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Faltam homens sabios nas tribos

CB, Brasil, p.18
11 de Set de 2004

Cultura indígena
É cada vez maior o número de jovens índios que abandonam as aldeias. Se antes havia filas de interessados para se tornar pajé, agora os mais velhos têm que implorar para que a garotada mantenha as tradições
Faltam homens sábios nas tribos
Erika Klingl
Da equipe do correio
Um dos grandes desafios das comunidades indígenas é a luta pela sobrevivência de suas tradições. E o problema começa dentro das próprias tribos. "A luz da cidade dos brancos brilha muito mais que a escuridão das nossas matas", lamenta o pajé Daniel Munduruku. Os principais atraídos pela luminosidade urbana são os jovens, que acabam abandonando suas raízes. Uma das mais preocupantes conseqüências disso é a falta de índios interessados em se transformar em pajé e levar uma vida totalmente voltada para o bem-estar da comunidade e para a sobrevivência da cultura indígena.
Um pajé é escolhido ainda criança e, a partir daí, terá uma vida de sacrifícios. "Antes, os jovens faziam fila e agora a gente tem que ficar incentivando a garotada", afirma Munduruku, com jeito de homem branco. Os índios não têm, em números, a dimensão da fuga dos adolescentes para as cidades. A organização dos pajés para tentar reverter a evasão começou há pouco tempo. Mais precisamente, há três anos, quando os líderes se reuniram para criar o Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (Inbrapi). Daniel Munduruku é o presidente do grupo até 2005 e organizou em Brasília, no mês passado, um encontro de pajés para discutir os desafios das futuras gerações indígenas.
Olhos Vistos
O pajé Getúlio Kaiowá, de Dourados (MS), não precisa de estatísticas exatas para constatar que é cada vez maior a ameaça de perda das tradições. "Não faz muito tempo, eu dava aula para mais de 150 pessoas, agora são apenas 17", conta. Desses estudantes, apenas um será escolhido como o homem sábio da tribo. De acordo com Kaiowá, cabe ao pajé sonhar o futuro da comunidade. "Me preocupa muito, os mais moços estão indo para um lado que não deviam", diz ele. "Os brancos estão fazendo mais uma vez o que fizeram quando chegaram ao Brasil, estão mudando nossa cultura."
Pai de três meninos, Álvaro Tucano, cuja tribo fica no Pico da Neblina, recebeu do pai, hoje com 91 anos, a tarefa de ser pajé. "A gente sempre foi uma família tradicional. Escolhemos viver a cultura da natureza", conta. Agora, ele trabalha para que seu filho mais velho, Lula, de 14 anos, siga os caminhos dos homens da família. Apesar do interesse em aprender as tradições, o jovem não acompanhou o pai ao encontro em Brasília. "Ele ficou lá na tribo. Aqui a tentação é grande demais", admite Tucano.
O nome de Lula Tucano foi uma homenagem ao presidente da República, quando ele disputou pela primeira vez, em 1989, a Presidência da República. "O presidente não fez nada ainda pelo nosso povo, mas falo com meu filho para ter esperança porque ele é um homem do povo", justifica Álvaro. Apesar das explicações do pai, Lula quer mudar de nome por não querer mais homenagear um homem que, segundo ele, não fez nada por sua comunidade.
Álvaro Tucano está fazendo o que, de acordo com os pajés, é a melhor solução para manter os jovens apegados às tradições. "Devemos incentivar os pequenos índios a amar a família e a natureza.
Para isso, é preciso dedicação e paciência", afirma Munduruku.
Intercâmbio
O encontro em Brasília terminou com a divulgação de uma carta enumerando uma série de políticas que devem ser adotadas para que os índios não percam seus conhecimentos. Uma das reivindicações dos pajés é o apoio do governo federal para que os índios consigam se deslocar pela América Latina para trocar experiências com outras comunidades indígenas. "Para sair, é necessário permissão da Funai (Fundação Nacional do Índio), que muitas vezes não vem", afirma Getúlio Kaiowá.
Além disso, os índios esperam apoio financeiro para encontros dentro e fora do país. Em 2001, quando o instituto de propriedade intelectual indígena foi criado, os pajés conseguiram reunir cerca de 60 índios. Esta semana, em Brasília, o número não passou de 30 por falta de dinheiro para comprar passagens para todos.

Uma vida de sacrifícios
O A escolha de um pajé começa ainda na infância. O pequeno índio precisa saber como viver em comunidade, e o que pode ou não pode fazer
O Um futuro pajé só se torna definitivamente o conselheiro da comunidade depois de 40 anos de aprendizado
O Durante algumas fases do período de preparação, o jovem não pode ter relações sexuais para que mantenha suas energias equilibradas
O índio deve passar alguns períodos em jejum absoluto para manter o corpo limpo
O Para afastar da alma as más influências e desenvolver a capacidade de sonhar, o adolescente precisa, de vez em quando, ficar recluso, sozinho, no meio da mata

CB, 11/09/2004, p. 18

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