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Estradas "não-oficiais" estão em 25% da Amazônia, aponta estudo

Globo Rural - https://globorural.globo.com/Noticias/Sustentabilidade/noticia
05 de Set de 2022

Estradas "não-oficiais" estão em 25% da Amazônia, aponta estudo
Pesquisa feita pelo Imazon com uso de satélite e inteligência artificial indica que vias podem ser usadas para escoamento de madeira e garimpo ilegais

Mariana Grilli
05 Set 2022

Na floresta fechada no coração da Amazônia, estão o que ambientalistas chamam de "artérias da destruição". São vias de terra batida que, geralmente, ligam áreas desmatadas e rodovias federais e estaduais. Estradas "não-oficiais" (não registradas pelo poder público federal ou estadual), estão em 25% da Amazônia, de acordo com levantamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Boa parte, em áreas públicas não-destinadas.
O Ministério de Infraestrutura considera cadastrada no Sistema Nacional de Viação uma rede composta por 23,3 mil quilômetros de rodovias federais, menos de 0,7% do total do estudo. "Assim, estão localizados em áreas de floresta pública não-destinadas na Amazônia Legal apenas 0,35% do total", diz o levantamento.

O levantamento não menciona os registros estaduais. De acordo com o Imazon, ao todo, as estradas nos estados que compoem a Amazônia Legal somariam 3,46 milhões de quilômetros, que cortam ou estão em uma área inferior a 10 quilômetros da floresta amazônica. Os dados foram publicados na revista coentífica Remote Sensing.

Na visão do Imazon, sem o governo federal dar o devido uso às florestas públicas não-destinadas, essas áreas ficam suscetíveis ao desmatamento e à exploração ilegal de recursos. Vistas pela entidade com imagens de satélite, com ajuda de inteligência artificial, as vias não-oficiais sugerem que foram abertas para dar acesso e escoar o extrativismo ilegal.

"Tem um fenômeno que a gente começou a observar: antes do desmatamento apareciam linhas, pelo satélite, que eram vias abertas. Elas se conectam, cortam a Amazônia inteira. É a logística para escoar a madeira de desmatamento", diz Carlos Souza Jr, coordenador da pesquisa do Imazon.

Para ele, essas estradas são o primeiro sinal de uma ocupação ilegal de terras públicas. A pesquisa do Imazon, baseada em imagens de satélite de 2020, mostra que a maior parte dessas estradas está no chamado "arco do desmatamento". A região abrange Rondônia, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão, além da parte do Pará que faz divisa com esses últimos três estados.

"Essas estradas em terras públicas, do ponto de vista de um agronegócio estruturado e legal, elas são um problema. Não são licenciadas, criam acesso a recurso natural, ocupação para grilagem e desmatamento e não servem o agronegócio legal", analisa Carlos.

Quem faz observação semelhante é Saulo Coslovsky, pesquisador associado à organização Amazônia 2030 e professor da Universidade de Nova York (EUA). "Estradas ilegais são vetores de destruição e ainda prejudicam quem faz direito. Acaba tendo que brigar por espaço com quem extrai ilegalmente, pois a reputação da região fica afetada."

Monitorar, fiscalizar, penalizar e proibir novas aberturas de área são funções do poder público, ele lembra. "A infraestrutura está a serviço do crime. Os estudos mostram que não falta estrada, mas o problema é que são estradas erradas, no lugar errado e pelo motivo errado. E por que o governo não fez seu papel mínimo de cumprir a lei?", questiona.

Procurado por Globo Rural, o Ministério da Justiça não respondeu como é feito o monitoramento de aberturas de vias, quais as penalidades para quem abre a estrada em terra pública e se houve operações de combate a este crime nos últimos anos.

Infraestrutura para poucos

De acordo com Coslovsky, mesmo projetos legais de infraestrutura logística na região favoreceram um grupo minoritário, em detrimento de comunidades locais. "Se você abre um terminal graneleiro perto de um rio é um destino. O lugar fica condenado àquela atividade. Mas se você investe em mais infraestrutura para o bem público, você transforma o turismo local e faz a economia girar", comenta.

Por isso, o pesquisador enxerga que as estradas são "peça de um quebra-cabeça muito maior", num modelo que, em sua avaliação, prioriza a logística de commodities. "Um problema é esse esforço gradual de criminosos para apropriação privada através da abertura de estradas. Outro problema é pensar que a única economia viável para a Amazônia é a produção de soja em larga escala, com grandes estradas para caminhões graneleiros, portos para escoar esse grão, hidrovias para esse fim. A economia da Amazônia é muito mais diversa", defende.

Carlos Souza Jr, do Imazon, repara que, em terras privadas, as vias estão em domínio destas propriedades. "Muitas estradas têm pouca ou nenhuma função coletiva, social. E sim apenas o escoamento do grão, do gado, da madeira produzidos dentro da propriedade", diz.

Além disso, 41% das áreas remanescentes de florestas na Amazônia estão sendo pressionadas pelas estradas, segundo o Imazon. Souza Jr. explica que as vias estão em um raio de cerca de 10 quilômetros, distância que já pode gerar pressão na biodiversidade.
estradas-territorio-amazonia (Foto: Imazon)

Estrada como acesso público
Estradas são importantes para o cidadão exercer o direito de ir e vir, ressaltam os especialistas. A falta de vias bem planejadas também acarreta na abertura de estradas pelas próprias comunidades afastadas.

De acordo com o Programa Xingu do Instituto Socioambiental (ISA), caso esses serviços fossem devidamente providos de acordo com as territorialidades locais, essa demanda pela abertura de estradas diminuiria. Um exemplo que citam é a demanda de estrada para facilitar acesso a sede municipal onde há oferta de ensino médio dada ausência na aldeia/comunidade".

Na perspectiva de Carlos Souza Jr, "muitas vias são criadas em assentamentos e ligam com as rodovias oficiais". Por isso, ele diz, mapear e monitorar as estradas é crucial para identificar ameaças à floresta e dar condição digna aos povos e comunidades tradicionais que vivem nela, como indígenas, quilombolas e ribeirinhos.

Procurado pela reportagem da Globo Rural, o Ministério de Infraestrutura não comentou o fato das estradas estarem em áreas de floresta não destinada pela União nem sobre sua utilização. Informou apenas que as rodovias federais, de um modo geral, são usadas pela população local para se delocar pela região e que garantem o escoamento da produção.

"A presença dessa infraestrutura no interior ou próximo a áreas protegidas depende de manifestação dos órgãos competentes, que podem fazer exigências específicas para autorizar a implantação, pavimentação ou operação da rodovia", informou a pasta.

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