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Falta de regras atrasa crescimento de companhias de reúso de água

Valor Econômico, Empresas, p. B2
04 de Set de 2014

Falta de regras atrasa crescimento de companhias de reúso de água

Por Olivia Alonso
De São Paulo

A adoção de tecnologias de reúso de água vem crescendo no Brasil, com demanda puxada pela crise hídrica, mas o avanço tem sido muito mais lento do que o ideal. Empresas do setor citam ao menos quatro barreiras para o avanço de suas atividades no país. A mais citada é a falta de regulamentações adequadas. Sem regras claras, indústrias, estabelecimentos comerciais e condomínios hesitam em investir em reúso com receio de que no futuro seus sistemas não sejam permitidos.
Hoje, menos de 0,1% da água produzida no país é de reúso, enquanto em Cingapura, exemplo global nesta área, 30% da água potável é reciclada. Em São Paulo, o percentual de reúso está próximo de 2% e seria possível elevar a 25% em dez anos, na avaliação de Gesner de Oliveira, da GO Associados.
A falta de incentivos fiscais para investimento em reúso e a pouca agilidade de empresas públicas para modernização de seus sistemas também atrasam o avanço do setor. As companhias estaduais são responsáveis por cerca de 70% da gestão do saneamento no país e ainda têm poucas soluções de reutilização de água.
Em São Paulo, a Sabesp tem o Aquapolo Ambiental, que é uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) com a Odebrecht Ambiental. A operação atende a Braskem no Polo Petroquímico do ABC paulista e permite a produção de 1 metro cúbico por segundo de água.
Thiago d'Orsi, responsável pelo segmento industrial do grupo Águas do Brasil, diz que seria necessário que as empresas tivessem benefícios fiscais atrelados a metas de reúso de água. "Quando uma companhia vai se instalar no Brasil, ela se preocupa com a água. Mas busca uma região de abundância, e não um projeto de reúso, pois não tem incentivos." Na opinião dele, a redução de custos das companhias em decorrência do reúso, por si só, não motiva as companhias a investir nesse tipo de tecnologia.
Ewerton Garcia, diretor comercial da BRWS, que faz sistemas de reúso de água, afirma que o investimento pode ser compensado pela economia de água e energia em dois a três anos em alguns casos. Ele cita o exemplo de uma companhia de bens de consumo de Valinhos (SP) que passou a reutilizar 91% da água que era eliminada e reduziu sua conta de água de R$ 5,5 milhões para R$ 1,5 milhão.
Em média, a economia de água com sistemas de reúso é de 40% a 60% com a substituição de água potável por outro tipo de água em limpezas gerais e rega de jardins, afirma a engenheira Sibylle Muller, da Acqua Brasilis. Ela concorda que o crescimento do setor tem sido prejudicado pela falta de normas técnicas que definam parâmetros para o uso de água de chuva, por exemplo. A Acqua Brasilis, que atua na área há 13 anos, segue diretrizes de entidades de construção civil e comerciais, como Secovi e Fiesp.
A Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), ligada à Secretaria do Meio Ambiente do governo de São Paulo, diz que as estações de tratamento que produzem água de reuso têm de seguir exigências da legislação brasileira sobre remoção da carga poluidora. Cabe à Cetesb analisar qual pode ser o uso da água, como irrigação de parques, lavagem de ruas e desobstrução de galerias. A entidade afirma que segue padrões do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), guias metodológicos nacionais e normas internacionais, principalmente da Organização Mundial da Saúde (OMS), quando não há estudos técnicos locais.
O professor Ivanildo Hespanhol, do Centro Internacional de Referência em Reúso da Água (Cirra), ligado à USP, critica os termos de referência e critérios sobre reúso usados no país, afirmando que são muito restritivos e inadequados. Ele afirma que alguns textos sobre reúso usados no Brasil são extraídos de regras estrangeiras sem as devidas adaptações, o que impede, por exemplo, um melhor aproveitamento de água de chuva e a reutilização de água para rega de jardins em alguns casos específicos.
Outro entrave para o crescimento das companhias de reúso no país são os paradigmas em relação ao tratamento da água. As companhias garantem que a tecnologia disponível permite que a água usada possa voltar a ser potável. No entanto, dizem que as pessoas ainda não aceitam a ideia de consumir uma água que foi usada.
No caso das tecnologias para redução de perdas, o maior entrave é a demora das companhias públicas para a modernização de suas redes, segundo os executivos. "No setor privado isso é mais simples, porque a decisão depende mais da estratégia da empresa. Nas publicas costuma ter mais demora por causa das licitações", diz Odair Marcondes, diretor de Serviços da CAS Tecnologia. Ele afirma que existem novas tecnologias em medidores individuais de consumo e leituras de fluxo de água ainda não adotadas no país. "Isso não resolve o problema do Cantareira, mas faz com que o desperdício diminua", afirma. Hoje, o Brasil tem um índice médio de perdas de 36,9%.

Expansão do setor trava no uso de tecnologias

Por Olivia Alonso | De São Paulo

Assim como defendem as empresas privadas que atuam em tratamento de água, a Sabesp também alega que falta de regras é uma barreira a ser transposta para o aumento do reúso de água no país. "O mundo caminha para a reutilização. Mas o fato de não termos homologações para certificar as soluções tecnológicas acaba sendo um grande entrave no setor público", diz Américo Sampaio, superintendente de Pesquisa e Desenvolvimento da Sabesp.
Na visão dele, o reúso vai crescer fortemente no Brasil em uma década, mas o país ainda está muito atrasado nos arcabouços técnico, legal e normativo. "Isso é um desestímulo", diz.
Ele também afirma que os processos de licitação, que são necessários para que sejam avaliadas soluções diferentes, contribuem para que leve mais tempo para adoção de novos sistemas de água. "Nem empresas privadas compram diretamente. É preciso avaliar diversas opções", diz.
Para buscar novas tecnologias, a empresa está avaliando dez projetos selecionados em um programa iniciado há três anos, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). "De 46 projetos encaminhados, dez foram selecionados e alguns serão implantados nos próximos meses", afirma. Um deles é de um sistema de identificação de vazamentos que foi desenvolvido com a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli).
"Sempre fazemos pesquisa e desenvolvimento. Existe uma morosidade, já que a maioria das empresas é pública, mas a Sabesp é uma das mais rápidas", diz. A companhia de saneamento paulista é mista, com 50,3% de seu capital nas mãos do governo estadual paulista.
Como exemplo de projeto de reúso em operação, a Sabesp tem o Aquapolo e duas outras estações menores de reúso em São Paulo, segundo Sampaio. Os planos são de fazer outras cinco, uma delas em Bragança Paulista (SP). "Também utilizamos água de reúso para limpeza de ruas e irrigação."
Ele acrescenta que a Sabesp tem os chamados "Programas de Conservação de Água", que abrangem iniciativas para elevar o reúso de água e também reduzir o índice de perdas. A companhia tem hoje um índice de 30,8%, que considera perda física e a água furtada (que é consumida, mas não é faturada pela empresa). Também faz parte do programa a substituição de redes de distribuição antigas por materiais novos e monitoramentos de pressão nas tubulações.

Valor Econômico, 04/09/2014, Empresas, p. B2

http://www.valor.com.br/empresas/3682116/falta-de-regras-atrasa-crescim…

http://www.valor.com.br/empresas/3682118/expansao-do-setor-trava-no-uso…

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