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Fazendeiro acusado pela morte de irmã Dorothy vai a julgamento

OESP, Nacional, p. A4
14 de Mai de 2007

Fazendeiro acusado pela morte de irmã Dorothy vai a julgamento
Ministério Público sustenta que Bida é um dos mandantes do assassinato da religiosa americana

Carlos Mendes

O fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de mandante no assassinato da missionária Dorothy Stang, em fevereiro de 2005, em Anapu, no sudoeste do Pará, senta no banco dos réus do júri popular, hoje, em um julgamento com previsão de durar dois dias. Apontado pelo Ministério Público também como mandante do crime, o fazendeiro Regivaldo Galvão, o Taradão, aguarda em liberdade o julgamento de recurso em que pretende ser excluído do processo. A freira americana foi morta porque tentava implantar na região um Projeto de Desenvolvimento Sustentado, o que contrariava os interesses de grandes fazendeiros, alguns deles acusados de grilagem e desmatamento de terras públicas em Anapu, além de fraudes contra a extinta Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).

A defesa de Bida vai insistir na tese de que o acusado não tinha motivos para mandar matar a freira. O Ministério Público e os assistentes de acusação tentarão provar que o réu agia em parceria com Galvão, de quem Bida era sócio. Na visão da acusação, Bida tinha razões para encomendar o crime - uma vez que ele havia sido denunciado pela irmã Dorothy em cartas enviadas às autoridades paraenses. A religiosa acusava o fazendeiro de ter praticado queimada ilegal e destruição de roças de agricultores. Por causa do crime ambiental, Bida sofreu uma multa de R$ 3 milhões lavrada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). "Não teremos paz nestas terras de Anapu enquanto alguém não matar aquela velha", teriam comentado Bida e Galvão, de acordo com a denúncia do Ministério Público.

REFORMA AGRÁRIA

O irmão da missionária, David Stang, veio dos Estados Unidos para acompanhar o julgamento. Ele disse que a freira deu sua vida pela preservação da floresta amazônica e pelos agricultores brasileiros que lutam pela reforma agrária e justiça no campo. "É preciso que a justiça aconteça e eu tenho fé que isso se fará", disse ele ao Estado. Cerca de mil agricultores, vindos de várias regiões do Pará, especialmente do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Esperança, onde a missionária atuava, estão em Belém. Eles montaram um acampamento na frente do Fórum Cível, onde o acusado será julgado.

O coordenador do Comitê Dorothy e organizador das manifestações, Lucinei Vieira, acredita na condenação de Bida. Para Vieira, as provas apontam nessa direção.

RELATÓRIO

No Pará, a impunidade de mandantes de assassinato de trabalhadores rurais é enorme. De acordo com o último relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Estado registrou 772 assassinatos no campo nos últimos 33 anos. Apenas em seis casos os acusados foram levados a julgamento. "Por isso estamos pressionando a Justiça para que essa situação seja mudada, porque entendemos que isso só pode acontecer com a pressão popular", resumiu Vieira.

Para a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Pará, Mary Cohen, se apenas o pistoleiro for condenado nesse caso, a violência no campo não vai acabar. Ela disse que a importância do julgamento está no fato de que Bida reúne "possibilidades reais de condenação". Dois meses antes de ser morta, irmã Dorothy foi condecorada pela OAB paraense - ela recebeu o prêmio de direitos humanos José Carlos Castro. A premiação aconteceu no dia 10 de dezembro de 2004 e o assassinato ocorreu em 12 de fevereiro de 2005.

Figurante de uma lista de marcados para morrer no sul do Pará, o advogado e coordenador da CPT de Xinguara, o frei francês Henri des Rosiers, declarou que a Justiça precisa "quebrar a cadeia da impunidade", condenando todos os envolvidos no caso da religiosa americana Dorothy Stang. O frei organizou uma comitiva de manifestantes de vários municípios paraenses para acompanhar o julgamento na capital.

Ao todo, cinco pessoas foram denunciadas por participação no crime, mas até agora apenas quatro foram julgadas e condenadas. O pistoleiro Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, autor dos seis tiros que mataram Dorothy, foi condenado a 27 anos. O comparsa de Sales na morte, Clodoaldo Carlos Batista, o Eduardo, pegou 17 anos.

O capataz de fazenda Amair Feijoli da Cunha, o Tato, foi condenado a 27 anos de prisão como intermediário do crime, mas acabou beneficiado com a redução de um terço da sentença de 18 anos se valendo do recurso de delação premiada. O recurso garante benefício a acusados que colaboram dando informações no transcorrer do processo.

Nome da missionária estava em lista no Pará desde 1999
Embora figurasse desde 1999 em uma "lista negra" de fazendeiros e madeireiros da região de Anapu, no Pará, a missionária americana Dorothy Stang sempre se recusou a abandonar o trabalho. "Não quero fugir, nem abandonar a luta dos camponeses que vivem sem nenhuma proteção em plena selva", dizia.

Comparada ao líder seringueiro Chico Mendes, morto em dezembro de 1988, irmã Dorothy atuava na linha de frente dos movimentos sociais no Pará havia cerca de 40 anos. Desde 1972, unida às mulheres e agricultores da comunidade Sucupira, desenvolvia projetos sustentáveis para geração de emprego e renda com reflorestamento em áreas degradadas. A repercussão de seu trabalho ultrapassou as fronteiras do Estado e ganhou dimensão internacional.

Amada pelos lavradores pobres, era chamada de "santa" pelas famílias a quem atendia e de "satanás da Transamazônica" por seus desafetos. "Sei que eles querem me matar, mas não vou fugir. Meu lugar é aqui, ao lado dessas pessoas constantemente humilhadas por gente que se considera poderosa", afirmou irmã Dorothy ao Estado, em sua última entrevista, concedida dez dias antes do crime.

Medidas anunciadas para atacar violência foram esquecidas
No enterro da missionária Dorothy Stang, o então governador do Acre, Jorge Viana, representando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, anunciou providências "imediatas" contra a violência na região. A primeira medida seria uma ação dura para desarmar fazendeiros, prender jagunços, apurar denúncias de violência e combater a grilagem. A outra previa maior rapidez na execução da reforma agrária, sobretudo o modelo de desenvolvimento sustentável pelo qual a irmã Dorothy lutava. Foram também encaminhados pedidos de proteção da Polícia Federal em favor de líderes ameaçados de morte.

Passados dois anos, contudo, a relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) para direitos humanos, Hina Jilani, se diz alarmada com o número de assassinatos de ativistas no Brasil e indica que um dos problemas é a "impunidade persistente". Em documento divulgado no mês passado, ela relata que até ativistas que trabalham em projetos do governo federal são alvo de ameaças. É o caso dos frades Xavier Plassat e Silvano Rezende e de Lúcio de Avelar e Jorge Vieira, da Pastoral da Terra do Pará. Os quatro passaram a sofrer ameaças e tentativas de assassinatos após participar do desenvolvimento do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, lançado em 2003 por Lula.

OESP, 14/05/2007, Nacional, p. A4

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