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Fera ferida

O Globo, Planeta Terra, p. 8-13
13 de Set de 2011

Fera ferida
Ataques de tubarões crescem e o maior culpado é o uso não sustentável dos mares. Peixe está ameaçado por pesca predatória

Renato Grandelle
renato.grandelle@oglobo.com.br

Terror dos surfistas, vilão de Hollywood, fera implacável dos mares, serial killer de barbatanas. Há milênios os tubarões despertam medo e fazem vítimas mundo afora. Somente no ano passado, foram 79 ataques, o maior número da década. Em apenas um dia de dezembro, no Egito, quatro banhistas foram atacados - dois perderam os braços; e outro, a mão. Cenas como esta explicam por que a popularidade do animal anda tão em baixa. Mas não esclarecem o que tem deixado esses peixões tão inquietos. Os biólogos, no entanto, já chegaram a consenso: somos nós.
Na verdade, dizem, eles são as maiores vítimas, em razão do aumento do número de pessoas na água, da destruição do ecossistema marítimo, da pesca descontrolada. Para se ter uma ideia, a média anual de pessoas mortas pelo peixe é inferior a 5. Virou piada, mas é verdade: é mais fácil alguém morrer atingido por um coco do que atacado por um tubarão.
Enquanto isso, mais de 70 milhões deles são abatidos todos os anos, em boa parte devido à demanda pela barbatana.
Cerca de 120 países participam dessa pesca predatória, entre eles, o Brasil.
- O número de ataques causados por tubarões aumentará a cada década - assegura George Burgess, diretor do Arquivo Internacional de Ataques de Tubarões, vinculado à Universidade da Flórida. - Eles causam poucas mortes e, francamente, elas não são nossa maior preocupação. Concentramos esforços em modos de administrar a pesca e garantir que nossos filhos e netos possam ver essas espécies no mar.
Não é uma missão tão simples quanto parece. Na Costa Leste americana, onde está Burgess, alguns tipos de tubarões tiveram sua população reduzida em 90%. Em todo o mundo, o tubarão branco perdeu 80% de seus indivíduos em apenas duas décadas. Se ainda não houve espécies extintas, é porque se trata de um animal oportunista, que sempre troca de área.
Mesmo ágil e daquele tamanho, o tubarão é vulnerável às mesmas pressões das espécies muito menores com quem divide os oceanos. Afinal, trata-se de um animal que ocupa o topo da cadeia alimentar. Se a temperatura do planeta continuar subindo, por exemplo, os recifes de corais serão embranquecidos, o que sacrificará o número de peixes, e diminuirá a alimentação disponível para os tubarões, comprometendo a existência também dessas populações.
E, ao contrário do que ocorre com o urso panda, o mico-leão dourado e que tais, quando se trata de tubarões, os ambientalistas não contam com o apoio popular. Para a maioria da opinião pública, esses peixões de 8 mil dentes devem ser relegados aos livros de História e à panela.
- Nossas culturas são diferentes, as linguagens também, mas a reação provocada pelos tubarões é a mesma - analisa. - Ficamos preocupados com algo que não conseguimos ver ou controlar. Não nos sentimos muito à vontade na água, não é o local onde somos melhores. Por isso temos medo.
Nos últimos 20 anos, tivemos algum sucesso com a mídia. Mas mudar a cabeça das pessoas, mostrar como o tubarão é parte daquele ecossistema, é uma luta diária. E basta um ataque para voltarmos à estaca zero.

O Globo, 13/09/2011, Planeta Terra, p. 8-13

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