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Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) aprova documento a ser enviado à equipe de transição do govern

Site do ISA-Socioambiental.org-São Paulo-SP
02 de Dez de 2002

Lula

Em sua VII Assembléia Ordinária, a Foirn aprovou o Programa Regional de Desenvolvimento Indígena Sustentável do Rio Negro, conjunto integrado de propostas em escala regional a ser enviado ao novo governo

Rosiléia, da Foirn, entrega calendário à Judite, da Associação de Mulheres do Distrito de Iauareté(AMIDI)

De 26 a 30/11/02, cem delegados indígenas estiveram reunidos na maloca da Foirn, junto à sede da organização em São Gabriel da Cachoeira, para a realização da VII Assembléia Ordinária. Ao final, foi aprovado o Programa Regional de Desenvolvimento Indígena Sustentável do Rio Negro (veja adiante documento na íntegra). Assinado por lideranças de 22 etnias organizadas em 50 associações de base filiadas à Foirn, o documento afirma que não basta a demarcação das terras indígenas e algumas ações isoladas do governo federal. É necessário um conjunto integrado de projetos com escala regional, capaz de valorizar a diversidade socioambiental dessa região única do noroeste da Amazônia brasileira.

Fundada em 1987, a Foirn comemorou durante a Assembléia os 15 anos de existência e conquistas da organização. A principal delas foi a demarcação de cinco terras contínuas e contíguas que somam 10,6 milhões de hectares.

Raul Telles do Valle (ISA) dá explicações sobre os estatutos
Reformulação dos estatutos

A cada dois anos realiza-se uma assembléia que pode ser eletiva (com a eleição da diretoria com mandato de quatro anos) ou intermediária, caso desta, mais temática. A primeira parte da VII Assembléia foi dedicada à reformulação e atualização dos estatutos da Foirn, trabalho que consumiu seis meses de discussões de uma comissão assessorada pelo advogado do ISA, Raul Telles do Valle. A partir dessa reformulação, a Foirn passa a ser organizada em cinco coordenações regionais, a partir dos principais rios da região: Rio Negro acima e Xié, Rio Negro abaixo, Içana/Aiari, Baixo Uaupés-Tiquié, Alto Uaupés-Papuri . As coordenações regionais realizarão assembléias prévias às assembléias gerais para escolher os 25 membros do Conselho Diretor - serão cinco por região - e os cinco integrantes da diretoria executiva para quatro anos de mandato.

Barão/Foirn

Beto Ricardo (ISA), Sidney Possuelo(Funai), Márcio Santilli (ISA), Porfírio Carvalho (PWA) e Artur Nobre Mendes (Funai) durante a Assembléia
Destaques da Assembléia

Além do documento com o conjunto de propostas, a Assembléia discutiu as perspectivas da política indigenista para o novo governo e do debate participaram alguns convidados como: o presidente da Funai, Artur Nobre Mendes; Porfírio Carvalho, do Programa Waimiri-Atroari; Sidney Possuelo, da Coordenação de Índios Isolados da Funai e Márcio Santilli, do ISA. Coordenado por Beto Ricardo, do ISA, e Edilson Melgueiro, da Foirn, os comentário ficaram por conta dos debatedores Bonifácio José Baniwa (Iakinô); Gersem Luziano Baniwa (Programa Demonstrativo dos Povos Indígenas); Adão Oliveira (liderança indígena de Iauareté); Domingos Barreto (Foirn) e Pedro Machado.

Marina Fonseca e Renata Alves, do ISA, solucionam dúvidas do macrozoneamento
Outros destaques da Assembléia foram: a avaliação dos três anos de funcionamento do Distrito Sanitário Especial Indígena do Rio Negro (DSEI-RN); discussão e aprovação das linhas de ação de um projeto de proteção e fiscalização das terras indígenas demarcadas a ser apresentado ao Projeto Integrado de Proteção às Terras de Populações Indígenas da Amazônia Legal Brasileira (PPTAL) ainda este ano, para ser implantando no período abril 2003/dezembro 2004. Este plano prevê reforço do plaqueamento, fortalecimento de comunidades situadas nas bocas dos principais rios, a ampliação da rede de radiofonia, expedições de fiscalização para área remotas, ações especiais em áreas críticas e a formação de um sistema de informação que avalie a situação anualmente com a participação de atores governamentais e não-governamentais da região. Por fim, vale ressaltar a apresentação dos resultados preliminares do Macrozoneamento das áreas demarcadas. Marina Fonseca e Renata Alves do Laboratório de Geoprocessamento do ISA atenderam aos delegados durante a Assembléia, fazendo um trabalho de revisão e complementnação de informações dos mapas.

Conheça a Carta Aberta dos Povos Indígenas do Rio Negro à equipe de transição do governo Lula

Proposta dos povos indígenas do Rio Negro à equipe de transição do Governo Lula
Prezado senhores,

Inicialmente gostaríamos de agradecer a resposta que recebemos ao convite para participar da VII Assembléia Geral da FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro) e da disposição dos senhores para receber e considerar as nossas propostas e recomendações.

Aqui no alto e médio Rio Negro vivem 23 povos indígenas diferentes, que somam pelo menos 35 mil pessoas e constituem a grande maioria da população. Representamos cerca de 10 % da diversidade e da população indígena atual do Brasil. Estamos organizados em comunidades e associações, formando uma Federação. Boa parte das nossas terras já foi reconhecida e demarcada pelo governo federal, como determina a Constituição Federal de 1988. Mas ainda falta demarcar algumas terras indígenas e muitas delas em superposição com unidades de conservação ambiental. Mas o Brasil não está preparado para conversar conosco, respeitar nossos direitos coletivos, escutar as nossas línguas e as nossas visões e propostas para o futuro. Ao contrário, o velho Brasil se preparou para integrar e assimilar os povos indígenas do Rio Negro, reprimindo nossas culturas, reduzindo nossos direitos e tentando colonizar nossas terras.

