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Esquerda e direita, sócias

CB, Opinião, p. 13
Autor: FEUERWERKER, Alon
09 de Abr de 2007

Esquerda e direita, sócias

Alon Feuerwerker
Jornalista

Entre os grandes países do mundo em território, o Brasil é o único no qual a questão fundiária permanece como um problema nacional sem solução. Essa peculiaridade se deve ao nosso histórico de modernizações conservadoras. Somos uma nação que obteve a independência sem revogar a escravidão e proclamou a República sem fazer a reforma agrária. Ao longo de cinco séculos, o latifúndio vem se reciclando para não morrer. Agora mesmo, a grande propriedade produtora de açúcar e álcool é louvada pelo presidente da República como a nova heroína na batalha para tornar o Brasil um campeão mundial nos biocombustíveis.

A defesa do latifúndio tem sido historicamente associada à direita, mas não deixa de ser curioso que a reforma agrária e a questão fundiária tenham permanecido no limbo durante o governo do PT. Não há diferença qualitativa entre o tratamento dado ao problema nesta administração e nas anteriores. Os assentamentos seguem em passo de tartaruga, e a nova desculpa é que os recursos oficiais devem ser investidos na elevação da qualidade de vida dos assentados. Ou seja, para o governo do PT a reforma agrária é uma questão social, e não socioeconômica. Não se nota qualquer preocupação governamental com a liberação de forças produtivas no campo a partir da democratização da propriedade territorial.

A elite brasileira tem sido competente para dar sobrevida ao latifúndio, que vem silenciosamente se modernizando em aliança com o capital. Mas seria injusto debitar essa "via prussiana" apenas na conta da direita. A esquerda é a nova sócia da direita no congelamento da reforma agrária no Brasil. E uma das razões é que, a pretexto de combater o neoliberalismo, a esquerda brasileira e os movimentos sociais que deveriam representar a força transformadora no campo estão aprisionados pela lógica do preservacionismo cego, pela ortodoxia do ambientalismo global.

Se quisermos encontrar terra disponível em grandes quantidades para fazer a reforma agrária no Brasil, basta olhar para o Norte. Mas o destino que as grandes potências enxergam para a Amazônia é o de reserva intocada. Para que eles, naturalmente, explorem-na de acordo com as suas conveniências no futuro - quando a água se tornar um bem mais escasso ainda e quando a biotecnologia adquirir o protagonismo projetado para ela. Toda a pressão sobre o nosso país é para que deixe a Amazônia como está. E a esquerda e os movimentos sociais brasileiros, que construíram sua identidade recente na "luta contra o neoliberalismo", são hoje reféns da agenda neoliberal para o Brasil. Qual é seu coração? Crescer pouco, em nome de nossas "responsabilidades planetárias". Sacrificar o futuro dos jovens de nossas periferias em troca de recebermos uma medalha de honra como bons guardadores de jardim zoológico e jardim botânico.

Um governo verdadeiramente patriótico e popular colocaria no primeiro ponto da agenda nacional a colonização da Amazônia, centrada na agricultura familiar, no cooperativismo e no crescimento ambientalmente sustentável da produção agropecuária. A Amazônia não é um problema. Ela é a mãe de todas as soluções. Uma expansão ordenada na Amazônia será a oportunidade de uma vida mais próspera para milhões de brasileiros. Teremos uma base demográfica para consolidar nossa soberania sobre a fronteira norte do Brasil. Criaremos uma base material para melhor integrar os países e povos do continente. E estaremos munidos de uma política ambientalmente eficaz. Hoje, por não oferecer alternativas econômicas para a maioria, o preservacionismo cego anda de mãos dadas com a devastação.

Mais cedo ou mais tarde, o Brasil terá que se voltar para a Amazônia. A própria Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) reconheceu a importância do tema e o adotou para a Campanha da Fraternidade deste ano. Aliás, as dificuldades vividas pela Igreja Católica na abordagem da questão amazônica sintetizam de algum modo os impasses nacionais relacionados à região. Por que o catolicismo perdeu espaço na Amazônia? Também porque talvez tenha deixado de representar, para o homem e a mulher locais, uma fé relacionada ao progresso, à melhoria da qualidade de vida e à prosperidade. O que não deixa de ser paradoxal, já que a Igreja Católica talvez seja quem lute há mais tempo pelo primado da agricultura familiar em nosso país.

CB, 09/04/2007, Opinião, p. 13

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