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Favelas só se igualam a 'asfalto' em TV e geladeira

FSP, Cotidiano 2, p. 1
07 de Nov de 2013

Favelas só se igualam a 'asfalto' em TV e geladeira
Crescimento econômico não foi suficiente para eliminar abismo, mostra censo
Diferenças ainda são gritantes nos principais indicadores, como renda, ensino e condição de acesso às casas

Pedro Soares do Rio

O crescimento mais acelerado do rendimento das classes mais baixas, o aumento do emprego e as transferências de renda do governo aos mais pobres nos últimos anos não foram suficientes para eliminar o fosso que ainda separa os moradores de favelas dos que vivem no "asfalto", isto é, fora delas.
Há ainda uma grande diferença quando se verificam indicadores como renda, educação e condições de acesso às casas, mostram dados do censo do IBGE comparando os 11,4 milhões de pessoas que vivem em favelas brasileiras --população semelhante à de países como Grécia e Portugal-- com o restante dos habitantes do país.
Mas os dois universos se aproximam bastante quando a pesquisa se volta para alguns índices de consumo, como a posse de aparelhos de TV e geladeira, por exemplo.
Nesses dois itens, a diferença praticamente inexiste: 98% dos moradores de favelas e das demais áreas da cidade têm TV; 95% daqueles que vivem nessas comunidades possuem refrigeradores, contra 98% no restante da cidade.
Mas as semelhantes param por aí. Quase metade (48%) dos lares fora das favelas tem computador ligado à internet.
Dentro das comunidades, são apenas 20,2%.
No caso da presença de máquina de lavar, a diferença era 66,7%, contra 41,4%, respectivamente.
Apesar da maior inclusão de crianças na escola desde os anos 1990, a educação é ainda o maior abismo: enquanto 14,7% da população de outras áreas concluiu uma faculdade, esse percentual é de apenas 1,6% nas favelas.
Os dados são do censo de 2010 e parte deles já havia sido divulgada. Mas agora o IBGE os utilizou para fazer novos recortes socioeconômicos.

PROCESSO HISTÓRICO

Segundo Maria Amélia Villanova, técnica do IBGE, a ocupação de favelas é um processo histórico no país e se deu de modo diferente nas diversas regiões brasileiras, mas sempre foi caracterizada pela presença de população mais pobre --muitas vezes migrante.
As características desse modelo, explica ela, são moradias com acesso mais difícil, sem infraestrutura adequada e, em geral, sem que seus moradores tenham posse regular do terreno ou imóvel.
Rute Imanishi, pesquisadora do Ipea especializada no tema, afirma que "a opção de morar nas favelas foi a que restou" às famílias mais pobres que queriam ter acesso a serviços públicos melhores (saúde e educação em especial) e morar mais perto do trabalho.
"É muito caro morar em cidades como Rio e São Paulo. A alternativa barata seria viver muito mais longe, em cidades nas franjas' dessas regiões metropolitanas, muito afastadas e com serviços até mais precários do que nas favelas.''
A disparidade de renda entre os moradores de favelas e dos que estão fora delas dá um panorama dessa realidade.
Quase um terço das famílias das favelas (31,6%) têm renda inferior a meio salário mínimo por pessoa (R$ 339, em valores atuais). Nas demais localidades, o percentual é bem menor: 13,8%.
Nas favelas, a informalidade também é mais elevada, atingindo 27,8% dos moradores. O percentual fica restrito a 20,5% de ocupados sem carteira assinada fora dessas áreas degradadas.

MORADIA DE RISCO

Em todo o país, a maior parte das favelas está em área plana (52,5%), embora 19,7% das comunidades se situem em encostas bastante inclinadas --situação que em quase toda a temporada de chuvas de verão se traduz em deslizamentos de casas e mortes.
Dos domicílios em favelas, 12,5% estão às margens de rios e córregos e 72,6% dos domicílios em favelas não têm espaçamento entre si, formando um grande bloco de casas ou de pequenos edifícios.
Villanova, do IBGE, diz que esses dados mostram que viver em favelas representa um risco adicional tanto do ponto de vista da saúde como de desastres. "O menor saneamento e má circulação de ar levam à insalubridade."

Em SP, capital concentra moradias precárias; 25% estão perto de rios
Dos moradores de favelas paulistanas, 33,7% são de fora do Estado, índice acima da média do país
Segundo o IBGE, 11,4% da população de São Paulo mora em favelas; percentual chega a 22,2% no Rio de Janeiro

DO RIO

O abismo que separa as favelas do "asfalto" se replica na cidade de São Paulo e até com mais intensidade em alguns indicadores, como a localização próxima a rios e córregos e na educação.
A capital concentra 66% dos domicílios em favelas da região metropolitana, proporção superior, por exemplo, a de Recife (40%), área de renda mais baixa.
Da população total da cidade, 11,4% moram em favelas. Trata-se de um percentual menor do que no Rio (22,2%), mas similar ao de Porto Velho (RO).
Para o IBGE, a favelização é um fenômeno que cresceu na esteira da concentração da população nas grandes metrópoles, impulsionada, em grande medida, pela migração --algo que se vê com mais força em São Paulo.
Dos moradores das favelas paulistanas, 33,7% não nasceram no Estado de São Paulo. No Brasil, a proporção era menor: 21,7%.
As cinco maiores regiões metropolitanas brasileiras concentram 59,3% dos moradores de favelas de todo o país. Do total de moradores dessas áreas, 18,9% viviam na Grande São Paulo.
Dados cruzados pela a partir do Censo de 2010 mostram que na capital paulista 24,7% das casas das favelas estavam próximas a margens de rios e córregos e lagoas, percentual acima da média do país (12,5%).
Já 19,1% localizavam-se em encostas --índice quase idêntico à média nacional.
Rute Imanishi, pesquisadora do Ipea, diz que a industrialização e as oportunidades de trabalho decorrentes desse processo atraíram população para o Sudeste desde os anos 40, principalmente para São Paulo e Rio.
O ápice desse movimento, afirma, se deu nos anos 70.
"Essas pessoas ocupavam áreas que não eram de interesse do mercado imobiliário naquela época, em muitos casos porque eram mais difíceis de construir, como em topos de morros", diz.
De acordo com os dados do IBGE, as maiores favelas de São Paulo são Paraisópolis e Heliópolis, ambas com mais de 40 mil habitantes em 2010.

MOBILIDADE

Os moradores de favelas levam mais tempo para chegarem ao trabalho --37% deles levava mais de uma hora para isso. O percentual supera os 30% dos moradores das demais áreas da cidade.
Um quarto dos lares de favelas paulistanas tinha, em 2010, renda per capita de até meio salário mínimo (R$ 339). Fora dessas áreas, o percentual era bem menor: 8,5%.
No outro extremo, 17,2% das famílias de SP que não viviam em comunidades tinham rendimento superior a cinco salários (R$ 3.390). Nas favelas, eram apenas 0,6%.
Mas viver nessas áreas pode ser uma alternativa de renda. "Muitos moradores criam cômodos para alugar", diz a pesquisadora.
(Pedro Soares)

FSP, 07/11/2013, Cotidiano 2, p. 1

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/137731-favelas-so-se-igualam…

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/137733-em-sp-capital-concent…

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