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Fantasias amazonicas

OESP, Notas e Informacoes, p.A3
24 de Fev de 2005

Fantasias amazônicas

O presidente Lula fala o que quer - e os fatos falam por si. No caso da freira Dorothy Stang, assassinada no Pará, impossível não ouvi-los e deles não tirar as devidas conclusões. E estas reduzem a meras palavras as palavras - quase sempre asneirentas - que pretendem descrever realidades que só existem na mente de quem as profere. Dois desses fatos não poderiam ser mais eloqüentes. Um deles está na edição de ontem deste jornal. O outro, em toda a imprensa.

O primeiro é a informação obtida pelo repórter Vannildo Mendes de que, em setembro de 2003 - há um ano e cinco meses, portanto -, o procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, encaminhou ao Palácio do Planalto um relatório do Ministério Público Federal que identifica seis madeireiros da região paraense da Terra do Meio, onde a irmã Dorothy foi assassinada, como exploradores ilegais de mogno e traficantes de drogas.

O relatório vincula-os ao deputado federal e ex-governador Jader Barbalho, de quem seriam "testas-de-ferro". O documento dá conta da "presença ativa do crime organizado" no lugar - empenhado na derrubada ilegal de madeiras nobres e na grilagem de terras para fins especulativos, com a expulsão e a eliminação dos posseiros nelas instalados. Uma tropa de cem jagunços foi organizada para "limpar a área", a impunidade garantida por seus cúmplices em órgãos federais e estaduais.

Para eles, a religiosa americana era um alvo natural, por denunciar as agressões ao meio ambiente do sindicato do crime, tentar defender os posseiros e por difundir técnicas de manejo sustentável dos recursos florestais. Não se tem notícia de que uma única palha foi movida contra a perpetuação dos delitos descritos no relatório - o Planalto nem sequer o divulgou, o mínimo que poderia fazer para escancarar o problema, intimidar os criminosos e passar à ofensiva.

A maior prova da irresponsabilidade do governo - e aqui se chega ao segundo dos fatos eloqüentes antes referidos - está na facilidade com que a Polícia Federal conseguiu elucidar o assassínio da freira, um crime que se distingue de inumeráveis outros do mesmo gênero, quase rotineiros, apenas por ser a vítima quem era e por fazer o que fazia. Essa facilidade se explica pelo fato de que os criminosos, habituados à ausência do Estado, agirem às claras, sendo amplamente conhecidos da comunidade onde atuavam.

Em outras palavras, a lei da selva prevalece nesse "universo de fronteira", no sentido sociológico da expressão, desde muito antes da metamorfose de um migrante nordestino em dirigente sindical, líder político e presidente da República. Nem seria justo acusar o governo Lula de ser mais omisso do que outros em impor à criminalidade endêmica no faroeste brasileiro a força legítima do estado de direito.

Ao contrário do que afirma Lula, "a lei que vale para o presidente e para o pistoleiro" nunca foi aplicada naquela região. Bastam aqueles fatos para desautorizar por completo a retórica do presidente a respeito da questão, que nos últimos dias conseguiu superar os seus habituais padrões semânticos e a sua não menos costumeira apoteose mental. Primeiro, ele atacou os madeireiros "conservadores e reacionários", quando se referia de fato a bandidos - que podem ser madeireiros, ou rancheiros, grileiros, jagunços, políticos, policiais.

A classificação ideológica não tem pé nem cabeça. Apenas denota a confusão na cabeça de quem, ao se expor assim ao ridículo, carrega consigo o País que governa. Vá lá se perguntar aos Bidas, Fogoiós e Tatos "que se precipitaram (sic) e mataram pessoas" na Terra do Meio se são conservadores ou liberais! Mais grave do que essa asneira, em todo caso, é a transposição para a cena paraense do que se poderia chamar Lei de 1.o de Janeiro.

Reza essa lei, a que o PT no poder obedece escrupulosamente, que o Brasil começou no primeiro dia de 2003, quando Lula finalmente chegou lá. Antes, eram as trevas, ou o caos bíblico. Depois, fez-se a luz e a redenção nacional. Agora, é como se também o Norte tivesse sido descoberto naquela data - e resgatado de suas mazelas por um governo como nunca houve outro. Nas fantasiosas palavras de Lula: "Atingimos a maioridade no controle da nossa Amazônia e no controle da nossas florestas."

E a violência que ali campeia? "É uma atitude pensada de alguns empresários (sic) do setor madeireiro que estão revoltados com a política que estamos fazendo, não apenas no Pará, mas em toda a Amazônia." A mesma política, adotada a tempo e a hora, com a característica competência de todos conhecida, graças à qual a irmã Dorothy Stang continua viva fazendo o seu trabalho, livre, enfim, do perigo que corria antes do advento do governo Lula.

OESP, 24/02/2005, Notas e Informações, p.A3

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