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A explosão do desmate

O Globo - https://oglobo.globo.com/opiniao
Autor: SIRKIS, Alfredo
12 de Ago de 2019

A explosão do desmate
Agronegócio tem muito a perder com a repercussão internacional do novo surto de devastação

Alfredo Sirkis

Um aumento de mais de 273% do desmatamento na Amazônia, em julho deste ano, comparado ao mesmo mês do ano passado; o aumento das invasões na terra ianomâmi com a poluição de seus rios com mercúrio; a degola no Inpe para "quebrar o termômetro", no tolo afã de esconder a febre, são episódios tresloucados. Com mais 5% de destruição adicional da Amazônia, poderemos engendrar mudanças irreversíveis, afetando o regime de chuvas no resto do país. Enchentes, desertificação, riscos para a agricultura, ventos extremos, invasão de zonas litorâneas pelo mar, ondas de calor compõem o drama anunciado das mudanças climáticas. Por outro lado, a ação de descarbonização global oferece ao Brasil oportunidades econômicas, se soubermos usar e negociar com inteligência os imensos serviços ambientais que ofertamos, nossas vantagens em agricultura de baixo carbono e energias limpas e grande disponibilidade de área para reflorestamento produzindo emissões negativas.

As invectivas e a desinformação grosseira de Bolsonaro silenciam aqueles no seu governo que percebem os dados da equação. A mudança climática é insofismável, suas recentes manifestações caricatas: os terríveis ciclones em Moçambique, afetando três milhões de pessoas, e a onda de calor que chegou a 46 graus, em Nantes, na França, são advertências do porvir. Este será o ano mais quente jamais experimentado pela humanidade.

O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, tratando de como não ultrapassar 1.5 graus até o final do século, menciona a necessidade de reflorestar uma área do tamanho do território dos EUA. O Brasil tem pelo menos 60 milhões de hectares de pasto degradado para reflorestamento, tanto de recomposição como econômico. Tem sol e vento abundantes para energias limpas, biocombustíveis e conta com técnicas de agricultura de baixo carbono pioneiras. Por que essa sanha de destruição? Não é agronegócio moderno quem desmata ilegalmente, promove a grilagem e uma pecuária indigente, de propósito meramente especulativo, ou envenena rios com mercúrio. São facções criminosas, e o problema está no colo do ministro Sergio Moro.

O agronegócio tem muito a perder com a repercussão internacional do novo surto de devastação, turbinado pela desmoralização oficial dos órgãos de fiscalização, pela sinalização "liberou geral" pelo "capitão motosserra". O Brasil conseguiu diminuir, entre 2004 e 2012, seu desmatamento na Amazônia de 27 mil quilômetros quadrados para menos de cinco mil quilômetros quadrados, reduzindo suas emissões de CO2 em cerca de 80%, mais que qualquer outro país. Agora o desmate volta a subir, a todo o vapor. Até onde irá?

Bolsonaro tem raiva do tema que acredita ser "de esquerda", mas quem foram seus pioneiros no Brasil? O marechal Cândido Rondon, uma vida em defesa do índio, o major Manuel Archer, que promoveu o maior reflorestamento urbano feito até hoje, no Maciço da Tijuca, no final do século XIX, o almirante Ibsen Gusmão, Paulo Nogueira Batista, Marcelo de Ipanema e outros que dificilmente podem ser considerados os "esquerdopatas" do seu besteirol idiossincrático. Não, a preocupação com clima e a biodiversidade não é "coisa de comunista". É nossa responsabilidade diante das gerações de nossos filhos, netos e bisnetos, ameaçadas pelas consequências catastróficas que ainda podem ser contidas, mas numa janela de oportunidade que se está fechando. Rapidamente.

Alfredo Sirkis é escritor, jornalista e diretor do Centro Brasil no Clima

https://oglobo.globo.com/opiniao/artigoexplosao-do-desmate-23861911

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