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Ferrovia baiana ainda espera pelos trilhos

Valor Econômico, Especial, p. A12
31 de Jul de 2013

Ferrovia baiana ainda espera pelos trilhos

Por André Borges
De Luís Eduardo Magalhães, Barreiras, Caetité e Ilhéus (BA)

Hoje é dia de festa na Bahia. O governo finalmente cortou a fita de inauguração da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), a nova estrada de ferro que transformará a Bahia no novo corredor ferroviário de exportação do Brasil. Milhares de pessoas acompanharam a cerimônia em Ilhéus, município onde acaba o traçado de 1.022 quilômetros. Ao som de "O Trenzinho Caipira", composição de Heitor Villa Lobos, a presidente Dilma Rousseff fez um curto passeio sobre os trilhos. O povo aplaudiu o discurso e a conclusão da obra.
Com mais ou menos floreios, esse deveria ter sido o capítulo escrito ontem, caso tivesse se cumprido a promessa que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cravou no balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2010, quando garantiu que a Fiol estaria pronta em 30 de julho de 2013. Ontem, não houve nenhuma festa em Ilhéus. Não há muito o que comemorar.
Depois de ter suas obras contratadas há mais de três anos, a Fiol ainda está distante do dia em que os trens finalmente poderão rodar em seu traçado. Até hoje, nenhum metro de trilho foi instalado. Para entender como o empreendimento chegou a essa situação, a reportagem do Valor percorreu cada lote do traçado da Fiol e cruzou, por estradas, mais de 40 municípios da região.
A viagem começou no oeste da Bahia, nas cidades de Luís Eduardo Magalhães e Barreiras, e avançou para a região central do Estado, até chegar ao município de Caetité. Do Cerrado para o sertão baiano, a equipe seguiu rumo leste e atingiu a Mata Atlântica, para finalmente alcançar Ilhéus, ponto final da ferrovia, onde está prevista a construção de um novo porto para receber a carga da Fiol.
Nos primeiros 500 quilômetros do traçado, que ligam Barreiras a Caetité, a ferrovia praticamente não existe. Essa etapa da obra inclui a construção de uma ponte de três quilômetros sobre o rio São Francisco. Deverá ser a maior ponte ferroviária do Brasil, mas hoje não passa de um local de acesso para o gado beber água. Alojamentos de trabalhadores que foram erguidos estão fechados há quase dois anos, sem nunca terem sido utilizados.
Na região de Guanambi, uma fábrica de dormentes foi montada em 2011, com equipamentos novos, importados da Itália. Essa linha de produção, avaliada em alguns milhões de dólares, nunca forjou um dormente sequer até hoje. No canteiro de obras, uma britadeira de grande porte foi instalada para triturar a pedra que seria usada para forrar o traçado da ferrovia. O equipamento está parado há dois anos. O vigia que toma conta do local diz que um funcionário da empreiteira vai até o canteiro de obra uma vez por semana, dá uma manutenção básica no maquinário e vai embora.
A Fiol, orçada em R$ 4,3 bilhões, é uma obra federal coordenada pela estatal Valec. Todos os lotes do primeiro trecho da ferrovia têm empreiteiras contratadas desde 2010. A execução das obras, no entanto, nunca aconteceu, porque a empreendimento mergulhou num poço de complicações sem fim. A Fiol cometeu erro que tem punido com rigor a maior parte dos empreendimentos de infraestrutura do país: se baseou em estudos ambientais capengas e projetos de engenharia que não paravam de pé, uma receita infalível para transformar a ferrovia em estudo de caso dentro do Tribunal de Contas da União (TCU). Bastaram algumas auditorias para o tribunal alertar que quase tudo estava errado. O resultado é que, desde 2011, uma medida cautelar do órgão de fiscalização impede o avanço de frente de obras ao longo de todo o trecho oeste da ferrovia.
A situação não é tão animadora do lado leste, entre Caetité e Ilhéus. Depois de quase dois anos de paralisação, a Valec finalmente conseguiu destravar as obras nessa segunda etapa de 500 quilômetros, dividida em quatro lotes. As empreiteiras foram mobilizadas e, desde janeiro, estão retomando as operações nos canteiros de obras. O avanço físico desse traçado, porém, só conseguiu atingir 21,5 % do total previsto até agora. Esse número é puxado, principalmente, pelas ações de pavimentação e de liberação do traçado, já que ainda não há trilhos disponíveis para instalação na ferrovia.
Com o avanço do trecho, descobrem-se novos problemas. Nos 118 quilômetros de extensão do lote 2, na região de Jequié, 90% do traçado está sendo aberto em pedra bruta, nas encostas das montanhas da região. Todos os dias, caminhões chegam ao local lotados de dinamite, material que é usado para explodir as pedras encontradas pelo caminho. Para evitar complicações com desapropriação neste lote, decidiu-se recentemente que o melhor a ser feito é construir um novo túnel de 700 metros de extensão. A obra acabou de ser contratada.
No lote 1, que liga a ferrovia a Ilhéus, a situação está mais complicada. Os estudos contratados pela Valec não entregaram todas as sondagens de solo que deveriam, uma brecha para que empreiteiras apresentem mais pedidos de aditivos, caso encontre dificuldades que não estavam previstas. O TCU detectou o problema e pediu que a Valec realizasse 340 sondagens complementares para atestar exatamente que tipo de solo encontrará pela frente. A Valec só conseguiu realizar, até agora, 40 dessas sondagens do trecho, segundo informações locais.
As desapropriações também têm causado transtornos graves. A maior parte dos imóveis dessa segunda metade da Fiol já foi desapropriada, com 87% do traçado entre Caetité e Ilhéus liberado para o avanço das obras. Na primeira metade de 500 quilômetros, porém, as desapropriações caminham lentas, com apenas 43% de trajeto livre. O dia a dia encarado pelos profissionais que vão a campo para notificar as desapropriações, ou mesmo para fazer as sondagens de solo, dão uma ideia das dificuldades em tocar a obra.
Profissionais que atuam em diversos lotes da ferrovia relataram que têm recebido ameaças de morte por donos de terras e posseiros, que impedem o acesso às terras. "Essa é a realidade que nós vivemos aqui e que não aparece nos papéis do governo", diz um técnico responsável por um dos lotes da ferrovia.
O governo revigorou seu cronograma para a Fiol. A nova promessa é entregar o traçado inicial, entre Barreiras e Caetité, até o fim de 2015. A segunda etapa, que chega até Ilhéus, ficaria pronta antes, em dezembro do ano que vem. Para os engenheiros que estão à frente das obras, e até mesmo para o governo baiano, o novo cronograma é apenas um instrumento de pressão para que as empreiteiras avancem. "Sabemos das dificuldades. A promessa de entregar o trecho de Ilhéus até o fim de 2014 está muito apertada. Do jeito que a obra está, só sai mesmo em meados de 2015", diz Eracy Lafuente, coordenador de acompanhamento de políticas de infraestrutura do governo da Bahia.
Em Brasília, a hipótese de um novo adiamento virou assunto proibido. O governo quer ter ao menos um trecho pronto da Fiol até o fim de 2014, custo o que custar. Incomoda o fato de que, desde que chegou ao Palácio do Planalto, a presidente Dilma não conseguiu inaugurar nenhum trecho de ferrovia. Garantir a entrega de pelo menos metade do trecho seria uma forma de fazer a festa que estava prevista para ontem. (Colaborou Ruy Baron)

