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Favela tem muito acesso a bens e pouco a empregos

OESP, Metrópole, p. A34
07 de Nov de 2013

Favela tem muito acesso a bens e pouco a empregos
Estudo mostra que não faltam TVs e celulares em área pobre, mas é baixo número de morador com curso superior e carteira assinada

Wilson Tosta / RIO - O Estado de S.Paulo

Retrato da desigualdade brasileira, a pesquisa Aglomerados Subnormais - Informações Territoriais apontou que a maioria dos moradores das áreas mais pobres do Brasil tem TV e telefone celular, mas está muito mais longe da universidade e do trabalho formal do que os habitantes da cidade formal. O trabalho, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela um País de pronunciado abismo social, com 11.425.644 pessoas morando nesses bairros construídos à margem das regras do planejamento urbano - em sua maioria, nas popularmente conhecidas favelas.
Muitos vivem em áreas marcadas pela precariedade e pelo risco: 11.149 moradias estão fincadas em aterros sanitários, lixões e áreas contaminadas, 27.478 casas estão nas imediações de linhas de alta tensão, 4.198 domicílios perto de oleodutos e gasodutos, 618.955 construções penduradas em encostas. Para fins de pesquisa, um aglomerado subnormal é definido pelo IBGE como "uma área ocupada irregularmente por certo número de domicílios, caracterizada, em diversos graus, por limitada oferta de serviços urbanos e irregularidade no padrão urbanístico".
Espécie de mapa das coletividades precárias e/ou à margem dos serviços públicos do Brasil - favelas, mocambos, loteamentos -, o estudo toma por base o Censo 2010 e aponta, naquele ano, 3.224.529 domicílios particulares nessas regiões à margem da cidade formal. Em seu trabalho, os pesquisadores se depararam com extremas proximidades e desigualdades de acesso a bens e serviços na comparação entre as áreas de aglomerados e as outras regiões das grandes cidades brasileiras.
Segundo o instituto, nas duas regiões das cidades pesquisadas quase 100% dos domicílios brasileiros possuíam televisão: 96,7% nos aglomerados e 98,2% nas demais regiões. E mais de 53,9% das residências nas ocupações informais tinham apenas telefone celular, ante 34,8% no restante formalizado dos municípios.
O acesso dos pobres a símbolos da modernidade contrasta fortemente com os apenas 1,4% dos habitantes dos aglomerados com curso superior completo (14,7% nos demais) e os 27,8% de moradores dos subnormais sem carteira de trabalho assinada (20,5% no restante das cidades).
"Não são cidades que se contradizem", explicou o técnico do IBGE Maurício Gonçalves e Silva. "O processo é um só e é altamente coerente o que acontece ali, diante da dinâmica do próprio País e de formação de cada uma dessas cidades."
Desenvolvimento. A pesquisa constatou que 77% dos domicílios das áreas de moradia informal, precária, pobre e/ou com serviços precários ficavam, em 2010, em Regiões Metropolitanas com mais de 2 milhões de habitantes. O IBGE descobriu ainda que 59,4% da população de aglomerados estava em cinco Regiões Metropolitanas: São Paulo (18,9%), Rio (14,9%), Belém (9,9%), Salvador (8,2%) e Recife (7,5%). Outros 13,7% acumulam-se em outras quatro: Belo Horizonte (4,3%), Fortaleza (3,8%), Grande São Luís (2,8%) e Manaus (2,8%). Essas nove regiões abrigam 73,1% da população de áreas informais identificadas na pesquisa.
Em seu levantamento, o IBGE constatou que a imagem da favela carioca pendurada em uma elevação não é o perfil majoritário desse tipo de área no País. A pesquisa constatou que 1.692.567 (52,5%) dos domicílios em aglomerados subnormais do País estava em áreas planas; 862.990 (26,8%) em aclive/declive moderado; e apenas 68.972 (20,7%) em aclive/declive acentuado.
Curiosamente, foi na Região Metropolitana de São Paulo que os pesquisadores do IBGE encontraram mais domicílios em áreas com predomínio de aclive/declive acentuado (166.030). Em seguida, vem a de Salvador (137.283). A Região Metropolitana do Rio é apenas a terceira nesse quesito, com 103.750 domicílios.

