VOLTAR

Família se sente abandonada

Jornal A Tarde
Autor: ANA CRISTINA OLIVEIRA
23 de Abr de 2007

A índia Minervina Maria de Jesus, 74 anos, símbolo da luta dos pataxós hã-hã-hães pela reconquista de seu território no município de Pau Brasil, a 551 km de Salvador, está sendo vencida pela doença e mágoa. Acaba de completar dez anos que seu filho Galdino Jesus dos Santos foi cruelmente assassinado por cinco jovens de Brasília.

No dia 20 de abril de 1997, Galdino estava na capital federal para tratar dos conflitos de terra. Ele havia ido a um encontro com sem-terra e se perdeu na cidade.Chegou tarde à pensão onde estava hospedado e não o deixaram entrar.
Cansado, dormiu num ponto de ônibus, onde os assassinos o encontraram, jogaram álcool e atearam fogo. Galdino morreu com 95% do corpo queimado.

Guerreira, Minervina diz que vergou, mas não quebrou. Ela lida com a morte desde os 7 anos, quando ficou órfã. Antes de Galdino, já havia enfrentado a perda do filho mais velho, João Cravino, morto numa emboscada, em 1988, ao tentar evitar mais derramamento de sangue nas terras de Pau Brasil. Mas o sofrimento pesou muito com a morte do marido, Juvenal Rodrigues dos Santos, de 77 anos, há 9 meses. A saúde piorou por causa do diabetes e ela não consegue mais dar conta dos afazeres domésticos.

DIFICULDADES- "Não era para eu estar desse jeito. Ano passado, eu estava forte. Agora não posso chegar perto do fogão que tenho tonturas, minhas pernas doem e estão fracas", queixa-se. Juvenal foi seu companheiro por 60 anos, com quem teve 21 filhos, nove dos quais morreram antes de completar 1 ano. Apesar da repercussão do caso, Minervina diz que, após a morte morte de Galdino, não recebeu ajuda.

"Esperei que o governo pelo menos desse uma pensão para as três filhas dele, que eram menores", criticou ela. As netas hoje estão casadas e têm vida dura, ao lado da mãe, Carmélia, num pedaço de terra em área de difícil acesso, na região de Água Vermelha. O ex-chefe do posto da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Pau Brasil, Alberto Evangelista, tentou uma pensão para a viúva, mas não conseguiu o benefício.

Minervina vive na Fazenda Bom Jesus, com R$ 350 da pensão do marido. Ela acha que vai morrer sem ver a ação julgada pelo Supremo Tribunal Federal. A ação, impetrada pela Funai contra o Estado, há 25 anos, pede a anulação dos títulos dados aos fazendeiros que entraram nas terras pataxós a partir de 1934.

Para a ex-cacique Marilene Jesus dos Santos, a Yaranawy, filha de Minervina, após a morte de Galdino Galdino tudo piorou na vida da família e dos pataxós. A luta pela terra continua sangrenta e com enfrentamento a poderosos fazendeiros.

"Nós precisamos dos 54,1 mil hectares para viver com nossos filhos e netos e deixar o chão garantido para os descendentes", diz a líder pataxó. Os índios precisam plantar para viver dignamente, mas o que produzem não é suficiente para alimentar 3,6 mil índios da Aldeia Caramuru-CatarinaParaguaçu.

XUXA - Segundo Yaranawy, as três filhas de Galdino passam necessidade.

A única ajuda que receberam foi um cheque de R$ 2 mil, enviado pela apresentadora Xuxa Meneghel.
A líder pataxó diz que o governo não respeita o índio. Galdino morreu e não se fez justiça, em sua avaliação. O pai, Juvenal, morreu no ano passado de enfarte.

"Meu pai não tinha doença no coração e adoeceu de mágoa. Ele não queria indenização, queria Justiça, mas os assassinos de meu irmão estão soltos, vivendo como se nada tivesse acontecido". Para a ex-cacique, o governo só lembra dos hã-hã-hães quando quer fazer média, homenageando Galdino.

