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'Etanol é uma alternativa, mas não a única solução energética'

O Globo, Razão Social, p. 6-7
Autor: BRUNDTLAND, Gro Harlem
05 de Nov de 2007

'Etanol é uma alternativa, mas não a única solução energética'
É tempo de os países em desenvolvimento colaborarem com a redução de metas de emissão de carbono mundial. Gro Brundtland, a ex-primeira ministra de Noruega, primeira mulher a comandar um país, e a pessoa que juntou 21 representantes de países durante mil dias para falar sobre meio ambiente em 1987, de onde saiu o termo sustentabilidade, diz que está na hora de todo mundo pôr as cartas na mesa. Menos os muito pobres.

Entrevista: Gro Brundtland

Por Amélia Gonzalez

O Globo: Como a mãe da expressão "sustentabilidade" e como parte integrante da comissão que criou o conceito, a senhora teme a banalização desta palavra?

Gro Brundtland:É possível que os consumidores aqui no Brasil, ou no Canadá estejam percebendo que o conceito está sendo usado com um significado diferente do original. Este pode ser o caso. Mas eu posso lhe dar exemplo de outros lugares onde não houve mudança de significado.
Onde sustentabilidade significa que nós devemos olhar para o cenário global e enfrentar o impacto ambiental quando escolhemos as tecnologias, os padrões econômicos, os transportes etc. É isto o que quer dizer sustentabilidade. Em qualquer canto do mundo.

O Globo :Desde o documento Nosso Futuro Comum (que saiu da Comissão Brundtland) até hoje, o que mudou?

Gro Brundtland:Houve muitas mudanças positivas em muitos países.

Na Europa, por exemplo, cidades de alguns países eram muito poluídas; nelas era difícil, desconfortável respirar, o que causava problemas de saúde, como asma. Até por causa do aquecimento das casas, havia muita poluição por enxofre. Hoje, essas emissões foram consideravelmente reduzidas. o que não era o caso há vinte anos. Então, houve várias mudanças. Mas, globalmente, não se tem uma seqüência da chamada Agenda 21, e claro, da Convenção do Clima. E o Protocolo de Kyoto não abrange um número suficiente de países.

O Globo :O que faltou?

Gro Brundtland:Fomos muito lentos, não fomos capazes de cooptar atitudes de alguns países, de fazer um protocolo climático que inclua Estados Unidos, Austrália e outros.
Agora teremos, no próximo passo, que ter também a contribuição e a participação de países em desenvolvimento, especialmente das grandes nações, como China, Índia, Brasil e outros. Porque nos anos 90 podíamos pensar que os deveres e as obrigações deviam recair sobre os países desenvolvidos, já que eles é que produziam o problema. Agora, com o tempo, com outras nações ficando mais industrializadas, elas estão aumentando o problema.
Temos que ter também estes países na mesa e ver que contribuição eles podem dar. Porque se eles não reduzirem suas emissões, por que os países ricos o farão? Muitos dos mais pobres nem têm energia para consumir. Mas você tem esses países no meio do caminho, economias em crescimento que têm que ser parte da solução também. Eles não precisam ter as mesmas obrigações e o mesmo cronograma que os ricos, mas é importante o que acontece no Brasil, na China, grandes economias que estão crescendo. A questão é: nós podemos fazer mecanismos como parte da negociação?

O Globo :Qual o problema?

Gro Brundtland: Isto vai inspirar os países deste tipo a fazer melhores investimentos porque nós os estamos bancando com tecnologias e soluções que se tornam atraentes para eles. Mas de onde eles vieram?

O Globo :Vamos falar sobre etanol. A senhora acha que é a solução?

Gro Brundtland: É uma possibilidade apenas, de ter uma alternativa de combustível ou de energia segura, sustentável. Mas não é a solução.

Pode-se achar outras fontes de energia que sejam seguras. Nada é perfeito, nenhuma fonte de energia é completamente positiva para o meio ambiente, exceto a solar. Porque se pode pegar o nascer do sol e criar energia. Portanto, é preciso procurar soluções balanceadas que minimizem o impacto negativo no meio ambiente. Mas os agricultores não deveriam usar suas melhores áreas para fazer etanol. É preciso avaliar e considerar vários aspectos: como, aonde e de que maneira é usado para reduzir o impacto?

O Globo :Quais os maiores desafios hoje para se ter uma sociedade sustentável?

Gro Brundtland: A energia é o maior desafio não só para o desenvolvimento sustentável como para conter a mudança climática porque o consumo da energia, se continuar como hoje, é insustentável.
Isto tem que ser mudado porque nós não vivemos sem energia, é a chave para a sociedade. E os povos pobres hoje vivem sem energia, sobretudo na África, eles não têm! E, como a água, energia é fundamental. A questão, então, é que tipo de energia devemos usar? Será que estamos sendo suficientemente bons para achar fontes limpas e renováveis? Esta é a maior questão. Porque o carvão e o petróleo estarão conosco até o fim do século, não desaparecerão. A China e muitos outros países têm fontes de carvão que poderão ser usadas. Mas é preciso também reduzir o uso de carvão ou achar uma maneira de emitir menos carbono e então criar outras fontes de energia. Mais hidrelétricas, mais energia solar, outras vertentes.

