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Esperando na janela

FSP, Turismo, p. D8-D9
19 de Nov de 2015

Esperando na janela
Roteiro permite vivenciar cotidiano de quilombolas em MG; assista

GIOVANNI BELLO
ENVIADO ESPECIAL AO VALE DO JEQUITINHONHA (MG)

O Vale do Jequitinhonha, no nordeste de Minas Gerais, é uma das regiões mais pobres e com indicadores sociais mais baixos do país. Ao falar na região, vêm à mente imagens de clima semiárido, poeira, plantas secas, raros animais, pouca comida e quase nenhuma água.
Mas, de perto, a realidade é outra. A paisagem na verdade é rica e o clima, favorável para muitas espécies. Seu Hermínio, morador de Berilo, garante: "Aqui dá de tudo que plantar... Mas se estiver chovendo, né?"
A cultura é viva nas comunidades. E as danças e músicas que corriam o risco de desaparecer ganham novo fôlego com o engajamento dos jovens e a perspectiva trazida pelo novo projeto turístico na região: a Rota dos Quilombos (comunidades originalmente formadas por africanos escravizados no Brasil). Inaugurado no mês passado, o projeto tem o objetivo de gerar renda para esses locais.
O programa é coordenado pela historiadora Agda Moreira e pela turismóloga Luciana Priscila do Carmo, por meio do Cedefes (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva), ONG que trabalha com questões quilombolas e indígenas de Minas.
O tour abrange as cidades de Berilo, Chapada do Norte e Minas Novas, no médio Jequitinhonha. Delas, parte-se para as comunidades quilombolas próximas, todas rurais.
O valor para o passeio de nove horas nas comunidades fica entre R$ 260 e R$ 300 por pessoa, para grupos de até seis visitantes, incluindo alimentação e monitor local.
Nas visitas aos moradores, a hospitalidade interiorana brasileira se mostra inteira -quase exageradamente. Em todos os lugares que visitamos, nós, turistas, tínhamos que comer primeiro, enquanto todo mundo esperava.
A culinária local é variada, saborosa e farta. Os lanchinhos do passeio, chamados "quitandas", incluem: biscoito de polvilho frito, de fubá, brevidade (espécie de bolo de polvilho), pães caseiros, rapadura, pé de moleque... Sempre acompanhadas de café e contação de causos.
Para os almoços, feijão tropeiro, feijoada, galinha caipira, angu, canjiquinha, quiabo e alguma boa cachaça das redondezas. Quase tudo tirado dali mesmo, no quintal das famílias que recebem os turistas.
RIQUEZA CULTURAL
Na cultura, destacam-se as danças e músicas, marcadas pelo sincretismo religioso. Os tambozeiros de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos fazem uma apresentação enérgica, com forte influência do candomblé -em uma igreja de interior pomposo, de arquitetura barroca, em Chapada do Norte.
A mistura se repete na comunidade quilombola de Caititu do Meio. Dentro da igreja pequenina reza-se o terço inteiro, cantado. Do lado de fora, ouve-se batuque.
As tecelãs de Roça Grande misturam as atividades do tear com músicas que falam de trabalho e da realidade do semiárido: "Me ajuda companheiro / Deixa de tanta vergonha / Que aqui não é cidade / Aqui é mata medonha!", seguida do refrão: "Ô bananeira, bananeira chora / Chora bananeira / Adeus, que eu vou embora!". O algodão é tratado com a batida de varas compridas, que marca o ritmo das canções.
Não é um turismo de massa, as organizadoras reconhecem, mas tem potencial para atrair muita gente interessada na troca de experiências.
"Nossa intenção é que quem vem de fora vivencie o cotidiano de uma comunidade quilombola. O público que a gente busca não é o que vai visitar o Corcovado, o Cristo Redentor. É um turista que quer fazer uma troca de experiências e que vai querer deixar algo", diz Moreira.
Então, nada de "cheguei, clique, próxima!". Claro, há paisagens lindas, danças fotogênicas e comidas que ficarão ótimas no Instagram. Mas a melhor parte depende da disposição para contar e ouvir histórias.
O jornalista viajou a convite da Oi Futuro

ROTA DOS QUILOMBOS
INFORMAÇÕES E RESERVAS
Para informações, contatos e reservas, é preciso escrever para o e-mail do projeto, turismoquilombolamg@gmail.com. A página do Facebook "Agentes Quilombolas Socioambientais" também informa sobre o tour
QUANTO
Passeio de nove horas pelas comunidades custa entre R$ 260 e R$ 300 por pessoa, para grupos de até seis; inclui alimentação e monitor

Projeto tenta conter êxodo de moradores e perda da cultura local

Uma das ambições do projeto da Rota dos Quilombos, que leva turistas ao Vale do Jequitinhonha -uma das regiões mais pobres do país, no nordeste de Minas Gerais-, é gerar recursos para as comunidades locais para tentar reduzir o êxodo de moradores.
A principal fonte de renda das famílias dos lugares por onde o tour passa é a aposentadoria -e muitas são bastante dependentes de programas sociais do governo.
Existe, historicamente, uma migração sazonal dos homens para São Paulo, para trabalhar nas plantações de cana e café. Sozinhas durante a maior parte do ano, as mulheres do vale começaram a ser chamadas de "viúvas de maridos vivos".
Mais recentemente, no entanto, esse fluxo para outros Estados foi engrossado por elas, que também levaram os filhos. O processo acaba esvaziando os quilombos -e ameaçando sua cultura.
A historiadora Agda Moreira, uma das coordenadoras do programa, explica que, por ter como base a oralidade, o saber quilombola se enfraquece com a saída das novas gerações.
"Quando os jovens e os adultos saem, existe uma ruptura muito significativa. Mesmo aqueles que voltam se apropriam tanto da cultura urbana que não veem mais tanto sentido em participar das festas, das danças, da religiosidade", afirma.
ESTRUTURA
Por enquanto, as comunidades envolvidas no projeto não estão preparadas para oferecer pernoite. Por isso, a ideia é que os turistas se hospedem nas cidades próximas -como Berilo, Chapada do Norte e Minas Novas- e passem o dia nos quilombos.
Você pode ir até as comunidades com carro próprio ou, a melhor opção, contratar motoristas locais. Isso porque o caminho pode ter sinalização complicada, e a estrada de terra não é das melhores -na viagem que a Folha fez, uma chuva forte transformou a via em um lamaçal e o carro atolou; a reportagem dormiu de forma improvisada em um dos quilombos.
O jornalista viajou a convite da Oi Futuro
ROTA DOS QUILOMBOS
INFORMAÇÕES E RESERVAS
Para informações, contatos e reservas, é preciso escrever para o e-mail do projeto, turismoquilombolamg@gmail.com. A página do Facebook "Agentes Quilombolas Socioambientais" também informa sobre o tour
QUANTO
Passeio de nove horas pelas comunidades custa entre R$ 260 e R$ 300 por pessoa, para grupos de até seis; inclui alimentação e monitor

FSP, 19/11/2015, Turismo, p. D8-D9

http://www1.folha.uol.com.br/turismo/2015/11/1708048-rota-dos-quilombos…

http://www1.folha.uol.com.br/turismo/2015/11/1707988-projeto-tenta-cont…

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