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Extrativistas querem legalizar madeira

O Globo, Razão Social, p. 14-15
03 de Mai de 2011

Extrativistas querem legalizar madeira

Martha Neiva Moreira
martha.moreira@oglobo.com.br

PARINTINS, AM - Na garagem de uma pequena casa azul, quatro homens trabalham em meio à serragem suspensa no ar. Espalhadas pelas paredes, dezenas de ripas aguardam para serem transformadas em cadeiras, mesas, sofás etc. pelas mãos de Domingos Brasil e sua equipe de marceneiros. Entre as ripas não há madeira nobre e menos de 30% têm origem legal. A situação se repete em outras 50 marcenarias próximas. Reunidas, elas compõem uma espécie de pólo moveleiro de Parintins, onde estamos.
Mesmo com capacidade para produzir em escala, os donos do negócio não pensam em aumentar a produção por enquanto. Querem, antes, poder comprar facilmente tábuas com selo de origem, exigência cada vez mais frequente do mercado e nada fácil de encontrar por ali. A madeira que usam é retirada da mata por grupos de pequenos extrativistas, que trabalham quase sempre à noite, na clandestinidade.
Até pouco tempo, estar à margem da lei não incomodava ninguém da região, mas os ventos de mudança sopraram na ilha amazônica e hoje, tanto quem usa madeira na produção quanto quem a extrai, tem um desejo comum: trabalhar na legalidade.
Esta consciência é nova e motivada pela noção de que a floresta vale mais em pé do que derrubada.
Diferente de quem vive nos grandes centros urbanos, para o morador da floresta a ideia de sustentabilidade faz sentido, como explica Paulo Almeida, pesquisador do Imazon, ONG que atua na região realizando pesquisas e capacitação:
- Há 20 anos venho trabalhando na região amazônica e observo que o êxodo que havia da floresta para as cidades tem diminuído ao longo do tempo.
As fronteiras de trabalho estão ficando mais distantes, a locomoção ali não é fácil e, as famílias começaram a perceber que podem se fixar na floresta e viver dela, conservando a mata. O que falta, agora, para eles, é uma política de incentivos para explorar a mata por meio de manejo sustentável.
Foi exatamente este pedido que um grupo de 500 pequenos extrativistas e produtores que usam matéria prima florestal fez à Ministra do Meio Ambiente Isabella Teixeira, no mês passado. Eles estiveram no "Grande encontro em defesa da floresta, dos povos e da produção sustentável", promovido pelo Fórum Amazônia Sustentável (FAS) e o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), em Parintins. Em um auditório de uma escola pública, ela ouviu atenta a dez relatos de extrativistas do Amapá, Acre, Amazônia e Pará, que trabalham com extração de madeiras e outros recursos naturais. Ao final, o recado que deram foi um só: se o processo de regularização fundiária não for facilitado será difícil criar uma economia de base florestal comunitária e sustentável na região.
Os extrativistas querem mais agilidade e flexibilidade no programa Terra Legal, criado pelo governo federal em 2009 para regularizar as terras públicas que não estão em áreas de conservação ou terras indígenas. A ministra Isabella Teixeira foi sensível aos apelos e disse que vai analisar a questão da regularização fundiária com cuidado. Ela informou ainda que o Instituto Chico Mendes pôs em consulta pública recentemente uma portaria que busca facilitar o processo de manejo florestal comunitário.
- Não escutei ninguém pedir para dar um jeitinho, como acontecia há 20 anos. Todo mundo aqui quer atuar legalmente. Vamos trabalhar juntos para isso acontecer - disse a ministra.
Atualmente, são retirados 14 milhões de metros cúbicos de madeira por ano - o equivalente a mais ou menos dois milhões de árvores - em toda a Amazônia. São 71 pólos madeireiros, que reúnem cerca de 2.200 indústrias. Cerca de 85% desta produção é ilegal, segundo dados do Imazon. A extração legal fica por conta de 902 iniciativas de manejo florestal já mapeadas pela entidade. Cerca de 325 delas são de produtos não madeireiros. Todas são projetos pilotos aprovados em um edital do Ibama e que, segundo Paulo Almeida, poderiam ser replicados por outras comunidades extrativistas caso a questão fundiária fosse resolvida.
Para ser aprovado, um projeto de manejo sustentável precisa apresentar o documento de posse da terra onde será desenvolvido. O processo é longo e pode durar anos. Para se ter uma ideia, nenhuma das 902 comunidades que fazem hoje o manejo florestal na Amazônia conseguiram o documento pelo processo de rotina. As que estão em reservas públicas extrativistas, são dispensadas de apresentá-lo.
As que estão em terras da união, receberam o papel por doação de prefeituras.
Ademir Umberto Leal, presidente da Associação dos Pequenos Extratores de Madeira de Parintins, que foi ao encontro, tenta há anos aprovar um plano de manejo madeireiro sustentável. Mas esbarra exatamente na burocracia.
- Há mais de cinco anos tenho um plano de manejo para aprovar. Mas não consigo, pois a toda hora me exigem uma nova documentação e pedem para eu enviar o projeto para outro órgão. É um jogo de empurra e isso se repete com muitos outros extrativistas filiados à Associação. - contou Leal, que nos poucos minutos que teve para dar seu recado à ministra pediu que ela tenha um olhar diferenciado para os pequenos extrativistas como ele: - Não podemos ser tratados da mesma forma que os grandes madeireiros. Um olhar diferenciado e incentivos para a nossa atividade pode nos ajudar a contribuir com a preservação da floresta e o desenvolvimento da região.
Leia-se por incentivos, linhas de crédito e assistência técnica, outros gargalos para o desenvolvimento de projetos de manejo comunitário e, também, para a ampliação dos negócios que usam produtos florestais como matéria prima, como o pólo moveleiro de Parintins.
- Se o governo facilitar o desenvolvimento de planos de manejo teremos madeira legal para comprar.
Além de conseguirmos um preço melhor de mercado de móveis, trabalhar com madeira legal pode nos facilitar também ter linhas de crédito para equipar melhor nossas marcenarias e ampliar nosso negócio. O apelo dos pequenos extrativistas tem que ser ouvido para que toda a cadeia possa se desenvolver - contou Domingos Brasil, dono da Brasilmóveis, que desembolsa R$ 500 pelo metro cúbico de cedro ou o até dobro disso se a madeira for de origem legal.
Paulo Almeida, do Imazon, reconhece que regularizar as terras na região amazônica não é um processo simples. Leva tempo, exige investimento alto e tecnologia. Desde junho de 2009, quando começou a funcionar, o Terra Legal concedeu 611 títulos rurais e 48 urbanos. Por isso, ele defende que para ter um plano de manejo aprovado, os pequenos proprietários façam apenas o CAR (Cadastro Rural). O cadastro pode ser feito em formulários on-line a localização, tamanho e o que é produzido em sua terra. Depois, os órgãos ambientais monitoram.
Para os extrativistas que compareceram ao Grande Encontro de Parintins, a solução passa pela criação de um sistema de atendimento comunitário que integre vários órgãos e evite o jogo de empurra do qual são vítimas constante. Essa sugestão foi reunida a uma série de outras reivindicações em um documento que representantes do GTA e FAS enviarão ao Ministério do Meio Ambiente ainda esta semana.
Eles pedem a criação de mais áreas protegidas de uso sustentável na Amazônia, assistência técnica florestal, fomento à criação de cooperativa de crédito, implantação de balcão de negócios com ênfase na economia solidária e no comércio justo, criação de sistemas estaduais de comercialização da agricultura familiar e mais forma para o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Para Rubens Gomes, presidente do GTA, com este conjunto de reivindicações os pequenos extrativistas pretendem sair da invisibilidade:
- Até então eram invisíveis para o governo. Agora querem ser reconhecidos, assumindo responsabilidades, e fazer parte de uma política pública de inclusão social.

