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Exemplo que vem das criancas

CB, Cidades, p.18
07 de Jun de 2004

Exemplo que vem das crianças
Estudantes do ensino fundamental demonstram cada vez mais interesse pela proteção da natureza e acabam conscientizando parentes, vizinhos e amigos a adotarem hábitos mais saudáveis
Maria Ferri
Da equipe do Correio
Gleiciane Cabral dos Santos tem o hábito de recolher tudo o que pode ser reciclado. Tira do lixo, muitas vezes depositado nas ruas de Santa Maria-cidade onde vive numa casa simples de quatro cômodos na QR 308 -, garrafas plásticas, papéis, tecidos e arames. Com os materiais, ela faz brinquedos e presenteia os amigos. No Caic Alberto Sabin, escola pública onde estuda, ela dá bronca nos colegas que jogam sujeira no chão.
No Sudoeste, o garoto de classe média Andrew Cardoso, no intervalo entre as aulas do colégio Candanguinho, de natação e futsal, navega na internet em busca de informações sobre o meio ambiente. E não perde oportunidades de aconselhar parentes e amigos sobre a importância de economizar água.
Mesmo de realidades diferentes, essas duas crianças têm em comum a idade-11 anos -e a luta, cada uma a seu modo, pela preservação do meio ambiente. Eles defendem a idéia entre crianças e adultos. " Faço minha parte. Fico muito brava quando vejo pessoas jogando o lixo nas ruas. Acho feio poluir a cidade', afirma a estudante de Santa Maria.
Em parte, a preocupação com o meio ambiente é uma conseqüência do interesse das escolas brasileiras. De acordo com o censo escolar, 65% dos estabelecimentos de ensino fundamental inserem a temática em suas disciplinas de 1a. a 4ª série, sendo que 27% desenvolve progeprojetos específicos sobre o assunto. No Centro-Oeste, está o maior percentual de escolas que incluíram o assunto em seus currículos: 73,2% dos estabelecimentos adotam a política.
A motivação dos professores acaba incentivando os alunos, que influenciam seus pais e vizinhos a mudarem a relação com o meio ambiente. Para Andrew, todos podem ser prejudicados com a falta de consciência. "Se jogarem lixo na rua, por exemplo, quando chove, os bueiros entopem, poças se formam e a aquaplanagem pode gerar um acidente", alerta o menino, filho de um bancário e uma servidora pública.
Na escola, o garoto colabora com os professores. Ao apresentar uma relação dos benefícios da reciclagem do lixo, a diretora lançou uma campanha para arrecadar garrafas pet entre os alunos. Andrew começou a se interessar pelo tema quando tinha 7 anos. Hoje, sua preocupação maior é com a destruição dos recursos naturais da Amazônia. Falta respeito com a natureza. O homem a maltrata e pode gerar danos, como o fenômeno El Nino e o ciclone Catarina, que causou destruição no Sul do país, diz.
Em Brasília, ele tem um carinho especial pelo Parque Nacional Água Mineral. Sempre visita o local. E fica chateado quando encontra os visitantes sujando as matas ou alimentando os animais. No futuro, quer ser engenheiro mecatrônico, e pretende utilizar materiais ecologicamente corretos. Para evitar o desperdício em casa, Andrew tem o hábito de escovar os dentes sempre com a torneira da pia fechada.
Dom especial
Gleiciane não conhece a Amazônia. Passa boa parte do tempo em seu quarto, de paredes enfeitadas com colagens de dobraduras de papel. Lá, brinca com as bonecas, todas Barbie, faz roupas para elas com as sobras de tecido doados pela avó costureira e monta brinquedos com o lixo recolhido das ruas. Faz vasos, buquês, porta-bombons e bonecos, como o confeccionado com pano amarelo e algodão, a quem batizou de Juninho. A cabeça dele estava jogada num monte de entulho. Gleiciane levou para casa e fez o corpinho. Tudo nas mãos dela se transforma.
"Ela chega em casa com objetos sujos pelo lixo e me deixa maluca diz a mãe, Edleuza Silva, 38, diarista. A mãe conta que dias atrás a menina levou um monte de arames enferrujados. Enrolou um a um com tecido e fez a base para um buquê de flores de pano.
Todos os dias ela me dá uma lição de cidadania', diz a mãe, que passou a separar o lixo nas casas onde trabalha. Aprendeu com a filha.
Lições de cidadania
Mesmo com pouca idade, os irmãos Lucas, 9 anos, e Lívia Baião Pires, 5, já tem consciência ecológica. Por cobrança dos pequenos, os pais filiaram a dupla na Associação Amigos do Futuro, ONG ambientalista com trabalhos para a garotada. A associação tem uma Ecoteca com cinco mil livros e vídeos sobre meio ambiente, onde os irmãos estudam o tema, acessam a internet e pegam livros emprestados para ler em casa. "A natureza está sendo destruída, os rios poluídos, há lixo nas nascentes. O que vamos encontrar quando crescermos?", pergunta Lucas. A irmã dá outra lição. "Precisamos gastar menos energia elétrica, porque minha mãe sempre fala para eu apagar a luz."
Com o aprendizado, os irmãos passaram a cobrar mudança de comportamento dos pais. "Eles contam tudo sobre o assunto e querem que eu implante a coleta seletiva na vizinhança", conta a mãe, a contadora Leonides Pires, 35, síndica do condomínio onde mora, em Vicente Pires. Ela vai propor a idéia na próxima reunião com os condôminos. O pai, o empresário Lisias Siqueira Pires, 37, acha importante que a família apóie os filhos. "Temos que incentivar para que a vontade deles de preservar não se perca. Assim, a semente cresce, e dá frutos."
A Associação da Criança e do Adolescente (ACA), de Santa Maria, também só trabalha com a criançada. Foi fundada há sete anos por Dalatábata Velozo, a época com apenas 10 anos. A ACA atende a 400 adolescentes e crianças com atividades culturais, esportivas e complementação escolar. E conta ainda com o projeto Minha Rua Nosso Lar, onde crianças são orientadas a manter a cidade limpa e aprendem a confeccionar brinquedos com material reciclável. (M.E)
ONGs
Associação Amigos do Futuro: 349-7857 e 242-8937
Associação da Criança e do Adolescente(ACA): 392-2080

CB, 07/06/2004, p. 18

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