O Globo : Aqui no Brasil muitos ambientalistas acham que é impossível falar em desenvolvimento sustentável e crescimento econômico, porque um e outro seriam antagônicos. A senhora concorda com isso?

Gro Brundtland: Não. É claro que pode ter crescimento econômico e desenvolvimento sustentável. Não é necessário continuar poluindo dessa maneira como estamos. Mas você tem que usar tecnologias e práticas de várias maneiras para não continuar poluindo. Você não tem que parar o crescimento ou o desenvolvimento econômico.

O Globo : Ou seja: a senhora não acha que usar papel é destruir a natureza?

Gro Brundtland: Se você tiver pessoas que saibam quais são seus deveres. Se você só tem pessoas pobres, que não têm oportunidades e esperança na vida, elas vão cortar árvores sim, porque não têm outra alternativa. Então, o negócio é investir em pessoas na educação, dar emprego, estimular a produção e a participação na construção da sociedade. Ou seja, é preciso superar a pobreza também.

O Globo : Qual o papel das empresas nesse jogo?

Gro Brundtland: É importante que estejam engajadas e que se vejam como parte integrante de uma responsabilidade social total, não somente em investimentos mas em prática. Não somente quando estão sendo reguladas pelo governo, mas de maneira geral. Porque o poder regulatório de um governo é esperado numa democracia. Mas não é uma boa idéia ficar fiscalizando as empresas o tempo todo. Então, se as empresas estiverem fazendo as coisas certas elas não precisam ser tão fiscalizadas, mas se não estiverem, é preciso sim. Então, é uma coisa boa para a empresa ser socialmente responsável, assim como para todos nós. Além disso, vocês têm aqui também, estou certa, ONGs e ambientalistas que estão sempre observando o comportamento das companhias e fazendo com que elas se sintam no mínimo desconfortáveis se fizerem algo errado. Porque elas estão carregando uma grande responsabilidade porque estão carregando um poder econômico muito importante.

O Globo : As ONGs são importantes então para o processo de desenvolvimento sustentável?

Gro Brundtland: Sim. Elas são como cães de guarda e estão fazendo tudo para manter as coisas transparentes para que todos saibam tudo o que está acontecendo. Não é uma coisa boa fazer segredo de coisas boas, então se há segredos é porque estão fazendo coisas ruins. Portanto, se há muitos segredos é porque alguma coisa está errada.

O Globo : Eu tenho uma curiosidade particular: li em muitos livros que a Comissão Brundtland ficou 900 dias discutindo o meio ambiente. Como foi isso?

Gro Brundtland: Ficamos quase mil dias reunidos. Pedi oficialmente para comandar esse encontro e foi um evento muito ambicioso, realmente.
Começamos a fazer o trabalho em dezembro de 1983. Eu era líder do meu partido e parlamentar na época e logo virei primeira-ministra da Noruega novamente. Mas, naturalmente, eu despendia mais tempo cuidando do meu país, só que muitas vezes saía do meu departamento e ia me reunir com eles pessoalmente.

O Globo : O que a senhora fez como primeira ministra pelo meio ambiente na Noruega?

Gro Brundtland: Eu tentei implementar tudo aquilo que estávamos discutindo durante a Comissão como primeira-ministra. Por exemplo,introduzimos uma espécie de imposto para as nossas emissões de carbono para as nossas indústrias de petróleo. E foi difícil para eles porque eles não tinham soluções tecnológicas naquele momento para reduzir as emissões então tiveram que pagar este imposto até que estivessem hábeis. As emissões agora são um terço da média mundial. Impostos, fiscalização. A menos que você faça isso, nada vai acontecer.

O Globo : Qual o papel da Revolução Industrial. Ela é mesmo o grande vilão?

Gro Brundtland: Sem desenvolvimento industrial não teríamos pesquisas médicas, não poderíamos espalhar conhecimentos, nós seríamos um povo ainda vivendo como na pré-história. Há uma outra questão: estamos em 2007, não sei porque discutir alguma coisa que aconteceu no século XIX. Aconteceu e pronto. O negócio é saber como podemos viver com isso, sobreviver, prosperar e dar um bom futuro para as próximas gerações. Temos que trocar as práticas para que as indústrias não poluam. Porque elas deram como certo que as águas, as matas, eram um lugar comum que elas poderiam usar como quiser. Usar para poluir e depois ir embora, procurar outro lugar. No mundo todo foi isso, até em Oslo. Deram como certo que eles podiam usar a água e ela iria crescer. Mas podemos viver juntos sem brigar.

O Globo, 05/11/2007, Razão Social, p. 6-7

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