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Extinção do Fundo Amazônia põe em risco acordo entre UE e Mercosul

Valor Econômico, Brasil, p. A2
Autor: CHIARETTI, Daniela; VASCONCELOS, Gabriel
05 de Jul de 2019

Extinção do Fundo Amazônia põe em risco acordo entre UE e Mercosul

Daniela Chiaretti (Colaborou Gabriel Vasconcelos, do Rio)

O fim do Fundo Amazônia é ameaça concreta para que o acordo de livre-comércio Mercosul-União Europeia não decole. A chance de as negociações em torno do maior mecanismo de proteção à floresta tropical desandarem, acenada pelos doadores pela primeira vez nesta semana, é péssima para a floresta e sua biodiversidade, agricultores familiares, ribeirinhos e indígenas, Estados e municípios. Desde a semana passada correm risco também a agricultura e a indústria. A extinção do fundo é o sinal que falta para que o acordo de livre comércio não seja ratificado em Parlamentos europeus.

"Do ponto de vista da Noruega, o Fundo Amazônia funcionou bem até agora", lê-se em comunicado no site do governo norueguês publicado ontem. "Seria um revés se o fundo terminasse", segue a nota atribuída ao ministro do Clima e Meio Ambiente, Ola Elvestuen. "Entrar em uma forma de cooperação que enfraquece a fundação de nossa parceria não é uma opção", continuou.

Caso o fundo acabe, a Noruega poderia resgatar, de imediato, R$ 1,4 bilhão que não foi empenhado, diz uma fonte do BNDES. Haveria ainda cerca de R$ 700 milhões previstos para projetos ativos com desembolsos previstos.

Foi por iniciativa do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que o Fundo Amazônia começou a ser reavaliado em março, com um pente-fino nas operações do BNDES.

O mecanismo apoiou 103 projetos na Amazônia com R$ 1,8 bilhão de apoio. A Noruega contribuiu com 93,8% do total. Os recursos para projetos que preservem e desenvolvam a Amazônia de maneira sustentável não são empréstimos - são doações. "Estamos preocupados com os recentes acontecimentos no Brasil e os informes sobre o aumento do desmatamento", seguiu o ministro norueguês.

O outro doador do Fundo Amazônia é a Alemanha, o maior parceiro socioambiental do país com um portfólio de € 2 bilhões entre doações, acordos bilaterais e empréstimos. Estes recursos ajudam a construir o metrô baiano, o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) no Rio de Janeiro, parques eólicos e projetos de energia solar no Sul, para citar apenas alguns.

"Antes de ir a Osaka [para a reunião do G-20], a chanceler Angela Merkel defendeu o acordo UE Mercosul no nosso Parlamento onde existem muitos críticos do acordo, assim como na nossa sociedade civil", disse ao Valor o embaixador alemão Georg Witschel. "Eles temem que o acordo resulte em um aumento do desmatamento", seguiu. "Tendo isso em vista, seria muito importante que a taxa do desmatamento diminuísse. Uma alta dificultaria a defesa e a ratificação do acordo na Alemanha e na Europa. Será usado como argumento pelos críticos para tentar evitar que entre em vigor."

As reações ao acordo acertado no Japão têm sido cotidianas. A deputada do Partido Verde alemão Katharina Dröge publicou na quarta-feira um artigo no jornal "Die Tageszeitung" dizendo que o acordo UE-Mercosul terá graves consequências para o clima e os direitos humanos. O Partido Verde fortaleceu-se nas eleições europeias e ganha cada vez mais espaço nas pesquisas.

Na semana que vem chega ao Brasil o ministro alemão Gerd Müller, da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento. É na sua pasta que estão vinculados os financiamentos da cooperação alemã.

O governo Bolsonaro fornece argumentos diversos para que deputados franceses e alemães possam dizer que seus países compram desmatamento embutido em produtos brasileiros e boicotem o acordo.

O enfraquecimento dos órgãos ambientais, o relaxamento da fiscalização, a simpatia a projetos de lei que querem acabar com a Reserva Legal e a narrativa anti-indígena dão combustível a conflitos na Amazônia. A estação seca que inicia é propícia ao desmate. Em junho, a alta foi chocante - 88% maior que em junho de 2018.

Salles disse em entrevista na quarta-feira à noite que o Brasil tem 5 milhões de km2 na Amazônia, que 8 mil km2 foram desmatados em 2018 e que isso dá 0,002% - "a terceira casa depois do zero". Minimizou uma derrubada de árvores em área maior à do Distrito Federal e errou a conta - que seria 0,2%. Quase 20% da cobertura vegetal da Amazônia já foi cortada. Está longe de ser pouco.

Valor Econômico, 05/07/2019, Brasil, p. A2

https://www.valor.com.br/brasil/6333109/extincao-do-fundo-amazonia-poe-…

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