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ETNIA POP Cultura quase intacta fascina o Primeiro Mundo

Revista Época-São Paulo-SP
01 de Nov de 2005

David Kopenawa, o maior líder ianomâmi, está reunido com os tuxauas na floresta para decidir os termos de uma denúncia internacional. 'A Funasa está nos enrolando. Faltam medicamentos, doenças como malária e pneumonia estão aumentando. Tem muito dinheiro, mas ele não chega aqui. Vamos pedir ajuda de fora para que meu povo não volte a morrer como antes', afirmou, ao deixar Boa Vista, Roraima, na terça-feira. Ele se refere ao genocídio que dizimou 15% da etnia com doenças levadas por garimpeiros no fim dos anos 80. Naquele tempo, a situação só foi combatida pelo governo quando a matança ocupou as manchetes dos jornais americanos e europeus. Um novo escândalo com os ianomâmis é um dos poucos feitos que ainda não constam do currículo do governo Lula.

A Fundação Universidade de Brasília (FUB), da UnB, que realiza o atendimento, assegura que as metas foram superadas e os indicadores de saúde melhoraram. Lideranças indígenas e organizações não-governamentais contestam: as estatísticas não corresponderiam à realidade. Em 15 de setembro, ianomâmis ocuparam o prédio da Funasa em Boa Vista, em protesto.

O curioso da atual situação é que a Funasa consumiu muito mais dinheiro que em anos anteriores. De 2000 a 2004, o modelo de gestão era descentralizado e cerca de 50% dos ianomâmis recebiam assistência da Urihi, uma ONG. Em quatro anos, a malária foi reduzida em quase 100%, a mortalidade infantil diminuiu 65% e a população, ameaçada de extinção, passou a crescer 4% ao ano. No último período, de julho de 2003 a junho de 2004, a Urihi recebeu R$ 8,4 milhões para tudo - de funcionários a remédios, alimentação, equipamentos, transporte etc.

No ano passado, a Funasa decidiu voltar ao modelo centralizado que havia fracassado em gestões anteriores. A Urihi não aceitou os termos e saiu. A UnB-FUB a substituiu. De julho de 2004 a junho deste ano, recebeu R$ 10,9 milhões apenas para ações complementares. Conforme o coordenador do convênio, Claudio Machado, da FUB, cerca de 80% - quase R$ 9 milhões - são gastos com o pagamento de pessoal. Em resumo: o custo de pessoal é maior que o valor que a ONG gastava para a execução total em atendimento considerado exemplar. No atual modelo, o convênio é apenas parte dos gastos. Sob a administração direta da Funasa, por exemplo, está o transporte aéreo: a hora-vôo saltou de R$ 690 para R$ 1.300.

Em setembro, os funcionários pararam por dez dias devido a atrasos nos salários e na ajuda de custo para alimentação dos agentes.'Os servidores saíram da área e a nova equipe não entrou', disse o presidente do Senalba (o sindicato da categoria), José Rondinelle Rodrigues. 'Também faltam medicamentos, e o pessoal corre risco de morte. Como vamos explicar ao índio doente que é preciso esperar pela burocracia?' O convênio com a FUB foi prorrogado até novembro. O valor: R$ 15 milhões. 'Mas só receberemos todo esse dinheiro quando a prorrogação chegar a um ano', diz Machado. 'Vamos ampliar o número de funcionários de 190 para 229 e realizar mais ações de cooperação técnica. Nunca ouvi reclamações de nenhum ianomâmi.' Machado vai a Boa Vista uma vez por mês e admite que jamais pisou na floresta.

Ainda que os recursos durem um ano, é difícil compreender por que são necessários R$ 15 milhões para ações complementares, quando antes a execução total custava a metade. 'O governo Lula centralizou a assistência para criar um cabidão de empregos e agradar aos políticos locais. No modelo anterior, o dinheiro ficava longe dos apadrinhados', diz o antropólogo Bruce Albert, da respeitada ONG CCPY. 'Não acreditamos nas estatísticas oficiais. Quem vai para dentro da floresta comprovar? Acreditamos nos ianomâmis.' Na quarta-feira, o Instituto Socioambiental denunciou problemas no atendimento aos índios também no Amazonas - realizado por diferentes organizações.

Por meio de sua assessoria, a Funasa afirmou que denúncias de irregularidades estão sendo examinadas em auditoria interna. Alegando 'falta de tempo', não respondeu à maior parte das perguntas de ÉPOCA. O convênio entre Funasa e UnB-FUB está sob investigação na 6a Câmara da Procuradoria-Geral da República. (Eliane Brum).

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