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Ferrovias correm atras de 150 anos de prejuizo

OESP, Economia, p.B6
21 de Mar de 2004

Ferrovias correm atrás de 150 anos de prejuízo Empresários e governo planejam investir R$ 12 bilhões para recuperar o setor
RENÉE PEREIRA
O aniversário de 150 anos da primeira estrada de ferro brasileira deverá representar um novo marco no setor. Numa ação conjunta, empresários e governo planejam investir, nos próximos cinco anos, cerca de R$ 12 bilhões para revitalizar e eliminar os principais gargalos do transporte ferroviário, de forma a acompanhar o crescimento econômico do País. A intenção é elevar a participação das ferrovias no território nacional e aumentar a competitividade dos produtos com destino ao exterior.
Além disso, outros R$ 5 bilhões para a expansão da malha estão sendo avaliados no programa de Parceria Público-Privada (PPP).
Depois de conhecer o fundo do poço nos últimos 30 anos, o setor ganhou visibilidade e importância graças ao aumento das exportações e ao "boom" do agronegócio. Mas muito precisa ser feito para recuperar o tempo perdido. A partir da década de 50, os investimentos em ferrovias foram transferidos para as rodovias, como forma de incentivar o setor automobilístico, formado por empresas estrangeiras. Com isso, as rodovias se tornaram mais modernas, os veículos mais baratos e os trens mais lentos, afirmam especialistas.
"Mas, enfim, o País acordou para a ferrovia", afirma Elias David Nigri, presidente da Brasil Ferrovias, que controla a Ferronorte, Ferroban, Novoeste e Portofer.
Hoje, o governo tenta fazer o caminho inverso e desafogar as estradas, que já não suportam o intenso movimento de carretas e caminhões. Segundo o diretor da estatal Valec Engenharia, Construções e Ferrovia, Bernardo Figueiredo, responsável pelo plano de revitalização do setor, a intenção é elevar de 23% para 35% a participação da ferrovia no transporte nacional nos próximos cinco anos. O setor rodoviário é responsável por 62% dos transportes no País.
Para conseguir recuperar as estradas de ferro, o governo lançou, em 2003, o Programa de Revitalização das Ferrovias e pretende colocá-lo em prática a partir deste ano. As obras para eliminar pontos críticos da malha deverão consumir cerca de R$ 2,7 bilhões (ver mapa). Entre os projetos está a construção do Ferroanel, em São Paulo, no valor de R$ 750 milhões, e a retificação de vários traçados.
Os investimentos também vão contemplar obras para elevar a segurança do sistema e aumentar a velocidade dos trens, como contornos de cidades, sinalização e construção de viadutos nos cruzamentos com estradas, além de remoção de favelas localizadas nas margens dos trilhos. Pela legislação, esses empreendimentos são de responsabilidade do governo federal, que tem recursos limitados para injetar em infra-estrutura.
Parceria - As concessionárias, no entanto, têm solução para o problema. Elas propõem uma parceria com o poder público, usando parte do arrendamento pago ao governo pela exploração da malha. Essa iniciativa permitiria a ampliação da malha ferroviária, afirma o diretor-executivo da Associação Nacional de Transporte Ferroviário (ANTF), Rodrigo Vilaça. Em 30 dias, o governo resolverá se aceita ou não a alternativa sugerida pelas empresas.
Ainda que a resposta seja negativa, as concessionárias devem investir outros R$ 7 bilhões no setor nos próximos cinco anos, sendo R$ 3,5 bilhões na aquisição de locomotivas e vagões. Cerca de R$ 2 bilhões serão injetados no setor ainda este ano, criando novos terminais de armazenamento e desvios ferroviários para atender grandes companhias.
Na avaliação de Júlio Fontana, presidente da concessionária MRS, que atende os Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, muito investimento ainda precisará ser feito para acompanhar a demanda do mercado. A produção de soja e açúcar, por exemplo, cresce numa proporção bem superior à capacidade do transporte ferroviário. "Mas não dá para mudar este cenário do dia para a noite", comenta. A empresa pretende investir este ano cerca de R$ 200 milhões na compra de 25 locomotivas e vagões, além da construção de terminais para armazenamento de produtos.
Fontana acrescenta que a MRS também tem interesse na construção do Ferroanel, que tiraria o tráfego de trens de carga da cidade de São Paulo e aumentaria a produtividade do setor. Hoje, por exemplo, o transporte de passageiros e de carga têm de ocupar a mesma malha. "Mas com a perspectiva de crescimento, uma hora isso pode ser motivo de conflito", diz Fontana.
De 1996 até o ano passado, a empresa dobrou o volume transportado, de 42 milhões para 85 milhões de toneladas. A expectativa é de atingir 150 milhões de toneladas em 2008.
Na avaliação do diretor de Relações Corporativas da América Latina Logística (ALL), Pedro Almeida, para acompanhar o crescimento é preciso investir em infra-estrutura, ou seja, na melhoria das vias e na expansão da malha. A empresa é uma das defensoras do programa de uso dos recursos do arrendamento para benfeitorias no setor. Na área de concessão da ALL, vários projetos poderiam ser beneficiados, como o trecho de Guarapuava, no Paraná, que precisa ser modificado. Por ser muito sinuoso, o trecho limita o número de vagões e diminui a velocidade dos trens.
Outra obra seria a duplicação da malha na Serra de Paranaguá para aumentar a capacidade de escoamento da produção rumo ao Porto de Paranaguá. A empresa vai investir este ano R$ 80 milhões na manutenção de vias, tecnologia e compra de locomotivas e vagões. De 1997 até agora, a ALL elevou sua frota de 170 para 350 locomotivas.
Boa parte do crescimento no setor ferroviário deve-se ao sucesso do agronegócio. A Ferronorte, da Brasil Ferrovias, foi construída no coração agrícola do País, afirma Nigri, para quem "a pauta de exportação, sem a Ferronorte, não existiria. Seria uma fila interminável de caminhões." A Brasil Ferrovias transporta cerca de 18 milhões de toneladas, numa malha de 5 mil quilômetros.

