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Falta de transparência nos dados é desafio para identificar desmatamento ilegal, apontam estudos

Valor Econômico - https://valor.globo.com/
15 de Mar de 2024

Falta de transparência nos dados é desafio para identificar desmatamento ilegal, apontam estudos
Metade dos Estados publica informações consideradas insuficientes por especialistas

Rafael Vazquez

15/03/2024

A falta de transparência de dados em metade dos Estados brasileiros impede a correta identificação do desmatamento ilegal no país, conforme aponta o Monitor da Fiscalização, ferramenta desenvolvida em parceria pelo Instituto Centro de Vida (ICV) e a iniciativa Brasil.IO, a partir de informações da rede MapBiomas. Outro estudo, realizado pelo Climate Policy Initiave PUC-Rio (CPI/ PUC-Rio), também identifica lacunas críticas no controle e monitoramento do desmatamento especialmente na região do Matopiba, formada por Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

No levantamento do Monitor da Fiscalização, ao consolidar novos dados até os sete primeiros meses de 2023, a ferramenta aponta que, das 27 unidades da federação monitorados, somente 14 divulgam algum tipo de dado em formato adequado ou com informações suficientes que permitem uma análise de cruzamento com os alertas de desmatamento publicados pelo MapBiomas.

Além disso, dos 13 entes com baixa transparência de dados de controle e fiscalização ambiental, dois estão entre os cinco maiores desmatadores do país: Maranhão e Bahia, com 935 mil e 822 mil hectares desmatados entre 2019 e 2023, respectivamente.

"A partir desse conjunto de dados, identificamos que mais de 5,1 milhões de hectares e 293 mil alertas de desmatamento registrados entre janeiro de 2019 e julho de 2023 não estão sobrepostos às autorizações de desmatamento ou ações de fiscalização disponibilizadas publicamente", afirma o ICV.

Para o analista socioambiental do ICV Marcondes Coelho, a falta de bases de dados sobre a atuação no controle e combate ao desmatamento por parte dos órgãos estaduais dificulta iniciativas que visam separar o joio do trigo.

Ele cita o caso da iniciativa do BNDES que, em parceria com dados do MapBiomas, impediu mais R$ 300 milhões em crédito rural devido a alertas de desmatamento sem a devida documentação entre fevereiro e outubro de 2023. A instituição anunciou em 2024 a ampliação de restrições a imóveis rurais com desmatamento.

"A transparência ativa de dados governamentais relacionados ao controle do desmatamento é fundamental para uma justa e efetiva avaliação de risco no setor financeiro. O que é embargado, por exemplo, precisa estar público para impedir o benefício econômico com áreas desmatadas ilegalmente", destaca Coelho.

Nas 14 unidades da federação que divulgam dados (Acre, Amazonas, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraná, Piauí, Rio Grande do Sul, Rondônia e São Paulo), 36% da área dos alertas de desmatamento validados pelo MapBiomas Alerta entre janeiro de 2019 e julho de 2023 possuía algum tipo de autorização ou uma ação de fiscalização sobreposta aos alertas do MapBiomas.

Já nos outros 13 Estados, que contam apenas com dados divulgados por órgãos ou sistemas federais, essa proporção de alertas de desmatamento com autorizações ou ações de fiscalização cai para 14,4%.

"Até a COP30 de Belém, no próximo ano, o governo federal precisa trabalhar em colaboração com os Estados para que o Brasil consiga reportar quanto do desmatamento no país é legal e o quanto é ilegal", afirma Coelho.

Conforme explica Bruna Menani Lima, especialista em dados do Brasil.IO, a supressão de vegetação nativa em imóveis rurais no Brasil deve ser previamente autorizada por órgãos ambientais competentes -- o Ibama, em nível federal, ou órgãos estaduais de meio ambiente.

Quando não é autorizado, o desmatamento precisa ser fiscalizado e, caso a irregularidade seja comprovada, a área desmatada pode ser autuada e ou embargada. Porém, segundo ela, para uma maior efetividade dessas ações, as informações precisam estar disponíveis para a sociedade civil.

"Se os órgãos de fiscalização, as instituições financeiras e a sociedade em geral não têm acesso a tais informações, é impossível identificar os produtores e produtoras que trabalham na legalidade ou controlar a atuação dos órgãos de fiscalização", comenta Lima.

Para os pesquisadores do Monitor da Fiscalização, a destinação de recursos nos Estados para a estruturação e publicação dessas bases de dados é urgente.

Os especialistas afirmam que órgãos de controle externo também precisam desempenhar um papel na cobrança da transparência ativa.

Como incentivo, as instituições que criaram o Monitor da Fiscalização lançaram recentemente o "Guia de Boas Práticas para a Transparência de Dados Governamentais sobre Controle e Combate ao Desmatamento no Brasil". O documento traz orientações e boas práticas sobre como disponiblilizar dados de autorizações de supressão da vegetação, de autos de infração e embargos por desmatamento considerando requisitos mínimos de transparência ativa.

Matopiba

Especificamente no Cerrado, o estudo do CPI/PUC-Rio aponta que, em 2023, os alertas de desmatamento no bioma aumentaram 43%, o maior índice da série histórica do Deter, sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Dentre as áreas mais afetadas, o Matopiba se destacou concentrando 75% do desmatamento.

Segundo o CPI/PUC-Rio , o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) estima que mais da metade do desmatamento seja legal. Contudo, mesmo que seja autorizado, os especialistas apontam que o desmatamento no Cerrado provoca danos ambientais, perda de biodiversidade e serviços ecossistêmicos, além do aumento das emissões de gases de efeito estufa.

"O Matopiba é uma região especialmente vulnerável por concentrar a expansão da fronteira agrícola do país com a produção de soja e milho", indica o CPI/PUC-Rio, organização que atua com análises de políticas públicas finanças conectadas à sustentabilidade e ao clima.

Na visão dos técnicos do CPI/PUC-Rio, a falta de uma ferramenta para gestão eficaz do monitoramento e controle do desmatamento legal é uma lacuna crítica.

Os pesquisadores recomendam o aprimoramento do Sistema Nacional de Controle da Origem de Produtos Florestais (Sinaflor) ou a criação de uma nova ferramenta para gerir e integrar todas as Autorizações de Supressão de Vegetação (ASVs) emitidas no Brasil.

"Todas as ASVs emitidas no país deveriam estar cadastradas no Sinaflor. Mas, na prática, apenas parte está no sistema. Alguns Estados não cadastram as autorizações que não estão vinculadas ao uso de produtos florestais; outros realizam cadastros com dados incompletos ou incorretos. Tudo isso contribui para a subnotificação do desmatamento legal. Além disso, há desafios no uso do Sinaflor pelos Estados e o sistema não é integrado a outras bases de dados, como o Sicar e o banco de dados fundiários", reclama Luiza Antonaccio, analista legal sênior do CPI/PUC-Rio.

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