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Eucalipto valoriza terras da Bahia em 267%

FSP, Brasil, p. A10
30 de Abr de 2006

Eucalipto valoriza terras da Bahia em 267%
No Maranhão, fábrica de papel demitiu 1.300 funcionários e fez a cidade de Coelho Neto entrar em crise

LUIZ FRANCISCO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM TEIXEIRA DE FREITAS

A presença de grandes fabricantes de celulose no sul e extremo sul da Bahia trouxe duas conseqüências imediatas: a explosão do preço da terra e a monocultura do eucalipto. Desde 2004, quando Aracruz, Suzano e Veracel aumentaram as compras de pequenas e grandes propriedades para plantar eucalipto, o preço médio de um hectare subiu 266,6%, passando de R$ 1.200 para R$ 4.400.
Juntas, as empresas detêm cerca de 500 mil ha da matéria-prima para a fabricação da celulose plantados em 30 cidades (cada ha possui 10 mil m2). Duas operam na Bahia -Suzano e Veracel. A Aracruz, embora com unidade no Espírito Santo, também tem uma grande área plantada no Estado.
As empresas também encontraram uma solução para ampliar as suas presenças na Bahia e reduzir custos -o fomento, um financiamento concedido aos produtores interessados em plantar eucalipto. Veracel, Aracruz e Suzano transferem para os agricultores a responsabilidade do plantio.
"O fomento, na realidade, é uma estratégia adotada pelas empresas para evitar as invasões, reduzir a pressão social e diminuir os seus custos, pois não precisam contratar empregados. Mas também prende o homem à terra e divide a riqueza", disse Fábio Zanon Dall'Orto, gerente regional da Superintendência de Desenvolvimento Industrial e Comercial.
Desde abril de 2004, data da primeira ação na Veracel, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) já invadiu propriedades da Aracruz e da Suzano. Nesta empresa, a última invasão terminou na quinta-feira, com a saída de 3.500 sem-terra.
Com o fomento, as três empresas repassam aos produtores cerca de R$ 1.750 por hectare plantado e fornecem gratuitamente assistência técnica, mudas, formicidas e insumos. Na assinatura do contrato, o valor do adiantamento é transformado em dívida que deve ser paga em metro cúbico de madeira depois de seis anos (período entre o plantio e o corte).
Na semana passada, as três empresas pagavam, em média, R$ 52,84 por metro cúbico. "Quem faz as contas percebe que o negócio é altamente lucrativo porque um hectare de eucalipto na região produz no mínimo 240 metros cúbicos. Ou seja, além de receber adiantado, o dono da terra lucra mais adiante", disse Dall'Orto.
No contrato, as empresas estabelecem que 97% da produção deve ser necessariamente vendida à indústria que fez o adiantamento, "pelo preço de mercado".
"Não somos ingênuos e sabemos que o nosso futuro está nas mãos dessas empresas, mas, atualmente, o negócio é mesmo muito lucrativo", disse Pedro Augusto Graça de Carvalho, presidente da Aciatef (Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Teixeira de Freitas). "Nós também sabemos que, com o fomento, as empresas aumentam a sua influência na região sem comprar terras e "amarram" os produtores que aderirem ao sistema."
O diretor florestal da Veracel, Antonio Sergio Alipio, tranqüiliza os proprietários. "O plano estratégico da empresa prevê a compra de 20% de eucalipto dos fomentados. Nós não compramos as terras e não plantamos as florestas, mas precisamos da madeira."
No ano passado, a Veracel inaugurou a sua fábrica de celulose em Eunápolis (BA), num investimento de US$ 1,250 bilhão. A Suzano também está investindo US$ 1,3 bilhão na ampliação e modernização da fábrica de Mucuri (BA). Mas Alípio admite risco no fomento. "Nós celebramos um contrato. É claro que há riscos. Por exemplo, se houver uma perda de toda a produção ou mesmo de parte dela e constatarmos que o produtor não seguiu as nossas recomendações, o ônus, sem discussão, é do proprietário."
Dos cerca de 500 mil ha plantados de eucalipto nas duas regiões da Bahia, cerca de 100 mil ha são de fomento, segundo a Sudic.