Empreiteiras estão em compasso de espera

Por De Brumado, Tanhaçu e Jequié (BA)

A mobilização de trabalhadores na fábrica de dormentes instalada em Brumado destoa da letargia que toma conta da primeira metade da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol). Cerca de 3 mil funcionários estão alocados nos 178 quilômetros do trecho da empreiteira Andrade Gutierrez. Na fábrica, uma linha de produção trabalha a pleno vapor, despejando toneladas de concreto fresco em longas formas de aço. Doze horas depois, centenas de dormentes estão secos e prontos para o uso. Por dia, 2 mil peças são fabricadas. No estoque, 220 unidades já estão empilhadas e, até outubro, a empreiteira quer atingir o volume total dos 443 mil dormentes necessários para cobrir o lote 4 da Fiol. Tudo estaria perfeito, não fosse um problema básico: não há um metro sequer de trilho para instalar na ferrovia da Bahia.

O novo edital para compra dos lingotes de aço da Fiol nem foi publicado pela Valec. Há dois anos, a estatal tenta comprar os trilhos para tocar seus dois empreendimentos - Fiol e Ferrovia Norte-Sul -, mas esbarra em constantes ações judiciais movidas por empresas e determinações impostas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Neste mês, finalmente, a Valec conseguiu colocar na rua uma nova versão de edital para compra das barras de aço que serão aplicadas na Norte-Sul. O pregão está marcado para setembro. No caso da Fiol, porém, a chegada efetiva dos trilhos ainda é uma incógnita.

