da ONG ambientalista Greenpeace
Cláudio Ângelo
Enviado especial
Belém (AF) - O empresário Francisco Severino Filho já sentiu na pele o problema que o caos fundiário da Amazônia representa para os negócios. Sua empresa, a Madenorte, teve um projeto de manejo florestal suspenso pelo Lhama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) devido à falta de um título de terra aceitável para uma área de 140 mil hectares de floresta comprada na região do rio Xingu, no Pará. Um investimento de R$ 5,8 milhões foi perdido.
Em Rondônia, o paulista Fábio Albuquerque passou quase quatro anos procurando uma área de floresta com titulação legal na qual sua empresa, a Ecolog, pudesse executar extração madeireira de baixo impacto. Acabou encontrando uma propriedade de 30 mil hectares, que recebeu neste ano certificação pelo FSC (Conselho de Manejo Florestal), o "selo verde" que garante ao consumidor que a madeira foi extraída de forma não-predatória. "Se no passado já foi difícil encontrar uma área, hoje é impossível. Se essa lei não passar, temo pela Amazônia", diz.
A lei à qual Albuquerque se refere é um projeto do Ministério do Meio Ambiente que deve ir ao Congresso nos próximos dias. Ele regulamenta a gestão de florestas públicas, e seu principal mecanismo é a concessão de áreas para a exploração florestal. A idéia do projeto, que conta com o apoio de ONGs ambientalistas como Greenpeace e Amigos da Terra (mas com a rejeição veemente de figuras como o geógrafo Aziz Ab'Sáber), é delimitar áreas públicas que possam ser exploradas em ciclos de 20 ou 30 anos por empresas madeireiras, por exemplo. 0 prazo longo é uma necessidade do manejo de baixo impacto, no qual a floresta explorada ganha tempo para se regenerar.
O Governo espera que o "aluguel" possa salvar o setor madeireiro, que só na Amazônia gera US$ 2,5 bilhões por ano, mas que chafurda numa crise de legalidade, e ao mesmo tempo ajude a manter de pé 10% da selva - o total de florestas a serem concedidas, que pode chegara 50 milhões de hectares - gerando renda.
Estrangulamento
"Queremos dizer duas coisas com esse projeto: que as florestas públicas permanecem florestas e permanecem públicas", disse à Folha o diretor do Programa Nacional de Florestas do ministério, Tasso Azevedo. Segundo Azevedo, as concessões florestais são a única forma de garantir que as madeireiras operem de forma legal na região amazônica, onde a maior parte dos títulos de terra vem de grilagem e 42% da madeira é proveniente de extração clandestina. "0 projeto é urgente porque você está sentado numa bomba-relógio. 0 setor está estrangulado, ou gera desemprego ou vai para a ilegalidade", afirma Azevedo.
Essa urgência ficou ainda maior em 2003, depois que o Ibama e o Ministério Público decidiram suspender vários planos de manejo florestal que, como o da Madenorte, estavam em terras de propriedade duvidosa. Houve protestos, estradas foram fechadas, e escritórios do Ibama, invadidos. "As empresas estão vivendo um momento de auto-estima muito baixa", disse Wagner Kronbauer, presidente da Uniflor (União das Indústrias Florestais do Estado do Pará), maior entidade do setor na região. "Hoje, é impossível para a maioria delas saber se vai trabalhar daqui a dois anos", afirmou.
Certificação
As concessões também devem aumentar a quantidade de madeira certificada pelo FSC no mercado. Hoje, as florestas com selo verde são menos de 5% do total. "Com concessões e com o zoneamento ecológico-econômico, dá para chegar a 50% de madeira certificada", afirma Kronbauer.
A certificação está sendo buscada pelos madeireiros como forma de garantir mercado externo para madeira tropical. Países como o Reino Unido e a Holanda, hoje, têm demanda reprimida por madeira com o FSC. "Se as empresas aumentarem a capacidade de oferta, a demanda vai aumentar", afirma o engenheiro florestal Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) e uma das principais autoridades do país em economia da madeira na região. "A Europa vai querer daqui a alguns anos que toda a madeira seja legal. Aos olhos da lei brasileira, madeira de desmatamento é legal. Mas, além de legal, o mercado [externo] pode também exigir que seja não-predatória".
Segundo dados do Imazon, seriam necessários 45 milhões de hectares para suprir 40% da demanda por madeira sustentável, uma área que só pode ser obtida por concessão de terra pública.

