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Febre demarcatória

OESP, Fórum dos Leitores, p. A2
Autor: AMARAL, Ana Lúcia
02 de Out de 2008

Febre demarcatória

Tenho acompanhado os artigos do Espaço Aberto, em especial os do sr. Dennis Lerrer Rosenfield, contra os procedimentos demarcatórios de terras indígenas, como tenho percebido ser esse jornal também contrário a tais procedimentos. Manifesto-me a respeito por acompanhar essas questões por cerca de 19 anos, por força de meu cargo de procuradora da República. Ideologias à parte, penso que tem faltado informação técnica correta. Acreditando que seja desconhecimento, e não má-fé, penso que convém esclarecer que terras indígenas são de domínio da União, e isso assim está previsto desde a Constituição de 1891.
Aos índios é assegurado o uso e o gozo de seus bens. Quando se faz menção à tradicionalidade da ocupação, necessária ao procedimento demarcatório, cumpre destacar que esse já é um conceito jurídico, muito bem explicado pelo professor José Afonso da Silva em sua obra Curso de Direito Constitucional Positivo. Explica o ilustre professor que tradicionalidade não significa temporalidade, a imemorialidade da ocupação, mas, sim, se a forma de ocupação se faz de acordo com as tradições da comunidade que lhe são passadas pelos mais antigos, de geração a geração. Por tal razão, jamais os índios brasileiros se interessariam em ocupar o centro da cidade de São Paulo, por exemplo, na medida em que hoje não guarda o menor traço das áreas necessárias a seu modo próprio de vida. Os povos indígenas procuram os espaços onde possam reproduzir seu modo de vida tradicional. Assim é que em Mato Grosso do Sul ainda há terras que guardam as características necessárias ao modo de reprodução social, econômica e cultural dos guaranis-caiovás, entre outras etnias, como é assegurado pela Constituição de 1988. Se o Estado de Mato Grosso, quando ainda não havia sido dividido, deu terras para ocupação e permitiu a expulsão e o extermínio dos índios, para que a ocupação não-índia trouxesse renda para a região, a despeito do que dizia a Constituição à época, não se pode no presente, apenas no interesse do agronegócio, praticar genocídio.

Ana Lúcia Amaral, procuradora regional da República
anamaral@uol.com.br
São Paulo

OESP, 02/10/2008, Fórum dos Leitores, p. A2

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