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Estudantes indígenas nas universidades públicas: é preciso dar condições e acolher a diversidade

A Crítica - https://www.acritica.com/
Autor: RADLER, Juliana
15 de Fev de 2023

Estudantes indígenas nas universidades públicas: é preciso dar condições e acolher a diversidade
A entrada dos indígenas nas universidades públicas é motivo de comemoração e esperança. Contudo, o que estamos vendo é preocupante: jovens indígenas deixam suas comunidades e partem para estudar em localidades muito distantes de suas casas, sem acolhimento e políticas que proporcionem a permanência deles nas universidades

Juliana Radler

15/02/2023

O município de São Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro, está de luto. Mais um universitário indígena que deixou sua comunidade rumo à universidade em São Paulo teve sua vida interrompida aos 22 anos de idade. Um sonho que vira tragédia e nos convoca à ação para termos políticas efetivas e abrangentes de acolhimento e permanência dos estudantes indígenas nas universidades públicas.

Com a voz embargada, uma professora e defensora dos direitos indígenas disse dentro da Maloca da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro): "É mais um jovem que saiu para viver um sonho e voltou no caixão". Município mais indígena do Brasil, São Gabriel da Cachoeira é a região que mais aprova jovens nos vestibulares indígenas da Unicamp, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), UnB (Universidade de Brasília) e outras.

A entrada dos indígenas nas universidades públicas é motivo de comemoração e esperança num Brasil disposto a corrigir injustiças históricas, valorizar o conhecimento dos povos originários e investir em sua rica diversidade cultural. Para a Academia é um ganho inestimável contar com a chegada desses estudantes. Os indígenas trazem em suas bagagens um vasto conhecimento e novas perspectivas para a ampliação dos saberes e diálogos interculturais dentro das universidades nacionais, ainda majoritariamente dominadas por brancos de classe média urbana.

A realização do vestibular especial foi também uma vitória política do movimento indígena e seus parceiros históricos que lutam pelos seus direitos constitucionais. Como cidadãos brasileiros, os indígenas devem ter acesso à educação pública, assim como serem contemplados pelas políticas afirmativas do Estado brasileiro.

A coragem e disposição dos jovens indígenas de saírem de suas comunidades e ingressarem em universidades distantes - nesse país de dimensões continentais - é louvável. Fazem vaquinhas, se articulam junto a instituições de apoio e economizam o que conseguem para comprar passagens e chegar até o sonhado ensino superior.

Contudo, o que estamos vendo no momento é preocupante: jovens indígenas deixam suas comunidades e partem para estudar em universidades muito distantes de suas casas. Sem acolhimento e políticas efetivas que proporcionem a permanência desses jovens nas universidades, o sofrimento psicológico têm levado a um quadro de declínio da saúde mental, física e espiritual da juventude indígena.

O que era desejo de aprender, de conhecer e de exercer uma profissão torna-se uma dor profunda, um desespero eternizado pelo desamparo, que emerge da falta de uma política de cuidado com o acolhimento desses estudantes. Sem falar em questões maiores que extrapolam os limites das universidades, como o racismo, o preconceito e o desconhecimento de grande parte da população sobre o mundo indígena.

Assim, ficam as perguntas: as universidades públicas estão preparadas para receber os estudantes indígenas? As bolsas permanência são suficientes para todos os novos alunos e suas necessidades básicas de moradia, alimentação, materiais de estudo, vestimenta e transporte nas grandes metrópoles? A resposta que ouvimos dos próprios universitários é não. São absolutamente insuficientes.

Os estudantes oriundos das terras indígenas do Alto Rio Negro que estão na UFSCar e formam o Centro de Culturas Indígenas (CCI) nesta universidade produziram um documento informando instituições indígenas e indigenistas, assim como a Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira, sobre as dificuldades que vem passando os estudantes, o que têm contribuído para a evasão e desistência de muitos indígenas.

Neste ofício é citado que a maior parte dos universitários indígenas vem recebendo dois tipos de auxílio: uma bolsa para alimentação no valor de R$ 140 e uma bolsa de moradia de R$ 350, para quem não consegue moradia gratuita nos alojamentos universitários. "Esses auxílios não atendem às necessidades diárias das nossas vidas, ainda mais com a alta da inflação sobre os alimentos", escreveram os jovens, cujas famílias vivem em grande parte da agricultura, do artesanato, da pesca e da caça que compõe a vida cotidiana nas comunidades indígenas amazônicas, onde o dinheiro entra como complemento para se adquirir o que não é produzido na aldeia ou encontrado na floresta e nos rios.

O Centro de Culturas Indígenas conta que hoje existem 403 universitários indígenas na UFSCar, sendo que desse total, 246 são oriundos da região do Rio Negro. O documento chama atenção para a diminuição de um número de 43 estudantes indígenas nesse ano de 2023, em relação ao último semestre de 2022. O CCI aponta que essa queda está relacionada às dificuldades que os universitários indígenas vêm atravessando nos últimos anos, muitos inclusive com problemas para se alimentar e sobreviver. Diante de tantas adversidades é a saúde mental o ponto de grande atenção: ansiedade e depressão têm sido constantes entre os jovens indígenas universitários.

Neste novo cenário político, muito mais favorável aos direitos indígenas e aos direitos humanos, é preciso aperfeiçoar as políticas públicas de permanência dos jovens indígenas nas universidades. Além disso, instituições, fundações e as grandes fortunas do mundo precisam olhar para esse tema, apoiando a criar fundos e outras formas de levar recursos a esses jovens indígenas precursores e sonhadores, que estão levando seus conhecimentos e saberes até as universidades de forma generosa e corajosa.

A chegada dos indígenas na Academia não é uma via de mão única. Não é apenas a universidade que os ensina um novo conhecimento e os prepara para exercer uma profissão. A universidade, os alunos e toda a sociedade se beneficiam com a chegada dos povos originários aos bancos universitários do Brasil. Assim, é preciso acolher esse conhecimento de forma harmoniosa, generosa e alegre, tal como somos acolhidos quando estamos em suas aldeias e comunidades. Mais do que ninguém, os povos indígenas no Brasil sabem o que é bem comum e bem viver. Vamos aprender com eles.

*Juliana Radler é jornalista especializada em meio ambiente e articuladora de políticas do Instituto Socioambiental (ISA)

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