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Falta de eclusas ameaça hidrovias

OESP, Economia, p. B12
22 de Jun de 2008

Falta de eclusas ameaça hidrovias
Maioria das usinas hidrelétricas do País é erguida sem essas passagens

João Domingos e Adriana Fernandes

A falta de planejamento e a pressa do governo na construção de hidrelétricas que atendam à crescente demanda por energia ameaçam a navegabilidade das principais hidrovias naturais do País. As usinas são liberadas sempre sem a exigência de que tenham também eclusas para permitir a passagem de barcos, balsas e até navios. Quando são construídas depois da hidrelétrica pronta, ficam até 500% mais caras , segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).

É o que ocorre com a Hidrelétrica de Tucuruí, no Tocantins. Lá estão sendo construídas duas eclusas. A obra, que faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), foi orçada em R$ 700 milhões. Se ocorresse simultaneamente à obra da usina, não passaria dos R$ 116 milhões. "A idéia é que as eclusas de Tucuruí fiquem prontas até 2010", disse Murillo Barbosa, diretor da Antaq, vice-almirante da reserva da Marinha, especialista em eclusas. Elas permitem que barcos subam ou desçam os rios em locais onde há desníveis.

Sem as eclusas, fica comprometido o desenvolvimento de importantes canais de escoamento da produção agrícola brasileira, o que poderia desafogar as estradas e baratear o frete em mais de 50%. De acordo com um estudo da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), vice-presidente da Confederação Nacional da Agricultura, o custo do transporte de uma tonelada por mil quilômetros é de US$ 42,62 no sistema rodoviário, US$ 26,81 no ferroviário e US$ 18,33 no hidroviário.

EXEMPLO

Murillo Barbosa lembra que nos Estados Unidos o custo da produção de soja e milho é muito maior do que no Brasil. Mas, por causa do sistema hidroviário da Bacia do Rio Mississipi, acaba por tornar-se mais barato. Esse complexo tem 59 eclusas e escoa 60% da produção do agronegócio americano.

O Brasil tem grandes hidrovias nas nas regiões Sul-Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste-Norte. Se o Complexo Tietê-Paraná permite a navegação por 900 quilômetros, o do Tocantins-Araguaia poderá chegar a 1,9 mil quilômetros. Mas, por enquanto, o Rio Tocantins está comprometido, porque não foram feitas eclusas nem em Lajeado, em Tocantins, nem em Estreito, na divisa com o Maranhão, o que estrangulou a hidrovia. "Se continuarem a fazer hidrovias com esses barramentos, nós vamos matar o Rio Tocantins", disse Luiz Antonio Fayet, consultor de logística da CNA.

Segundo ele, o Rio Tocantins tem um importância vital para a região central do Brasil, o chamado eixo "Centro-Norte". Esse eixo está localizado no principal corredor de exportação do agronegócio brasileiro. Sai de Brasília e passa por Goiás, rumo aos sistema portuário de São Luís e Belém, além de outros portos. Esse macrocorredor é completado pelas rodovias BR-153 e BR-168 e pela Ferrovia Norte-Sul.

"Precisamos ter um sistema hidroviário trabalhando conjugado com ferrovias e rodovias para reduzir custos e impacto ambiental", disse.

Segundo ele, o impacto ambiental de uma hidrovia é aproximadamente 7% do de uma rodovia. Grupos ambientais, no entanto, costumam ter uma atuação truculenta contra as hidrovias, lembra Barbosa, diretor da Antaq. "Nos últimos 20 anos, eles conseguiram bloquear o desenvolvimento das hidrovias com as campanhas mais absurdas."

NÓ LEGAL

Como o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, acha que as hidrovias são fundamentais, e defende o uso delas no Plano de Desenvolvimento da Amazônia (PAS), do qual é coordenador, a idéia é envolver todo o governo na defesa dessa meta. Nos próximos meses, o ministério de Mangabeira e os ministérios do Meio Ambiente, Transportes, Integração Nacional e Justiça deverão tratar de temas complexos, como a forma de administrar uma hidrovia que passe, por exemplo, dentro de uma reserva indígena ou de uma área de proteção.

Poderia ser proibida a construção de portos nas áreas. Os rios serviriam apenas de passagem dos barcos. Na tentativa de incentivar a construção das eclusas, a Antaq fechou um acordo com a Agência Nacional de Águas (Ana), na semana passada. Pelo acordo, as duas agências vão trocar dados sobre a necessidade de eclusas em hidrelétricas já existentes ou em planejamento. Será lembrado sempre que a construção de uma eclusa depois da obra hidrelétrica encarece o projeto.

No Brasil, as hidrovias da Região Norte ainda são exploradas em sua forma natural, quase sem benfeitoria alguma. O sistema Madeira/Guaporé/Amazonas pode chegar a 1,1 mil quilômetros navegáveis, mas depende da construção de ao menos quatro eclusas, duas delas nas Usinas de Jirau e Santo Antônio, projetadas sem as obras.

Brasil não pode desperdiçar potencial, diz CNA

O consultor de logística da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), Luiz Antonio Fayet, afirma que o País não pode desperdiçar o potencial do transporte hidroviário. "O Brasil tem o privilégio de contar com três complexos do Mississipi na região do arco norte, de onde vai sair a maior parte da produção (agrícola) nacional", diz.

A navegabilidade do Rio Madeira hoje pode ser feita sem problemas entre Porto Velho e o Rio Amazonas. Fayet espera que continue assim. "A esperança é que não estraguem o Rio Madeira." No trecho, já transitam comboios de barcaça com até 36 mil toneladas de carga.

Cada dois comboios desses equivalem a um navio "Panamax" (que passam no canal do Panamá, com capacidade para 60 mil toneladas). As usinas de Jirau e Santo Antônio ficam acima. Para dar condições de navegabilidade, precisam de eclusas.

A CNA estima que até 2017 haverá um aumento de 70 milhões de toneladas para exportação e 10 milhões de importações. "70 milhões de toneladas é a capacidade de um Porto de Santos", ponderou o consultor da CNA.

Na avaliação de Fayet, a mudança que está em curso na geografia da produção do País determina a preservação das hidrovias. "Não temos condições de escoar 70 milhões pelos caminhos tradicionais de ferrovia e rodovias. Não dá. Nossa infra-estrutura estouraria."

OESP, 22/06/2008, Economia, p. B12

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