Nós não aceitamos esse rumo e depois de 15 anos de luta da FOIRN, já tivemos algum reconhecimento dos nossos direitos e já temos algumas soluções para resolver os principais problemas que nos afetam, mas muita coisa precisa melhorar rapidamente. Não adianta apenas uma demarcação no papel e algumas boas ações isoladas das políticas públicas. As nossas terras estão situadas em vários municípios, cujo poder está controlado por setores que não reconhecem nossos direitos e fica muito difícil coordenar os recursos das políticas públicas federais que passam pelo canal da municipalização.

Assim sendo, a nossa proposta principal é que o novo governo federal crie as condições institucionais para conversar conosco de maneira adequada, para apoiar o que nós chamamos de PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO INDÍGENA SUSTENTAVEL DO RIO NEGRO (PRDIS-RN).

Este programa deveria reunir um conjunto de ações integradas, sejam das políticas públicas federais, sejam das demais parcerias não-governamentais, de forma a construir e implementar um tipo de desenvolvimento que tenha o nosso jeito de ser e de trabalhar e que valorize a nossa diversidade e os nossos conhecimentos e garanta um novo patamar de bem estar para as nossas comunidades . Não queremos apenas um programa com os nossos assuntos e algumas das nossas palavras, mas um programa que seja executado de acordo com as nossas determinações e prioridades, valorizando o nosso controle social e a nossa participação direta na sua execução.

O PRDIS-RN deveria considerar o seguinte:
1.é importante e urgente que seja feita a demarcação física e homologação da TI Balaio, bem como a identificação, delimitação e demarcação das TIs Marabitanas-Cué Cué e das terras tradicionalmente ocupadas nos municípios de S. Isabel e Barcelos, ações que dependem, no momento, da FUNAI e do Ministério da Justiça.
2.é preciso implantar um Plano de Proteção e Fiscalização das terras indígenas e das unidades de conservação ambiental de forma integrada e participativa, articulando as ações dos órgãos federais (Exército, Aeronáutica, PF, Ibama, CENSIPAM e FUNAI), as instituições não-governamentais, associações e comunidades.
3.na área dos serviços públicos de atendimento a saúde, é importante manter, consolidar e aprimorar o Distrito Sanitário Especial Indígena do Rio Negro, que vem funcionando desde 1999.
4.que as nossas tradições culturais sejam valorizadas e tenham espaço na política cultural do país, com linhas de apoio para o registro, formação e gerenciamento de acervos próprios, bem como a construção de espaços públicos adequados para as nossas manifestações culturais nas cidades de S. Gabriel da Cachoeira, S. Isabel e Barcelos.
5.que o MEC tenha um programa de apoio que nos permita implantar um sistema escolar indígena, incluindo o nível básico e médio, no qual o poder pedagógico esteja nas nossas mãos.
6.que o MEC apóie decididamente a transformação da Escola Agrotécnica Federal de S. Gabriel da Cachoeira na primeira Escola Agro-florestal Indígena da Amazônia.
7.que o MEC apóie programas de formação de professores indígenas (terceiro grau indígena) e de acesso e manutenção de estudantes indígenas no nível de ensino superior.
8.que o SEBRAE nacional faça um programa especial de apoio para povos indígenas, começando por implantar em 2003 um processo de planejamento participativo em Iauareté, através da adaptação da metodologia DLIS (Desenvolvimento Local Integrado, INDÍGENA e Sustentável) .
9.que o PRONAF tenha uma linha especial de apoio aos povos indígenas do Rio Negro, valorizando a nossa agrobiodiversidade e nossas formas de manejo dos recursos da floresta, criando uma linha de crédito e apoio de infraestrutura para a segurança alimentar e a comercialização da nossa produção. Queremos transporte e mercados indígenas livres nas cidades regionais.
10.que os Correios, que é uma empresa pública, estude a possibilidade de desenvolver um programa-piloto na região do Rio Negro, prestando serviços de transporte de correspondência, encomendas e outros serviços diretamente para todas as comunidades.
11.que o Ministério da Justiça continue apoiando os trabalhos do Balcão da Cidadania Indígena do Rio Negro, em parceria com a FOIRN, o qual tem permitido que as pessoas das nossas comunidades mais remotas tenham acesso à documentação básica a às informações sobre seus direitos.
12.que o Ministério da Defesa e o Ministério da Justiça acolham nossas reivindicações para criar uma conjunto de regras de convivência entre militares e indígenas aqui na fronteira com a Colômbia e Venezuela.
13.que o Ministério das Relações Exteriores apóie as nossas iniciativas de intercâmbio cultural e técnico com nossos parentes e contrapartes da Colômbia e Venezuela.
14.que as empresas de telecomunicações instalem telefones públicos em todas as comunidades.
15.que o Ministério das Minas e Energia apóie um programa de energia solar em todas as comunidades, especialmente nos edifícios de uso comum, como escolas, centro comunitários e de saúde.

Sem mais no momento, na certeza que as nossas sugestões serão consideradas, aguardamos vossa manifestação

Assinam

Diretoria da FOIRN

Delegados das Associações filiadas à FOIRN

Outras lideranças indígenas presentes à Assembléia Geral

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