Maranhão
O município de Coelho Neto (MA) hoje é um exemplo de "deserto verde". Lá não há eucaliptos, mas uma grande floresta de bambu (cerca de 60 mil hectares) e plantações de cana-de-açúcar. Ao menos 80% das terras do município são ocupadas pelas duas culturas, exploradas pelo mesmo grupo empresarial. Por conta disso, 82% da população de 47 mil habitantes mora na área urbana.
"Até o tomate que se compra em Coelho Neto vem de outros locais porque não há terra", disse o prefeito Magno Bacelar (PV). A família de Bacelar fundou nas décadas de 60 e 70 a usina de álcool e a fábrica de papel e celulose. Mais tarde, as empresas passaram para um grupo de Pernambuco.
A situação da cidade ficou crítica no início deste ano, quando a unidade de papel foi desativada: 1.300 funcionários foram demitidos. O município está em situação de emergência. A fábrica impulsionava a economia local, apesar de recolher poucos impostos, pois gozava de isenções fiscais. "Cerca de 70% da economia do município gira em torno da empresa", disse Bacelar. "Afetou do quem vende picolé até o vendedor de passagens de ônibus." Segundo o prefeito, o município não tem como criar alternativas sem a ajuda dos governos estadual e federal.

Cultivo foi "tábua de salvação" para área, diz produtor
DA AGÊNCIA FOLHA, EM
TEIXEIRA DE FREITAS (BA)

Presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Extremo Sul da Bahia, Darilo Carlos de Souza disse que o fomento para cultivar eucalipto foi a "tábua de salvação" para a região. "Seguindo as recomendações das empresas, plantar eucalipto rende cinco ou seis vezes mais do que criar gado ou tirar leite", disse ele.
Antes, Souza criava gado de corte em sua propriedade em Teixeira de Freitas -563 hectares. "Aos poucos, fui migrando e hoje tenho 330 hectares só com eucalipto. O meu patrimônio aumentou oito vezes."
De acordo com Souza, dos 500 associados da Apresba, pelo menos 400 trabalham basicamente com eucalipto. "As empresas dão o que o governo deveria dar, que é o financiamento para os pequenos e médios agricultores. As três empresas [Aracruz, Suzano e Veracel] desenvolvem o projeto, dão toda a assistência técnica e ainda financiam o plantio."
O presidente da Aciatef (Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Teixeira de Freitas), Pedro Augusto Carvalho, disse que a plantação de eucalipto gera empregos, ao contrário do que diz o MST. "Só com corte, manutenção, transporte e replantio são 6.000 empregos diretos."
O secretário da Indústria e Comércio de Teixeira de Freitas, Antonio Eccher, disse que o fomento "é uma tentação para os pequenos agricultores".
"Acho que a maioria vai se arrepender. Posso dizer que o projeto da monocultura de eucalipto não traz nenhum retorno social para o município porque as empresas só querem saber de lucrar muito, e não se preocupam com o futuro."
Os produtores que ainda não aderiram ao fomento dizem que a estratégia das empresas empobreceu a região. "Ninguém quer saber de plantar mais nada, a não ser eucalipto. Depois que essas empresas chegaram, os preços dos hortigranjeiros, da carne e do leite aumentaram muito", afirmou o agricultor Antonio Santos Oliveira. (LF)