No lote da Andrade Gutierrez, a ordem é tocar o barco e produzir os dormentes que estão previstos. Técnicos que atuam no canteiro de obras afirmam que, para cumprir o cronograma da Valec, os trilhos teriam de chegar, no máximo, até setembro, prazo que já foi atropelado. Se o edital de trilhos da Fiol fosse lançado hoje, seus trilhos chegariam aos canteiros de obra, na melhor das hipóteses, em meados de fevereiro e março do ano que vem, por conta de prazos envolvendo contestação de empresas, homologação do contrato e a efetiva produção e transporte do material. "Vamos trabalhar no que pudermos. Se o trilho não chegar, fechamos a fábrica e vamos embora", diz um encarregado do trecho.

A chegada dos trilhos é urgente por conta da própria lógica de construção de qualquer ferrovia: o lançamento dos dormentes e trilhos deve ocorrer simultaneamente. Dessa forma, o próprio trecho que acabou de ser construído é usado para transportar o material que será aplicado no metro seguinte. O mesmo descompasso entre a oferta de dormentes e trilhos já afeta o lote 3 da Fiol - o mais avançado entre todos do empreendimento - e o lote 2, onde empreiteiras já começaram a espalhar dormentes ao longo do traçado, porque esgotaram a capacidade da área de estoque. As peças são colocadas em trechos de fácil acesso, para que os trilhos possam chegar depois, sem muita dificuldade.

Para a Valec, a situação da Fiol não é de urgência. Por isso, o edital anunciado até agora prevê apenas trilhos para a Norte-Sul. Há uma expectativa de que a concorrência para a ferrovia baiana seja anunciada nas próximas semanas.

"Os trilhos são o nosso gargalo, mas nós já fizemos todo dever de casa, com audiências públicas e contatos com todas as empresas do setor", diz o presidente da Valec, Josias Cavalcante. "É importante que as licitações ocorram com sucesso. Se não conseguirmos, vamos ter problemas nas obras." (AB)

Na rodovia, filas de caminhões abrem valas no asfalto

Por De Luis Eduardo Magalhães, Barreiras, São Desidério e Correntina (BA)

A praça do município de Barreiras poderia ostentar a tranquilidade comum a qualquer centro de cidadezinha do interior do país, não fosse o vaivém barulhento de caminhões lotados de carga, que todos os dias cruzam a via principal da cidade. Hoje, a única rota disponível para escoamento dos grãos produzidos no oeste da Bahia é a BR-242, que corta o Estado em um traçado similar ao que está previsto para a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol).

No caso da BR-242, porém, o destino final é o porto de Salvador. Nesta época do ano, em plena safra do algodão, nada menos que 1,5 mil caminhões têm circulado diariamente no eixo que liga as cidades de Luis Eduardo Magalhães, Barreiras e São Desidério. Para complicar a situação, a estrada de pista simples passa diretamente pelo centro das cidades, em vez de contorná-las. O asfalto da BR-242 acusa o golpe. Nas entradas e saídas dos municípios visitados pelo Valor, o peso das carretas abre valas profundas no chão. Carros são obrigados a circular em ziguezague para tentar fugir dos buracos. Os acidentes são frequentes.

No rastro de filas intermináveis dos caminhões brota o comércio das rodas. Em Luis Eduardo Magalhães, município de 70 mil habitantes, os moradores da cidade ainda não têm acesso a uma sala de cinema ou mesmo um shopping center para fazer compras. Para os caminhoneiros, no entanto, sobram ofertas no agitado Shopping dos Caminhões, ponto de parada para quem chega e sai da cidade.

"Hoje nossa situação é essa. Os caminhões estão ai, passando sem parar na nossa cara", diz o diretor de relações institucionais da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), Ivanir Maia, ao abrir a janela de seu escritório, instalado de frente para a BR-242. Na Bahia, afirma Maia, o papel desempenhado pelos caminhões tem extrapolado a mera função de meio de transporte. "Hoje também sentimos falta de estruturas para armazenamento. Nosso principal local para estocagem de grãos hoje se chama caminhão."

O escoamento da produção agrícola encontra meios de se viabilizar pelo transporte rodoviário, apesar do alto custo e das dificuldades enfrentadas. No caso do minério baiano, a única saída comercial possível é a ferrovia. Pelos trilhos da Fiol está previsto o transporte de 52 milhões de toneladas de carga em meados de 2018. A maior parte - 45 milhões - será de minério de ferro. (AB)

Valor Econômico, 31/07/2013, Especial, p. A12

http://www.valor.com.br/brasil/3216956/ferrovia-baiana-ainda-espera-pel…

http://www.valor.com.br/brasil/3216958/empreiteiras-estao-em-compasso-d…

http://www.valor.com.br/brasil/3216960/na-rodovia-filas-de-caminhoes-ab…

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