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Festa Canibal

OESP, Caderno 2, p. D7
06 de Jul de 2011

Festa Canibal
Francisco Carlos observa a lógica indígena na tetralogia Jaguar Cibernético

Maria Eugênia de Menezes
"Tupi or not Tupi". Eis a questão que movimenta a obra do diretor e dramaturgo Francisco Carlos. Amazonense radicado em São Paulo, o artista apresenta a partir de hoje o resultado de suas reflexões sobre a cultura indígena. E, especialmente, de sua fricção com a tradição ocidental. Trata-se de uma pesquisa longa - iniciada em 1993 - e que agora ganha corpo em um espetáculo de proporções agigantadas.
Dividido em quatro partes, Jaguar Cibernético ocupa o galpão do Sesc Pompeia com a promessa de desvelar pontos de vista distintos sobre o intrincado tema.
Durante a última edição do Festival de Curitiba, em março, Francisco Carlos mostrou um esboço do que seria o seu Jaguar Cibernético. Destaque da mostra paralela, as quatro partes ainda não estavam completamente finalizadas. "Faltavam ajustes no texto e na encenação de duas peças", ressalva o diretor.
Mas o conjunto já impressionava. Tanto pela ambição quanto pela miríade de assuntos que abraçava. Um leque que se estende da etnografia aos movimentos zapatistas. Do dadaísmo a Marlon Brando. Das viagens de Hans Staden a conceitos fundamentais da contemporaneidade, como a noção de devir cunhada pelo francês Gilles Deleuze.
Em São Paulo, a arte de Francisco Carlos irradiou-se a partir da praça Roosevelt. Cenário onde chamou atenção com a poesia anárquica da peça Banana Mecânica. A estreia no Sesc Pompeia sinaliza, portanto, sua primeira incursão de peso para além dos domínios da cena underground da cidade.
Foi a criação do grupo Trompas de Phalópio, em Belém, que revelou o autor. Com peças como Os Caçadores da Vaca Fosforescente e O Estranho Caso da Pantera da Serra com o Bandoleiro Durango Brasil, Francisco Carlos movimentou o cenário teatral dos anos 1980.
Em seus experimentos, o encenador sempre demonstrou pendor pela antropologia, com especial interesse pela obra de Claude Lévi-Strauss. "Ele procura entender o que seria essa lógica indígena", analisa Francisco Carlos. "É uma outra maneira de se pensar o mundo, a existência, as relações. Diferente da nossa lógica ocidental, racionalista", Nessa esteira, surgiram os trabalhos que compõem seu ciclo de "pensamento selvagem". Ala na qual podemos encontrar criações anteriores, como Xuxa Espacial e Namura Outside. Além do próprio Jaguar Cibernético.
Antropofagia. "É a ideia do canibalismo tupinambá que pauta todo o Jaguar", comenta o dramaturgo. "O princípio de que comer o outro é um meio de experimentar a alteridade. E, num certo sentido, esse outro é a sociedade ocidental." Vista em retrospectiva, a tetralogia de Francisco Carlos dialoga com as vanguardas que ditaram os rumos da cultura e da arte brasileiras do século 20.
Impossível não enxergar os vínculos que se estabelecem com o Manifesto Antropófago, de Oswald de Andrade. Com o tropicalismo baiano. Ou até mesmo com o teatro festivo de José Celso Martinez Corrêa.
"O Jaguar vem falar de uma disponibilidade eterna em relação ao outro", considera o diretor. Para ele, é sobre essa "alteridade" que repousa todo o debate atual. "Todo o racismo, todas as relações do nosso mundo passam hoje por essa dificuldade que se tem em relação ao outro."
A polifonia que impregna a temática do autor amazonense também transparece na forma de levar às montagens ao palco. Se múltiplas são as referências na hora de escrever, não menos diversos são os estímulos que o levam a construir sua gramática cênica. "É impossível desvincular minha dramaturgia da encenação. A estrutura do texto está intimamente ligada à pesquisa das linguagens cênicas".

QUATRO EM UM
Banquete Tupinambá (parte 1)
Em 1500, acontece um banquete Tupinambá. Na festa, um sogro, uma noiva, um noivo prisioneiro e um cunhado canibais bebem cauim, uma espécie de suco da memória.

Aborígine em Metrópolis (parte 2)
Um jovem índio kamaiurá descobre a metrópole dos dias de hoje e realiza seus ritos na cidade. O índio sofre metamorfoses e transforma-se num felino virtual.

Xamanismo The Connection (parte 3)

Uma reunião imaginária de drogados é mediada por um jovem xamã, à espera de um traficante que nunca aparece. Espelhos conectam a cena a maio de 68 e às revoltas zapatistas.

Floresta de Carbono (parte 4)

Na Floresta Amazônica, um índio, uma loura e um ator travam um embate sobre os mundos indígena e branco, floresta e cidade, direitos de índios e de brancos.

JAGUAR CIBERNÉTICO
4ªs e 6ªs: Banquete Tupinambá e Aborígine em Metrópolis
5ªs e sábs.: Xamanismo The Connection e Floresta de Carbono
Sesc Pompeia. Rua Clélia, 93, tel. 3871-7700. 4ª a sáb., às 20 h. R$ 4 a R$ 16. Até 13/8.

OESP, 06/07/2011, Caderno 2, p. D7

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110706/not_imp741127,0.php

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