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Ex-presidente da Funai assume cargo para assuntos indígenas em mineradora sem cumprir quarentena

O Globo - https://oglobo.globo.com/brasi
24 de Jul de 2018

Ex-presidente da Funai assume cargo para assuntos indígenas em mineradora sem cumprir quarentena
Lei de conflito de interesses estabelece afastamento antes de função na iniciativa privada

POR VINICIUS SASSINE

BRASÍLIA - Demitido do cargo de presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) em 24 de abril deste ano, o general da reserva Franklimberg Ribeiro de Freitas assumiu sem cumprir quarentena o cargo de presidente do conselho consultivo para assuntos indígenas da mineradora canadense Belo Sun, que tem projetos de exploração mineratória no Brasil próximos de terras indígenas. Ele nem chegou a consultar a Comissão de Ética Pública da Presidência da República sobre a necessidade de ficar afastado por seis meses de funções relacionadas às atividades na Funai.
O comunicado ao mercado sobre a indicação do general foi feito ontem pela mineradora. Assim, Franklimberg chegou à função na empresa menos de três meses depois de deixar a Funai, o que significaria um desrespeito à lei de conflito de interesses, em vigor desde 2013.
Devem se submeter à lei ministro de Estado, ocupantes de cargos de natureza especial e presidentes, vice-presidentes e diretores de autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou sociedades de economia mista, além de ocupantes de cargos de direção e assessoramento superior níveis 5 e 6 (DAS 5 e 6). A Funai é uma autarquia, e o presidente da Funai ocupa um cargo de confiança DAS 6.
Pela lei, configura-se conflito de interesse a aceitação de "cargo de administrador ou conselheiro ou estabelecer vínculo profissional com pessoa física ou jurídica que desempenhe atividade relacionada à área de competência do cargo ocupado", num prazo de seis meses após a exoneração do cargo. A exceção é se houver uma "autorização expressa" da Comissão de Ética Pública da Presidência da República.
Por terem tido acesso a informações privilegiadas, esses ex-gestores devem consultar a comissão sobre a necessidade de cumprimento de quarentena, antes de aceitar emprego em área relacionada na iniciativa privada. Se a comissão entender haver necessidade, o ex-gestor público deve ficar em quarentena por seis meses e receberem salário durante o período.
A Comissão de Ética Pública confirmou ao GLOBO que não localizou nenhuma consulta sobre possível conflito de interesses formulada por Franklimberg. "Compete à comissão dispensar quem haja ocupado cargo no Poder Executivo Federal de cumprir quarentena quando verificada a inexistência de conflito de interesses. No caso, não tendo sido formulada consulta, não há como afirmar se o senhor Franklimberg deveria ou não estar submetido a período de quarentena", afirmou o colegiado.
Depois da demissão do presidente da Funai, a Comissão de Ética Pública se reuniu por três vezes, em 25 de abril, 14 de maio e 11 de junho. Não houve deliberação sobre o caso do general, sobre necessidade ou não de quarentena, conforme os comunicados divulgados pelo colegiado à imprensa.
A Belo Sun quer explorar cinco toneladas de ouro por ano, ao longo de pelo menos 12 anos, no sudoeste do Pará, mais especificamente na cidade de Senador José Porfírio. Em dezembro do ano passado, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região suspendeu a licença de instalação da mineradora, uma vez que os povos indígenas que seriam afetados com o projeto devem ser consultados, seguindo os protocolos internacionais existentes, em especial uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
As comunidades Juruna e Arara, da Volta Grande do Xingu, devem ser consultadas, conforme a decisão da Justiça. Índios da região do Xingu serão afetados pela exploração do ouro na região, conforme entidades que atuam na área.
A mineradora, então, decidiu criar um conselho consultivo para assuntos indígenas, comunitários e ambientais. O presidente do conselho é o ex-presidente da Funai, que se reportará ao presidente e CEO da Belo Sun e ao conselho de administração da mineradora canadense. No comunicado sobre a indicação dele para o cargo, a empresa afirma que Franklimberg foi presidente da Funai até março deste ano. A exoneração foi publicada no Diário Oficial da União em 24 de abril, na verdade.
A empresa sustenta que está avançando na elaboração do estudo de componente indígena, de forma a tentar atender às exigências para a obtenção da licença de instalação do projeto de exploração de ouro. "A Belo Sun tem trabalhado em cooperação com a Funai e com as comunidades indígenas Arara da Volta Grande e Juruna-Paquiçamba. O trabalho está progredindo de forma positiva e cooperativa. As reuniões e consultas continuarão de acordo com os protocolos prescritos", informa a empresa em comunicado nesta terça-feira.
A reportagem do GLOBO questionou o general Franklimberg se ele deveria cumprir quarentena antes de assumir o cargo na Belo Sun. Ele não quis se pronunciar a respeito:
- Fiz contato com a empresa a respeito, mas eles ainda não me deram uma posição. Não posso falar nada sem autorização da empresa, não posso me pronunciar sobre o assunto.
Depois de ser procurada pelo GLOBO, a Belo Sun afirmou que o general ainda não tomou posse do cargo. "Ele foi apenas indicado e deve assumir após o período de quarentena determinado pela lei", disse pro meio da assessoria de imprensa. Os seis meses se encerrariam no fim de outubro.

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