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Ex-comunista pode resolver Orçamento

Valor Econômico - https://valor.globo.com/politica/noticia
03 de Nov de 2020

Ex-comunista pode resolver Orçamento
Senador do MDB torna-se peça-chave para que governo Bolsonaro tenha novo programa social

Por Renan Truffi e Vandson Lima - De Brasília

Em junho de 1984, quando completou 21 anos de idade, Márcio Miguel Bittar estava em Moscou, então capital da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), para estudar a teoria marxista. Ele havia sido enviado ao país pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), no qual militava desde os 17 anos. A trajetória do jovem brasileiro parecia completamente oposta à de Jair Messias Bolsonaro - na época, um recém-promovido capitão do Exército com dez anos de experiência na instituição. Em 2020, no entanto, Bittar se tornaria peça fundamental para a aprovação de um projeto que pode dar sustentação à nova política social do governo federal.
Daquela época para cá, Bolsonaro seguiu o caminho que o notabilizou no Congresso: sempre em favor das Forças Armadas e contra pautas identitárias. Quem mudou de curso ideológico foi Márcio Bittar, hoje senador pelo MDB do Acre. "Eu passei praticamente o ano de 1984 inteiro em Moscou. Fui aprender tudo aquilo que não presta. Intuitivamente, sem conseguir explicar, eu sabia que aquilo [comunismo] não dava certo", explicou. Há alguns meses, Márcio Bittar tornou-se relator do Orçamento de 2021 e da proposta da emenda à Constituição (PEC) do pacto federativo. O projeto é considerado o primeiro passo do agora presidente Bolsonaro para viabilizar sua reeleição. Isso porque a medida deve trazer em seu bojo os detalhes do Renda Cidadã, novo programa que Bolsonaro quer utilizar como trampolim para permanecer no cargo até 2026.
Antes de ser alçado a relator de dois dos projetos mais importantes do Congresso neste ano, Márcio Bittar precisou dar uma guinada à direita na carreira. A decepção com o comunismo começou pouco tempo depois de ele voltar da URSS, em 1985. Nessa época, abandonou a militância estudantil de esquerda para trabalhar "na roça" junto de seu pai, Mamede Bittar, um pecuarista que nunca havia feito política na vida. "Meu destino era voltar a viver com meu pai. Comecei a deixar minha experiência comunista e voltei a trabalhar com ele", conta. "Não é uma mudança fácil, você fica impregnado com muitas ideias. Só depois de muitos anos você percebe que aquilo ali é esquerda", disse. Algum tempo depois, a verve política voltou. Como já era filiado ao MDB, que abrigava quadros do PCB durante a clandestinidade, Bittar candidatou-se, em 1994, e se elegeu como deputado estadual pelo Acre. Em seguida, ganhou a eleição para deputado federal, em 1998, quando trocou o MDB pelo PPS (atual Cidadania).
A partir daí, começou a colecionar disputas e, principalmente, derrotas contra o PT no Estado. Primeiro perdeu para Marina Silva, então candidata petista à reeleição no Senado, em 2002. Na sequência, caiu diante do partido em 2004, quando tentava a Prefeitura de Rio Branco, e em 2006, época em que tentou o governo do Estado. Em 2010, Márcio Bittar voltou a tentar o cargo de deputado federal, desta vez pelo PSDB, e obteve votação expressiva. "Eu me descobri um conservador clássico sem saber que era", explicou. "Fui desenvolvendo até poder dizer que sou um convicto liberal na economia e um conservador nos valores." Nesta época, ele se aproximou do então senador Aécio Neves (PSDB-MG), que, naquela altura, começava a formar uma base para disputar, em 2014, as eleições contra Dilma Rousseff. "Fiz parte de um grupo de deputados tucanos que entendia que não era mais o momento do [José] Serra. Trabalhamos para construir uma nova direção nacional pró-Aécio", contou o senador.
Na mesma eleição em que Aécio perdeu para Dilma, Bittar voltou a disputar o governo do Acre. Chegou ao segundo turno contra Tião Viana (PT), mas foi derrotado novamente. A redenção contra os petistas veio somente em 2018, quase 20 anos depois dos primeiros embates pessoais com o partido. Na última eleição para senador, ele voltou ao MDB e derrotou Jorge Viana, que tentava a reeleição pelo PT.
A batalha contra o Partido dos Trabalhadores, admite, talvez tenha sido um dos elementos centrais na aproximação com o presidente da República. "O fato de eu ter lutado contra o PT a vida inteira tem alguma semelhança, um histórico parecido com o dele [Bolsonaro]", afirmou.
Mas a pauta anti-ambientalista é o tema onde Bittar e os Bolsonaro parecem ter a maior sintonia. A primeira aproximação aconteceu justamente quando Bittar sugeriu ao filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), a criação de uma CPI sobre o Fundo Amazônia, forjado para fomentar projetos que combatam o desmatamento por meio de doações de países.
"Como é que você deixa entrar dinheiro no Brasil, de um país estrangeiro, financiando um monte de ONG para dizer que você não pode usar os recursos naturais? Aceitar isso é coisa de vassalo", critica. A ideia da CPI não prosperou, mas há seis meses Flávio decidiu levar Bittar para uma conversa com Bolsonaro no gabinete presidencial. A partir daí, eles tiveram uma relação mais próxima. Sobre isso, Bittar diz acreditar que sua falta de apetite por cargos pode ter chamado atenção. "Eu defendo o Bolsonaro sem pedir nada", disse.
Mas o "namoro" com o governo veio, de fato, após a aproximação com o ministro da Economia, Paulo Guedes, de quem Bittar se tornou amigo. O senador do MDB promete manter em sua proposta de pacto federativo a desvinculação dos mínimos constitucionais de educação e saúde. "Ele [Guedes] teve de recuar por causa da política, mas eu quero apresentar [a PEC] assim", diz. "Você vai me convencer que todos Estados têm que gastar exatamente os mesmos percentuais com educação? Não tem cabimento isso, é intervenção", concluiu o ex-comunista.

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