Fronteiras agrícolas têm prioridade Norte, Nordeste e Centro-Oeste devem ser as regiões mais beneficiadas
Boa parte dos projetos de expansão da malha ferroviária previstos no Plano de Revitalização do governo está focada em alternativas para as fronteiras agrícolas. De acordo com os estudos, as regiões mais beneficiadas serão Norte, Nordeste e Cento-Oeste, que têm apresentado taxas de crescimento superiores à média nacional por causa do agronegócio. Em contrapartida, a infra-estrutura de transportes ferroviário nessas áreas não tem se desenvolvido na mesma proporção, conclui o relatório.
Entre os projetos está a extensão da Ferronorte até Rondonopólis, em Mato Grosso. O investimento exigirá recursos de R$ 400 milhões e fará parte do programa de Parceria Público-Privada (PPP), diz Elias David Nigri, presidente da Brasil Ferrovias. O Plano de Revitalização prevê ainda a construção de um trecho da Ferrovia Norte-Sul em Tocantins e Goiás, que soma R$ 1,3 bilhão.
Outro importante projeto é o corredor bioceânico que liga Santos a Antofagasta, porto chileno no Oceano Pacífico. No trecho brasileiro, a recuperação da malha ferroviária é de responsabilidade da Brasil Ferrovias, cujo investimento está calculado em cerca de R$ 80 milhões. As obras aguardam liberação de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que financiará 80% do projeto. O projeto poderá encurtar a viagem dos produtos brasileiros para a Ásia - mercado cobiçado pelos exportadores. (R.P.)

Exportadoras investem para ter acesso a portos Para não correr riscos, importam locomotivas, compram vagões e constroem terminais
As vantagens comerciais do transporte ferroviário despertaram o interesse de várias empresas exportadoras, que hoje também investem no setor. Para não correr riscos, elas importam locomotivas, compram vagões e constroem terminais para garantir o transporte de seus produtos rumo aos principais portos do País.
A Caramuru, por exemplo, uma das maiores processadoras de grãos do Brasil, está investindo R$ 30 milhões na compra de 10 locomotivas e 300 vagões graneleiros, que serão alugados para a Brasil Ferrovias operar no trecho entre Pederneiras e o Porto de Santos. Os grãos são processados em São Simão, em Goiás, e dali transportados pela Hidrovia Tietê-Paraná até os terminais de Anhembi e Pederneiras, em São Paulo. "Toda a operação hidroferroviária proporciona uma redução do custo total do frete de 10%", afirma o vice-presidente da empresa, César Borges de Sousa.
Outra companhia que tem investido no setor é a Votorantim. O gerente de suprimento da empresa, Ricardo Akabane, afirma que o investimento no setor é feito por meio da reforma de vagões, que são usados com exclusividade pela empresa. Em contrapartida, a concessionária abate os recursos aplicado na restauração do frete cobrado da Votorantim. O presidente da MRS, Julio Fontana, explica que esse tem sido um tipo de negócio comum no setor ferroviário. Segundo ele, hoje 20% da frota da concessionária pertence aos clientes. (R.P.)

Os primeiros trilhos, só para a família imperial Os 14 km facilitavam o acesso a Petrópolis e deram ao empreendedor o título de barão
CLARISSA THOMÉ
RIO - O primeiro trecho ferroviário do País, construído em 1854, tinha apenas 14 quilômetros de extensão e ligava uma praia nos fundos da Baía de Guanabara, no município de Magé, à estação de Fragoso. A simplicidade da pequena estação ferroviária contrastava com a importância dos primeiros freqüentadores - a família imperial. Cento e cinqüenta anos depois, os trilhos praticamente não existem, mas a Estação Guia de Pacobaíba ainda está em pé, apesar de pichações e buracos no telhado.
O trem servia para encurtar o caminho de D. Pedro II e familiares até a cidade serrana de Petrópolis. A família imperial tomava um barco na Praça XV até a praia de Mauá, e de lá seguiam na locomotiva Baronesa até Fragoso.
Carruagens completavam a viagem. Agradecido, o imperador condecorou o empreendedor da estrada, Irineu Evangelista de Souza, com o título de barão - Barão de Mauá.
Hoje, a estrada de ferro em nada lembra os tempos áureos. Ruas foram abertas às margens dos trilhos, que não existem em alguns pontos. Em outros, ficam suspensos e servem apenas para brincadeiras das crianças. Há quem diga que o ferro foi usado para construir pontes. No caminho até Magé, a 60 quilômetros do Rio, uma placa anuncia uma invisível primeira estrada de ferro do País: a concessionária que administra a Estrada Rio-Teresópolis cobriu os trilhos com asfalto.
Em 2002, a prefeitura de Magé anunciou a recuperação da estrada de ferro e da Estação Guia de Pacobaíba. A obra, orçada em R$ 14 milhões e que teria financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), nunca saiu do papel. Para comemorar os 150 anos do início da malha ferroviária brasileira, a prefeitura promete reconstituir um pequeno trecho, uma esperança para a reconstrução da via férrea. "Essa estrada não é só de Magé, mas de todo o País. Tem de ter investimento federal e estadual também", diz o diretor de Turismo de Magé, Eugênio Sciammarella Júnior.

OESP, 21/03/2004, p. B6

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