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Falta quase tudo para os povos indígenas

Valor Econômico-São Paulo-SP
Autor: Denise Ramiro
26 de Jun de 2003

Bebida, suicídio e falta de perspectiva profissional são os maiores problemas nas aldeias

Os primeiros habitantes do país estão hoje uma situação crítica. Ao todo, a população indígena que vive em áreas demarcadas soma pouco mais de 300 mil pessoas e a maioria, mais de 70%, está abaixo da linha de pobreza, segundo dados do IBGE. Falta saúde, infra-estrutura básica, escola, trabalho, terra e, principalmente, respeito à cultura.

É nessa condição que vivem os cerca de 32 mil Kaiowás-Guaranis na região de Dourados, no Mato Grosso do Sul. Os problemas vão desde a desnutrição e violência doméstica até a exclusão social. "Eles foram confinados em áreas insuficientes e a agricultura deles desapareceu", diz o professor Antonio Jacó Brand, coordenador do programa Kaiowá-Guarani, da Universidade Católica Dom Bosco, de Campo Grande. Hoje, cerca de 70% da população masculina ativa serve de mão-de-obra nas usinas de cana-de-açúcar que dominam a região. Segundo Brand, esses povos viviam em comunidades de 250 a 300 pessoas e hoje dividem espaço com 9 mil pessoas, num espaço de 3.600 hectares. "Isso comprometeu os recursos naturais da região e o modo de vida desse povo."

Por conta dessa situação, acentuam-se entre os povos indígenas da região os casos de alcoolismo e drogas, principalmente entre os jovens, que somam metade da população indígena da área, sendo que a maioria está fora da escola. "Eles precisam de mais terra e apoio para plantarem", avalia.

Diante dessa situação, o Programa kaiowá-Guarani decidiu arregaçar as mangas. A primeira é a produção de pesquisa para a reposição de recursos naturais, construção de pequenas represas, a criação de peixes nativos e a plantação de eucalipto para não prejudicar a terra.

Na área educacional, o programa apóia, junto com órgãos públicos, a formação de professores indígenas. Em 2002, 73 concluíram o curso de magistério, que tem duração de três anos e é realizado em Dourados. O curso é voltado para os interesses e para a cultura dos índios, aliados à cultura dos brancos. Dentro dessa política, eles são alfabetizados primeiro em guarani e depois em português.

Outro projeto voltado para adolescentes de 12 a 15 anos, com o ensino fundamental completo, tem como objetivo inibir a evasão escolar. Cerca de 80 crianças freqüentam uma escola em período integral. Numa parte do dia ficam na sala de aula e na outra aprendem a plantar. "Essa experiência tem produzido resultados muito positivos. As crianças superam problemas entre elas, estabelecem relações de amizade e voltam a fazer ações coletivas, como é da natureza deles", explica Brand.

Outra população indígena, a do Alto Rio Negro, no Amazonas, que tem 30 mil índios, vive as mesmas condições precárias de sobrevivência. A região tem 108 mil quilômetros quadrados de terras indígenas, onde vivem 22 grupos étnicos, que falam 15 línguas diferentes. A falta de políticas sanitárias preventivas e a dificuldade de transporte na região contribuem para a proliferação de doenças como malária, diarréia, verminoses e infecções pulmonares. Outra questão está diretamente relacionada aos jovens. "Os adolescentes da região vivem angustiados com a falta de perspectivas", diz Marina Machado, coordenadora-executiva da Saúde Sem Limite, organização não-governamental que atua na região desde 1996, levando assistência médico-odontológica e capacitando agentes de saúde.

O impasse não está na falta de preparo desses jovens indígenas. Cerca de 90% deles são alfabetizados e muitos têm curso técnico. A questão esbarra justamente aí. Depois que terminam os estudos, não têm onde trabalhar. Alguns meninos se alistam no exército, mas a maioria é dispensada depois de um ano. As meninas vão trabalhar como empregadas domésticas. Poucas índias são professoras. De resto, não há muito o que fazer. São Gabriel não tem indústria nem é forte na agricultura. O resultado é um monte de jovens cheios de energia e sem ocupação e muitos casos de alcoolismo e suicídio.

É preciso recuperar a auto-estima desses jovens, e o caminho, acreditam os especialistas, está no resgate da cultura dos povos que vivem ali. Desde que os missionários salesianos se instalaram na região, no início dos século XX, e impuseram a cultura ocidental, muito da identidade dos índios ficou para trás. A Saúde Sem Limite criou um projeto de revitalização da medicina tradicional, que reúne pajés, curandeiros e benzedeiros para falarem de suas crenças a estudantes indígenas e agentes de saúde. A idéia é publicar um livro para as gerações futuras.

A questão do alcoolismo também preocupa. Marina conta que os índios não vêm a bebida como um problema, mas acontece que o álcool está matando muitos jovens. "Às vezes bebem, entram num barco, caem e morrem afogados. Como um índio que aprende a nadar com dois anos pode morrer afogado?", pergunta ela.

Para combater esses problemas, porém, é preciso de dinheiro. O Instituto Sócio-Ambiental, o ISA, que também atua nas comunidades indígenas do Rio Negro, tem justamente esse foco. Um dos projetos é o de gestão da comercialização do artesanato local. Já está dando resultado. Parte do material é vendido nas lojas de móveis e decoração da Tok Stock.

Junto com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, que reúne 52 associações da região, o ISA também começou a implantar projetos experimentais de desenvolvimento sustentável. Um deles prevê a reestruturação das escolas salesianas. Até 1988, os índios eram proibidos de falar a língua deles na aula. Hoje podem, mas não têm material didático, que o ISA pretende produzir

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