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Esperança de água se torna o maior cabo eleitoral do sertão

FSP, Especial, p. 4-5
22 de Set de 2010

Esperança de água se torna o maior cabo eleitoral do sertão
Projeto de transposição do São Francisco mobiliza eleitores mais até que o Bolsa Família; "vou votar na candidata do Lula , é a Dilma, né", diz moradora de Brejo Santo , a 530 km de Fortaleza

Bernardo Mello Franco
Enviado especial ao Nordeste

Aos 36 anos, a cearense Aparecida Martins se orgulha em exibir a televisão com antena parabólica, comprada ano passado, mas não sabe o que é ter banheiro ou girar uma torneira em casa.
Todas as manhãs, ela caminha até o leito seco de um rio. Some por um buraco estreito e reaparece com uma lata de água barrenta, para matar a sede e cozinhar.
Vive na zona rural de Brejo Santo, a 530 km de Fortaleza. Há duas semanas, recebeu uma "moça da cidade", que foi "ensinar a votar".
Analfabeta, não decorou os números dos candidatos, mas colou na porta um cartaz com a foto do presidente Lula ao lado de Dilma Rousseff e de quatro políticos cearenses que disse não conhecer.
"Botei só por causa do Lula", contou. "Vou votar na candidata dele, essa mulher aqui. É a Dilma, né?"
Aparecida vive na rota da transposição do rio São Francisco. É a maior obra da gestão petista no Nordeste: promete levar água a 12 milhões de sertanejos em quatro Estados (Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte), ao custo de R$ 4,6 bilhões.

ESPERANÇA
O projeto só deve funcionar a pleno vapor em 2013, mas criou uma onda de otimismo nas áreas mais castigadas pela seca e se transformou num poderoso cabo eleitoral de Dilma na região.
"Nossa esperança primeiramente é Deus. Depois é essa obra do Lula", disse a paraibana Francisca de Fátima Ramos, 47.
Ela mora num povoado rural de São José de Piranhas, a 490 km de João Pessoa. A paisagem é marcada por casas simples, chão rachado e nuvens de poeira. "Aqui não adianta furar poço porque não sai nada", contou.
Nos meses sem chuva, a comunidade é abastecida por um carro-pipa, que está quebrado. A prefeitura não providenciou o conserto, e os moradores estão sobrevivendo graças a jegues, que carregam dois barris por vez.
Como a maioria dos conterrâneos ouvidos pela Folha na semana passada, Francisca definiu o voto sem saber muito sobre a candidata à Presidência.
"Aqui todo mundo é Dilma. A gente não tem conhecimento de ela ter feito alguma coisa, mas o Lula fez muito", justificou.
Faxineira num posto de saúde da cidade, ela repetiu outra ideia comum na região: o medo de que a transposição fique no papel em caso de derrota da petista:
"Se o José Serra ganhar ele vai parar tudo, não vai?"
A esperança em ver as águas do São Francisco no semiárido é tão grande que muitos sertanejos esquecem outras vitrines do governo, como o Bolsa Família, ao justificar o voto em Dilma.
"O dinheiro da Bolsa é bom, mas a água é melhor. Sem água a gente não faz nada", disse Maria Raimunda da Silva, 56, de Brejo Santo.
A aposentada recebe R$ 134 do programa, mas pertence a uma espécie de elite local: ao contrário da vizinha Aparecida, tem seu próprio jegue e não precisa carregar as latas d'água na cabeça.
"Ele é que nem um carro. Trabalha o dia todinho e não se enfada", contou. "O jumento é melhor que o burro. Não reclama e dá pra botar criança em cima."
A região em que as duas amigas vivem foi desapropriada há três anos, mas ninguém sabe a data do despejo.
Por enquanto, Raimunda se ocupa de brigar com o marido para frequentar um curso noturno de alfabetização, na escola do município.
"Ele não quer que eu assine o nome, mas eu disse: "Então fique aí que eu vou". E fui mesmo. Vai ter ciúme de uma velha?", reclamou.
Aparecida também frequenta as aulas, enquanto os dois filhos, por imposição do Bolsa Família, estão matriculados na escola. "Meu pai dizia que estudo não dá futuro, o que dá futuro é a roça. Mas ele tava errado, né?"
Em Cabrobó (PE), que cresceu à beira do Velho Chico e não sofre com a seca, a transposição é popular por outro motivo: a geração de empregos, que segundo o governo são 9.000 no total.
O projeto prevê 622 quilômetros de canais. Os trechos construídos, com 25 metros de largura, já podem ser vistos em imagens de satélite.
"Desde criança eu ouvia falar nessa obra", disse Paulo Vieira, 64, que mora numa ilha do São Francisco. "Isso vai acabar com os políticos que levavam o caminhão-pipa e depois voltavam para pedir voto no sertão."
A maré lulista isola os críticos do projeto, liderados pelo MST e pela Comissão Pastoral da Terra. Eles alegam que a transposição vai beneficiar os latifundiários e que não há garantia de que a água chegará aos mais pobres, o que é contestado pelo governo.
Exibidas no programa de Dilma, as imagens da obra se multiplicam no horário eleitoral de aliados pelo Nordeste. Poucos políticos ousam atacá-la, como o vereador cabroboense e líder indígena Neguinho Truká.
"Sou do PT, mas discordo radicalmente da obra", afirma. "A propaganda diz que vai ter uma torneira em cada casa, e a gente sabe que isso não vai acontecer nunca."

