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Filhos do fogo sagrado

CB, Cidades, p. 30
16 de Abr de 2008

Filhos do fogo sagrado
Índios de diversas etnias se reúnem na capital para celebrar a cultura e a tradição dos povos da floresta

Pablo Rebello
Da Equipe do Correio

Hoje, quando o sol se puser e a escuridão avançar sobre a cidade, uma chama brilhará dentro do Memorial dos Povos Indígenas (MPI). Fagulhas arrancadas de pedras irão acender o Fogo Sagrado, que dará início a uma série de eventos culturais para comemorar o Dia do Índio, no sábado. Serão quatro dias de atividades gratuitas, com exposições, filmes, apresentações, artesanato e debates no MPI e na Fundação Nacional do Índio (veja programação).

A Semana dos Povos Indígenas não pretende apenas debater a cultura e as questões que afligem aproximadamente 220 etnias que ocupam o Brasil e falam mais de 180 línguas. "Queremos mostrar que também temos muito que ensinar aos brancos, principalmente no que diz respeito à preservação do meio ambiente, direitos humanos e paz", detalha o diretor do memorial, Marcos Terena. Cerca de 140 indígenas de diversas etnias - entre elas Xavante, Parecis, Caiapó, Taurepang, Dessana, Tucano, Gaviões e Wai-Wais - começaram a chegar em Brasília desde ontem.

Juruna
Entre eles, figuras tradicionais como o cacique Aniceto Xavante, que veio para o lançamento do filme Juruna - o espírito da floresta. Parente do falecido Mário Juruna, que defendeu os direitos indígenas como deputado federal pelo Rio de Janeiro (1983/1987), Aniceto destaca a necessidade de mostrar a humanidade dos índios. "Não somos selvagens", resume o cacique de forma pontual.

O ritual de acender uma fogueira antes do começo das comemorações e de apagá-la ao final tem um significado especial para os índios. O fogo é um elemento que pode tanto matar como iluminar novos caminhos no imaginário indígena e, como tal, tem lugar de destaque.

Tanto que a pajé, também chamada de mulher da medicina, da etnia Pareci, Nair Zonizokaeru, fará as honras de criar as chamas com uso de duas pedras, uma cabaça com torradas de algodão e lascas de madeira de palmeira. "O fogo cria o ser humano que, sem ele, não vive. É o nosso pai. Por isso precisamos do pajé para benzê-lo", explica Maria Helena Azomezoheru, 49 anos, também da etnia Pareci. Após a conclusão do acendimento do Fogo Sagrado, o Hino Nacional será cantado na língua dos Caiapós.

Pela vida
Demonstrações de crenças indígenas também serão apresentadas para o público. A mais importantes delas ocorrerá ao meio-dia de sábado. Na ocasião, dois pajés, um Xavante e um Gavião, farão uma celebração pela vida em memória de todas as crianças que morreram por conta da desnutrição nos últimos anos.

Para isso escolheram um horário sagrado para as culturas indígenas. Do mesmo modo que as culturas ocidentais possuem crenças a respeito de coisas que podem ocorrer à meia-noite, os índios têm reservas quanto ao meio-dia, a hora do silêncio ou hora em que os espíritos caminham.

Visitantes ainda poderão apreciar as belas peças de artesanato feitas pelas mais diversas etnias, como os refinados colares coloridos dos Ka'apors, as bonecas de barro dos Carajás ou as Bakte (cestas para bebê) dos Xavantes.

Para saber mais
Herança de perseguições

A data de comemoração do Dia do Índio surgiu durante o I Congresso Indigenista Interamericano que ocorreu no México, em 1940. Na época, indígenas de diversas etnias e países diferentes foram convidados a participar do evento. Mas, acostumados com perseguições e traições, recusaram o convite.

Somente depois de analisarem o caso e perceberem a importância do congresso para dar continuidade à luta pela garantia dos direitos dos índios, aceitaram participar do encontro. O comparecimento dos líderes indígenas em 19 de abril daquele ano marcou não somente a celebração do dia em homenagem aos povos indígenas, mas a definição do próprio calendário em todas as américas.

Semana dos Povos Indígenas

Quarta-feira
18h O Fogo Sagrado abre a Semana dos Povos Indígenas com o Hino Nacional na língua Kayapó.
19h Abertura das exposições Jogos e Brincadeiras do povo Kalapalo.
19h15 Lançamento do filme Juruna - o espírito da floresta, de Armando Lacerda.

Quinta-feira
9h às 18h Exposição de artesanatos e pinturas corporais com os povos participantes.
10h Diálogos Indígenas - Políticas Públicas de Cultura para Povos Indígenas.
19h Lançamento e estréia do filme IX Jogos Indígenas, de Ronaldo Duque. Execução do Hino Nacional em Kayapó, Pará. No auditório da Funai.

Sexta-feira
9h às 18h Exposição de artesanatos e pinturas corporais com os povos participantes.
10h30 Diálogos Indígenas - Cultura, Esporte e Lazer: Jogos dos Povos Indígenas.
16h Diálogos Indígenas: Literatura Indígena, com a autora do livro Metade cara, metade máscara, Eliane Potiguara.

Sábado
8h Celebração do 19 de abril com hasteamento da Bandeira Nacional, apresentação cultural, mensagens sobre o Dia do Índio, inauguração do Telecentro Intercultural Indígena, homenagem aos soldados indígenas, membros da Força da ONU, e café-da-manhã.
12h Cerimônia espiritual indígena.
18h Ritual de encerramento com apagamento do Fogo Sagrado ao pôr-do-sol, ao som de O guarani, de Carlos Gomes, com banda do Batalhão da Guarda Presidencial.

Todos os eventos ocorrem no Memorial dos Povos Indígenas, no Eixo Monumental Oeste, Praça do Buriti.

CB, 16/04/2008, Cidades, p. 30

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