Extração planejada

A técnica de manejo sustentável nada mais é do que fazer uma extração planejada dos produtos florestais. Antes de começar é necessário realizar um inventário de espécies. Depois, no caso da extração da madeira, faz-se o corte de árvores respeitando diâmetro do tronco, idade da planta, espécie e a frequência em que ocorre numa determinada região. Só 30 anos depois é que volta-se à mesma árvore, respeitando assim o ciclo natural de crescimento.

Debate e diálogo marcou fundação do FAS

Foi a partir de muito debate e intenso diálogo que em 2007, em Belém, foi criado o Fórum Amazônia Sustentável. Cerca de 80 empresários e ongueiros passaram dois dias reunidos na cidade para criar uma Carta Compromisso que traria os princípios e valores voltados à criação de propostas em prol da Amazônia. Conseguiram. Hoje, quem quiser se associar ao FAS deve assinar a Carta (forumamazoniasustentável.org.br). Desde então, a entidade vem articulando diferentes setores e propondo agendas para a promoção do desenvolvimento sustentável da Amazônia. Em 2009, por exemplo, o Fórum produziu uma carta de compromisso para combater as mudanças climáticas. No documento, empresas do porte da Vale se comprometeram a incluir na estratégia de investimentos a escolha de opções que promovam a redução das emissões nos processos produtivos.

A repórter viajou a convite do Fórum Amazônia Sustentável

O Globo, 03/05/2011, Razão Social, p. 14-15

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