SP concentra 18,9% das casas precárias do País
São 596.479 residências, onde vivem 2.162.362 de habitantes, uma população equivalente à da cidade de Paris

Com 39 municípios, a Região Metropolitana de São Paulo concentra o maior número de domicílios em favelas do País. Ao todo são 596.479 casas -18,9% do total nacional onde vivem 2.162.368 de habitantes, uma população equivalente à da cidade de Paris.
Dois terços das construções ficam na capital e, diferentemente do Rio, a ocupação irregular se deu, em grande parte, em espaços mais distantes do centro. A Pesquisa Aglomerados Subnormais - Informações Territoriais, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que 37% dos moradores de favelas paulistanas demoram mais de uma hora para chegar ao trabalho em contraste com 30% dos moradores das demais áreas da cidade.
"São Paulo teve ocupação pelos aglomerados mais na periferia do que salpicada em seu tecido urbano", explica Maurício Gonçalves da Silva, do IBGE.
Nessa realidade, às margens da Represa Billings, no Jardim Gaivota mora, há 22 anos, o pescador Edmilson Batista, de 48. Ele divide um cômodo com a mulher e dois dos cinco filhos.
Outros dois filhos moram ao lado, onde o peixe é armazenado. Colada ao freezer, a porta do quarto dos meninos esconde: um cômodo sem janela, mas com um computador ligado às redes sociais. Ali, é o Cantinho do Céu, na zona sul.
Os dois barcos a remo é de onde a família tira o sustento. Batista já teve muito prejuízo. "A poluição da represa está acabando com os peixes", diz o pescador, que, por causa de quedas de energia, já perdeu mercadoria. "Falta tudo: asfalto, luz, saneamento. Se a gente pudesse não morava aqui."
Segundo a família, em toda eleição os políticos vão à região, mas ficam só na promessa de melhorias. De acordo com a Secretaria Municipal de Habitação (Sehab), há um projeto de urbanização em curso na região, que prevê a remoção de famílias de áreas de risco.
Em Osasco, na Favela do Limite, a diarista Odete Souza, de 52 anos, vive sozinha em um barraco de madeira há 10 anos. "Se eu tivesse condição, faria uma casa de blocos, mas até que sou feliz aqui", diz Odete, que coloca pedras como rodapés da casa para impedir a entrada de ratos. Ela diz que, apesar das dificuldades do bairro, não tem vontade de deixá-lo.
Regiões. Os pesquisadores do IBGE dividiram a região metropolitana em quatro grandes áreas, partindo-se do centro e avançando na direção dos municípios periféricos. O estudo revela que há também, na área central da capital, "pequenas áreas dispersas" de ocupação informal. Um dos exemplos é a Favela do Moinho, no Bom Retiro.
De baixo de um viaduto e ao lado da linha do trem metropolitano, o aglomerado ocupa 30.107 metros quadrados, com cerca de 375 barracos. O chão é de terra batida e as casas, em sua maioria, de madeira.
O desempregado José Roberto Adão, de 35 anos, vive com filho 3 anos em uma área de 8 m2, sem banheiro no barraco, cuja porta é um lençol velho. "Luz e água a gente consegue ter, mas, para comprar comida para o meu filho, tive de alugar o espaço que eu tinha aqui ao lado. Queria muito sair daqui", diz.

Maioria das ocupações no Rio não está em morros
Pesquisa também mostra que moradores das favelas demoram menos para chegar ao trabalho que os demais

Quatro em cada cinco domicílios em favelas na Região Metropolitana do Rio ficavam na capital, constataram pesquisadores do IBGE. O trabalho a firma que estavam na cidade do Rio 82% (426.965 dos 520.260) das residências nessas áreas à margem da cidade, em 2010. E desfaz um mito:o de que as regiões de ocupação irregular carioca estão majoritariamente em encostas. Segundo o trabalho, mais da metade dos domicílios em favelas da capital está em áreas planas.
"Desmistificamos um pouco aquela coisa de favela no Rio ter morro", disse Maria Amélia Vila nova Neta, técnica da Coordenação de Geografia do IBGE. Como em São Paulo, a história ajuda a compreender as diferenças. Nas áreas mais antigas, ocupadas primeiro, predominavam em 2010 favelas menores, em morros - áreas que ficaram livres da ocupação mais caras. As exceções são algumas favelas grandes, como Rocinha, Vidigal, Borel, Coroa/Fallet/Fogueteiro, São Carlos.
O adensamento já leva moradores mais antigos a pensar em se mudar. O barbeiro João Gomes, de 67 anos, não vê a hora de voltar para a sua Queimadas, cidade de 41 mil habitantes da Paraíba - quase 30 mil a menos do que a população da Rocinha, onde mora. "Aqui não tem mais espaço para crescer. Querem até demolir minha casa para alargar a rua. Vou voltar para a Paraíba e cortar cabelo por lá."
Para o norte, seguindo a expansão das linhas férreas e a Avenida Brasil, estabeleceram-se grandes favelas nos Complexos do Alemão, Maré, Lins, Manguinhos e no Jacarezinho.
Mobilidade. Entre as Regiões Metropolitanas do País, a do Rio tem uma peculiaridade: o deslocamento para o trabalho muitas vezes é bem mais rápido para o morador de favela do que para quem vive em outras áreas. Entre quem leva mais de uma hora diariamente no trajeto, a primeira proporção é de 21,9% e a segunda, de 26,3%. Isso porque as favelas estão perto dos locais onde se concentram mais oportunidade de emprego.
Roberta Pennafort e W.T

OESP, 07/11/2013, Metrópole, p. A34

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