"Em vez disso, queríamos que o governador Jaques Wagner trouxesse o documento assinado, atestando que somos donos das terras e que não será preciso mais mortes para reconquistarmos o que é nosso", diz. A maior prova do descaso do governo, segundo ela, é a falta de assistência à saúde.

Na aldeia tem um posto, mas as enfermeiras, segundo ela, só vão quando querem. O governo fala em saúde diferenciada, mas quando o índio precisa de um remédio ou de internação, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) dificulta por conta da burocracia. Ela diz que na aldeia não tem carro. "Meu pai morreu de enfarte, porque o socorro demorou", denuncia.

Culpados pela morte já vivem em liberdade

Dos cinco jovens que assassinaram Galdino, o menor, G.N.A.J, foi condenado a um ano de reclusão, mas só ficou três meses no Centro de Reabilitação do Distrito Federal. Tomás Oliveira, Max Rogério Alves, Eron Chaves Oliveira e Antônio Novely Cardoso Vilanova foram presos e, em 2001, condenados em júri popular a 14 anos de prisão, em regime fechado, por homicídio doloso (com intenção de matar).

Os quatro foram condenados por crime hediondo e não teriam direito a benefícios, como a progressão de pena, a não ser após o cumprimento de dois terços da sentença. Mas em 2002, os desembargadores da 1ª Turma Criminal autorizaram que os rapazes exercessem funções administrativas em órgãos públicos, saindo do Presídio da Papuda, pela manhã, e retornando no final do expediente.

Em outubro de 2002, três dos cinco assassinos foram flagrados bebendo e dirigindo o próprio carro, sem ser revistados na volta, e perderam o direito ao regime semi-aberto. Menos de dois anos depois, ganharam liberdade condicional. Só não podem sair do Distrito Federal sem autorização do juiz, ao qual têm que fazer uma comunicação periódica sobre a atividade que estiverem exercendo. ( A.C.O.)

Posse de terra é sonho indígena

"Queria muito que o governador tivesse vindo à minha casa, para eu pedir a ele que ajudasse nosso povo a conquistar suas terras e viver em paz. São 25 anos de luta, mortes e muita dor e eu não queria morrer deixando meus filhos à toa". O desabafo é de Minervina de Jesus, mãe do índio Galdino.

Enfraquecida por conta da diabetes, ela não pôde comparecer, no último sábado pela manhã, ao colégio indígena da Aldeia Caramuru, em Pau Brasil, onde o governador Jaques Wagner empossou o pataxó de Coroa Vermelha Jerry Matalawê como coordenador da política para os povos indígenas do Estado. O cargo está ligado à Superintendência Estadual de Direitos Humanos.

Na oportunidade, Jaques Wagner entregou a Elza de Jesus, filha mais velha de Minervina, uma medalha outorgada pelo Congresso Nacional em homenagem a Galdino.

"O Estado da Bahia é réu na ação movida pela Funai, e o governador poderia admitir o erro. Isso forçaria o STF a julgar mais rápido", diz a líder Yaranawy, irmã de Galdino.

Cauteloso, o governador teve um rápido encontro com as lideranças pataxós e tupinambás, do sul e extremo sul, foi cobrado por elas, mas disse que vai ajudar no que estiver dentro de suas possibilidades.

Jerry Matalawê disse saber as necessidades de cada aldeia e prometeu buscar apoio para manter as políticas públicas e conseguir a sustentabilidade territorial. A Bahia tem 12 povos indígenas, distribuídos em 58 comunidades, num total de 23 mil índios.

Após a morte de Galdino, os há-hã-hães conseguiram aumentar o seu território. Eles retomaram várias fazendas, passando sua área de 1.079 hectares para 18 mil.

Conquistaram ainda posto médico, escola e uma rádio comunitária. ( A.C.O.)

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.