Preconceitos cercam a "árvore de direita"
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os coalas ficariam indignados se soubessem o que a esquerda brasileira está falando do eucalipto, cujas folhas são sua principal fonte de alimentação. Os simpáticos bichinhos peludos australianos talvez até fundassem uma organização não-governamental para gritar estridentemente suas opiniões. Talvez optassem pelo vandalismo, como certas ONGs.
Acreditem, coalas: a bela e altaneira árvore nativa da Austrália foi tachada de "árvore de direita", e suas florestas no Brasil foram apodadas de "desertos verdes". Essa curiosa visão do universo arbóreo foi a justificativa para que mulheres alucinadas da ONG Via Campesina vandalizassem em março instalações da Aracruz Celulose, em Barra do Ribeiro (RS).
"Somos contra os desertos verdes, as enormes plantações de eucalipto, acácia e pinus para celulose, que cobrem milhares de hectares no Brasil e na América Latina. Onde o deserto verde avança, a biodiversidade é destruída, os solos se deterioram, os rios secam, sem contar a enorme poluição gerada pelas fábricas de celulose que contaminam o ar, as águas e ameaçam a saúde humana", diz o manifesto das senhoras.
Até que ponto elas têm razão -e essa árvore, que se acredita ter sido primeiro introduzida no Brasil em 1868, é de fato um grotesco símbolo do "neoliberalismo", o nome novo que a esquerda dá ao velho capitalismo?
O eucalipto, que foi por um tempo vilão ambiental dos verdes menos esclarecidos, estaria voltando a ser malvado e adentrando o panteão maldito da esquerda, onde estão Coca-Cola, Big Mac e soja transgênica?
"Deserto verde é duplamente errado. Deserto é onde não chove. Se é verde, não pode ser deserto", diz, com a paciência típica dos cientistas que vivem às voltas com mitos, o pesquisador Walter de Paula Lima, um dos maiores conhecedores do eucalipto na comunidade científica brasileira.
Ele começou a estudar essa árvore já em 1972, quando começou sua carreira acadêmica como auxiliar de ensino no então Departamento de Silvicultura da Esalq-USP (Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da Universidade de São Paulo), em Piracicaba -a mais prestigiosa escola brasileira de agronomia.
Walter Lima é especialista em hidrologia florestal, o uso de água pelas florestas. Um mito acalentado pelos verdes e agora pelos vermelhos pouco esclarecidos é a voracidade do eucalipto por água, cujas plantações seriam capazes de secar rios, lagos, mananciais.
Havia quem dizia que uma árvore de eucalipto usava 360 litros de água por dia. Um absurdo, que foi depois modificado para 30 litros na propaganda antieucalipto. O valor real máximo é 15 litros, diz o professor da Esalq; e só em certas épocas do crescimento, e certas épocas do ano, e para árvores plantadas no padrão tradicional de reflorestamento, uma para cada seis metros quadrados.
Há árvores nativas brasileiras com consumo parecido, dependendo também das circunstâncias. O cientista acha estranho criticarem o eucalipto por afetar a biodiversidade. Qualquer plantação agrícola -de soja ou de café de um latifundiário do agrobusiness, um roçadinho de feijão ou mandioca de agricultura de subsistência- é um ataque à variedade natural de espécies vegetais que existiam no terreno.
A única alternativa a isso seria banir a agricultura da face da Terra -mas, para isso, a população do planeta teria de diminuir de 6 bilhões para no máximo uns 50 ou 100 milhões, se tanto, catando frutinhas no mato "biodiverso".
Mas, dizem os nacionalistas silvícolas, por que não usar árvores nativas em vez do neoliberal eucalipto? Charles Darwin e sua teoria da evolução explicam.
As plantas , árvores e arbustos brasileiros nativos coevoluíram com suas pragas, faz milhões de anos. Criar uma floresta só de embaúba, uma bela árvore de crescimento rápido, seria criar um belo repasto para as pragas locais -a não ser que fossem neoliberalmente enxarcadas de inseticidas.
O eucalipto, ao ser transplantado para cá, poderia ter virado fast food das pragas ou ser imune a elas. Ganhou a segunda opção. A árvore se deu bem, cresce rápido e virou estrela de exportação.
Mais irônico ainda: os tais "eucalipto, acácia e pinus para celulose" criticados pelas neovândalas cumprem seu papel de preservar as matas nativas de virarem papel. Quem vai querer transformar a mata atlântica em papel, se é muito melhor fazer isso com essas árvores de crescimento rápido?

FSP, 30/04/2006, Brasil, p. A10

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