Exportações devem dobrar
Um dos fatores responsáveis pelo alto grau de ilegalidade e dano ambiental da atividade madeireira na Amazônia é o tamanho do mercado interno: 86% de todas as árvores que são derrubadas nas florestas do Norte vão parar em casas e prédios de apartamentos do resto do Brasil, especialmente do Estado de São Paulo. Como se trata de um público mais interessado em preço baixo do que em sustentabilidade, os madeireiros clandestinos têm certeza de escoamento do produto.
As exportações estão muito aquém do potencial nacional. Hoje, o País responde por apenas 4% da madeira consumida no mundo, e a maioria vem de florestas plantadas nó Sul e no Sudeste. De toda a madeira extraída na Amazônia, só 14% vão parar no exterior - as empresas certificadas exportam quase toda a produção. "Não tem como vender uma tora 100% certificada no mercado nacional. Ninguém paga", diz Manoel Pereira Dias. Juntamente com a mãe e oito irmãos, Dias é sócio da Cikel, a maior madeireira da Amazônia, que está caminhando para ter certificada 100% de toda a madeira que processa.
O Governo acha que as concessões elevarão as exportações. "Projetamos que 30% do produto serrado seria exportado quando o modelo estiverem pleno funcionamento", diz Tasso Azevedo, do Ministério do Meio Ambiente.
Quanto isso se traduziria em receita bruta é difícil estimar. Hoje, o valor das exportações de madeira tropical da Amazônia está em torno de US$ 500 milhões. Mas, com o aumento crescente na exportação de produto acabado (como pisos e esquadrias) em vez de madeira simplesmente serrada, as exportações estão se valorizando cerca de 30% ao ano.
O aumento das exportações tem um outro efeito esperado: valorizara madeira no mercado nacional e inibir o que os cientistas e os ambientalistas chamam de extração legal, mas predatória.

Em números
25 por cento é a média do sobrepreço pago às empresas como bônus pela certificação. Segundo Veríssimo, as exigências do Governo para os planos de manejo que disputariam as concessões são tão grandes que uma empresa apta a entrar numa concorrência estará naturalmente a um passo da certificação.
8 pedidos de certificação foram negados para a empresa Imaflora em razão de problemas fundiários. No quadro atual, quem quer se certificar não consegue por falta de área. As empresas já certificadas, por seu lado, querem ganhar mercado e não conseguem por falta de florestas disponíveis. Um exemplo é a Juruá Florestal, do Pará.

Inadimplente aguarda certificação
O mineiro Antônio Leite, 39, comandou a primeira experiência de concessão florestal em terra pública no Brasil, um contrato para a extração de madeira na Floresta Nacional do Tapajós, em Belterra (PA).
Hoje dirige uma empresa pioneira, a Maflops, que faz manejo florestal em terras de assentados do Incra, dando infra-estrutura (estradas e casas) aos colonos em troca de direitos exclusivos de exploração. 0 resultado? "Estou no Serasa". Leite deve cerca de R$ 1 milhão à Cemex, madeireira de Santarém que financiou a constituição da Maflops e que compra quase toda a madeira que ele extrai no assentamento Moju, perto de Belterra. Fez compras de maquinário e insumos com cheques pré-datados, que foram devolvidos.
Com a greve do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), não pôde transportar madeira da floresta para a serraria para ser vendida. "Como eu não tenho garantias reais, porque trabalho com maquinário alugado, não consigo financiamento do Basa (Banco da Amazônia)".
Mesmo com os percalços financeiros, a Maflops, aguarda a certificação pelo FSC, que deve ocorrer no ano que vem. 0 sistema de produção da Maflops é único na Amazônia.

Empresa tem programa de renda
O sistema Maflops está tendo sua expansão para outros locais da Amazônia estudada pelo Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia). Por ser inédito, não se enquadra em nenhuma linha de crédito dos bancos. 0 que é um problema para Antônio Leite. "Não quero nada de graça, mas, já que estou fazendo o que o Estado deveria fazer, só queria que os bancos me atendessem como atendem os plantadores de soja".
A empresa tem quatro programas de renda para os colonos: mecanização de lavouras, especialmente arroz, extração de óleo de andiroba - uma andirobeira derrubada vale R$ 70 pela madeira, mas seu óleo rende R$ 125 ao ano - , plantação de curauá, fibra que é a nova vedete da indústria automobilística, e apicultura. Pela madeira, os colonos recebem cerca de R$16 mil a R$ 18 mil, dependendo do quão abençoada fora sua floresta para espécies de valor comercial.

A Crítica, 08/11/2004, p. A3

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