NE lidera expansão e votação pró Dilma

Fernando Canzian
De São Paulo

O Nordeste se consolidou no governo Lula como a região mais dinâmica do Brasil.
Enquanto a renda per capita na média do país cresce atualmente a um ritmo de cerca de 5% ao ano, nos Estados nordestinos esse aumento médio é de 7,3%.
Isso é reflexo direto das opções das políticas social e econômica adotadas pelo governo Lula.
Cerca da metade dos trabalhadores brasileiros que ganham até um salário mínimo vivem no Nordeste.
Sob Lula, esse rendimento mínimo oficial no país, que também corrige as aposentadorias e alguns benefícios sociais (como a aposentadoria rural de quem nunca contribuiu com a Previdência) foi reajustado em 53% acima da inflação.
No Nordeste está concentrado também o maior número de famílias que recebe o Bolsa Família. Das mais de 12 milhões de famílias atendidas pelo programa, metade vive na região.
Essa nova dinâmica nordestina também foi embalada por mais crédito.
Nos últimos cinco anos, houve um salto de 330% nos empréstimos a consumidores na região, o maior do país. Como comparação, a alta foi de 243% no Sudeste.
A forte criação de empregos formais também teve grande impacto no Nordeste, região considerada ainda a mais pobre do Brasil.
Somados, são mais de 14 milhões de novos empregos com carteira assinada em todo o país desde a posse do presidente, em 2003.
No governo Lula, segundo estudos do Centro de Políticas Sociais da FGV-Rio, cerca de 30 milhões de pessoas saíram da miséria (ultrapassando uma renda mensal de R$ 137). Grande parte delas vive no Nordeste.
Na região, o retorno em popularidade para Lula e potencial eleitoral para sua candidata à Presidência, Dilma Rousseff, foi enorme após a consolidação dessas políticas de fortes aumentos reais para o salário mínimo e de expansão do Bolsa Família.
Mesmo antes da campanha eleitoral engatar, em abril (quando José Serra, do PSDB, tinha 36% das intenções de voto, ante 27% de Dilma), era no Nordeste onde se esperava a maior reação da candidata governista.
Na época, Dilma ainda era praticamente uma desconhecida. Muitos se referiam a ela apenas como "a mulher de Lula", apenas por ouvido falar em sua existência.
Em abril, Dilma já liderava no Nordeste, com 36%. Mas Serra estava praticamente encostado nela, com 32%.
Hoje, Dilma tem 65% das intenções de voto na região, ante os 18% de Serra, segundo mais recente pesquisa Datafolha.
Na média do país, a petista tem 51%. Serra, 27%.
Ou seja, Dilma tem 14 pontos de vantagem no Nordeste. Na região estão concentrados 36,7 milhões de eleitores (27% do total), que formam o segundo maior colégio eleitoral do Brasil.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/fj2209201007.htm

FSP, 22/09/2010, Especial, p. 4-5

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