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Financiando a reforma agrária boliviana

OESP, Notas e Informações, p. A3
04 de Mar de 2007

Financiando a reforma agrária boliviana

Para um governo que nunca se pejou de fazer descaradas concessões ao companheiro Evo Morales, jamais escondendo que considera ser do "interesse nacional" a prosperidade de um governo populista, que é apêndice do regime do coronel Hugo Chávez, e está fazendo do solapamento dos interesses brasileiros na Bolívia uma especialidade, a administração Lula tratou com notável pudicícia a edição da Medida Provisória (MP) 354. Sua ementa é telegráfica e não deixa transparecer do que se trata a MP: abre crédito extraordinário em favor do Itamaraty, no valor de R$ 20 milhões. Seu texto é igualmente hermético, esclarecendo que o crédito atenderá à programação constante de um anexo. O anexo, por sua vez, estabelece que o dinheiro será usado "na relação do Brasil com Estados estrangeiros" e "nas relações-negociações com os países membros do Mercosul".

Se o contribuinte brasileiro não estiver firmemente determinado a conhecer o destino que o governo dará a seu dinheiro, não ficará sabendo que os R$ 20 milhões são para promover a reforma agrária... na Bolívia.

R$ 20 milhões não são dinheiro de bolso. Equivalem à verba anual do programa Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semi-árido, que beneficia o Nordeste brasileiro. Equivalem, também, a quatro vezes o que gasta por ano o programa Paz no Campo, que financia o treinamento de mediadores de conflitos no campo ou a criação de ouvidorias agrárias, no Brasil.

Mas os R$ 20 milhões da MP 354 serão uma generosa contribuição do governo brasileiro à Bolívia, "com o propósito de prestar assistência na implantação da política fundiária da reforma agrária do governo boliviano" e "viabilizar a regularização migratória e fundiária e a sustentabilidade de famílias brasileiras que se dedicam a atividades extrativistas e à pequena agricultura em território boliviano".

Traduzindo em miúdos. O presidente Evo Morales, depois de desapropriar as reservas de gás e petróleo da Petrobrás sem pagamento de compensações, de assumir graciosamente o controle das duas refinarias que a empresa tem na Bolívia e de estabelecer unilateralmente - pois de fato foi isso o que aconteceu - o preço do gás vendido para o Brasil, lembrou ao presidente Lula que faz parte de seu programa de governo expulsar os agricultores brasileiros que ocupam terras nos Departamentos de Bani e Pando, tenham ou não tenham eles títulos legítimos da terra.

O presidente Lula, como se sabe, dá ao relacionamento brasileiro com a Bolívia a marca da caridade cristã. As reservas de petróleo e gás são nacionalizadas e as tropas de Evo Morales ocupam as refinarias da Petrobrás? Lula manda a empresa investir mais e substancialmente no país. O preço do gás é ditado por Evo Morales, a despeito da vigência de um contrato? Lula manda ressuscitar um projeto de pólo gás-químico, ao custo módico de US$ 3 bilhões.

Agora, a moeda de troca é a tranqüilidade de 7 mil famílias brasileiras que se instalaram na Bolívia - muitas há mais de 60 anos - e lá produzem parte substancial da riqueza agrícola do país. Mas o curioso é que o governo Lula não toma as cautelas necessárias para que essas famílias sejam deixadas em paz. Aliás, cerca de 200 delas já receberam ordem de despejo - e nenhuma compensação.

A falta de esperteza não se revela na tramitação da MP 354. Essa medida foi editada em 22 de janeiro, logo depois da visita de Morales a Brasília. Embora recente, ela foi acrescentada a outras, que ameaçavam obstruir a pauta de votações da Câmara, e votada na quarta-feira à noite. Raras vezes se viu tanta presteza.

O mesmo expediente o governo brasileiro não revela em obter de Evo Morales o compromisso formal de que as famílias brasileiras não serão espoliadas de suas terras e bens. A propósito, estudo feito pela assessoria do senador Arthur Virgílio, líder do PSDB, concluiu que as leis bolivianas simplesmente proíbem a compra de terras por estrangeiros. O governo brasileiro, portanto, estaria dando R$ 20 milhões - que serão administrados e liberados pela embaixada em La Paz - a Evo Morales, sem a mínima garantia legal possível de "regularização migratória e fundiária" das famílias brasileiras.

É obrigação do governo Lula preocupar-se com as 7 mil famílias brasileiras radicadas na Bolívia. Também é sua obrigação preocupar-se com os 200 mil bolivianos que vivem e trabalham irregularmente no Brasil.

OESP, 04/03/2007, Notas e Informações, p. A3

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