VOLTAR

Exploração de madeira abre guerra entre índios

Página 20-Rio Branco-AC
Autor: Nelson Liano Jr.
09 de Jun de 2003

Família ashaninka foi morta a flechadas por amowakas; mais de 50 índios teriam sido mortos no contra-ataque

A ação de madeireiras na fronteira Brasil-Peru foi a principal causa do conflito indígena entre ashaninkas e amowakas, que resultou na morte de dezenas de índios, na semana passada, conforme informou o Página 20, no domingo passado.

Os ashaninkas contaram à nossa reportagem na aldeia de Apiltxa, às margens do rio Amônia, no Acre, fronteira com o Peru, o que aconteceu. Há dez dias na região de Dulce Gloria, cerca de 40 quilômetros dentro do território peruano, uma família ashaninka foi atacada a flechadas por índios amowakas. Uma mulher morreu e três crianças ficaram gravemente feridas.

Os guerreiros ashaninkas se armaram e foram atrás dos agressores que são considerados "arredios", ou seja, totalmente selvagens que não têm contato com nenhum povo civilizado. Eles perambulam pela floresta e matam brancos e índios que encontram para roubarem seus pertences.

Segundo o relato dos ashaninkas, os amowakas agressores foram encontrados e eles tentaram fazer um contato pacífico que foi respondido com flechadas. Então, os guerreiros ashaninkas atacaram e muitos amoawakas foram mortos. Eles não dizem quantos. Uma fonte do Página 20 revelou tratar-se de pelo menos 50 mortos.

"Foi uma turma grande que morreu, mas os guerreiros ashaninkas não conseguiram contar porque chegaram mais amowakas e eles tiveram que fugir da chuva de flechas que caiu sobre eles" contou Isac Ashaninka. Ele também disse que antes dos amowakas atacarem os ashaninkas, cinco dos "arredios" tinham sido assassinados por madeireiros que atuam na fronteira.

Para os ashaninkas os ataques de amoawkas são freqüentes e ameaçam suas comunidades tanto no Peru quanto no Brasil. Eles explicaram que isso acontece porque as madeireiras que atuam na fronteira estão diminuindo o espaço territorial dos "índios arredios". As principais empresas madeireiras de origem norte-americana e japonesa que conseguem concessão do governo peruano, trabalham com máquinas e operários fortemente armados porque também sofrem ataques dos amowakas. Eles derrubam a floresta em busca da madeira, os motores espantam a caça e as armas de fogo empurram os índios selvagens em direção às aldeias ashaninkas espalhadas entre os territórios brasileiro e peruano. Com dificuldades para sobreviverem os amowakas acabam realizando ataques para roubarem tudo o que encontram.

Vale frisar, que em toda região vivem cerca de 55 mil ashaninkas. Descendentes direto dos inkas, eles têm uma civilização desenvolvida e possuem uma rede comunicação via rádio entre as aldeias. Os laços de parentescos são muito mais fortes dos que as fronteiras traçadas pelos homens brancos. Portanto, quando uma aldeia é atacada existe uma mobilização de toda a nação ashaninka para combater os invasores.

Francisco Pianko, que além de ashaninka é secretário de Assuntos Indígenas do Acre, o seu irmão Isac, e mais seis homens da aldeia Piltxa, estiveram há três dias, na região de conflito. Eles contaram que uma parte do seu povo revoltado com os constantes ataques dos amowakas está predisposta a iniciar uma guerra de extermínio total dos índios inimigos. Isso significaria um massacre de milhares de pessoas já que os "índios arredios" formam muitos grupos com cerca de 400 integrantes em cada um. Eles são nômades que atuam nas cabeceiras do rio Juruá no Peru, mas também nos rios Breu e Envira dentro do território brasileiro.

Para evitar que isso acontecesse, Francisco Pianko e seu grupo atuou como embaixador da paz conseguindo acalmar os ânimos dos seus parentes. "Mas se as autoridades peruanas e brasileiras não tomarem providências urgentes contra os madeireiros ficará impossível controlar a invasão dos amoawkas e a conseqüente reação dos guerreiros ashaninkas", disse Francisco.

Conflito preocupa autoridades do Brasil

A crise levou à Aldeia Apiltxa dos ashaninkas, nesta sexta-feira, num helicópetro Black Hawk do Exército Brasileiro, um grupo de autoridades brasileiras para verificar "in loco" a gravidade da situação. A comissão que inicialmente teria a missão de discutir a demarcação da fronteira, as rotas usadas pelos narcotraficantes e o contrabando de madeira da Amazônia brasileira para o Peru acabou por se concentrar mais no conflito étnico.

A comissão integrada pelo presidente da FUNAI, Eduardo Almeida, a deputada federal, Perpétua Almeida(PC do B-AC), presidente da comissão indígena na Câmara Federal, o tenente-coronel Falcão, comandante do 61 BIS, o prefeito de Marechal Taumaturgo, Itamar de Sá (PT) e agentes da polícia federal, ouviu durante mais de quatro horas o relato dos ashaninkas.

Ao final, tanto o tenente-coronel Falcão quanto o prefeito de Marechal Taumaturgo, município que fica na fronteira, disseram que é necessário a instalação urgente de um batalhão do Exército Brasileiro na região.

"Isso seria necessário para aumentar a vigilância das fronteiras brasileiras, reavivar os marcos e inibir o tráfico de drogas, o contrabando de madeiras nobres como o mogno e o conflito entre os indígenas", disse o militar.

Já a deputada Perpétua Almeida, que teve a inciativa de criar a comissão, afirmou que será necessário uma ação conjunta da Câmara Federal, da FUNAI, do Itamaraty, da Polícia Federal e do Exército para se chegar a uma solução pacífica do conflito.

"Se os arredios estão invadindo a terra dos ashaninkas é porque os madeireiros estão ameaçando o território deles. É preciso reprimir as invasões dos madeireiros com a Polícia Federal e o Exército", disse a deputada.

Perpétua Almeida também afirmou que o relatório que irá fazer da viagem deverá ser encaminhado com urgência para comissão de relações exteriores da Câmara Federal e do Itamaraty.

"Nós precisamos convencer o país vizinho de que eles precisam de uma legislação séria que possa garantir o sossego dos seus povos indígenas e impedir o desmatamento que vem sendo feito", concluiu ela.

A deputada também está articulando com o presidente da Assembléia Legislativa, Sérgio Petecão, uma comissão de deputados acreanos para conversarem com parlamentares peruanos. A idéia é desencadear uma ação política conjunta, a partir do Acre, para que os problemas étnicos e ambientais gerados pelas madeireiras que atuam na fronteira sejam solucionados com rapidez.

Já o presidente da FUNAI, Eduardo Almeida ouviu dos ashaninkas muitas reclamações em relação ao indianista José Meireles da FUNAI que faz a aproximação com os "arredios" no Envira. Os ashaninkas dizem que os métodos utilizados não surtiram resultados e que os amowakas são demasiadamente protegidos e acabam por ter mais liberdade e espaço para agirem contra o seu povo.

Eduardo Almeida prometeu se reunir com todos os indigenistas da FUNAI que trabalham com os "índios arredios" para encontrar uma solução rápida para impedir um conflito ainda maior na região fronteiriça. Ele se comprometeu a convidar lideranças ashaninkas para participarem do encontro.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.