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Especie invasora ataca areas protegidas

FSP, Ciencia, p.A13
16 de Mai de 2005

Pelo menos 103 unidades de conservação sofrem com plantas e animais exóticos, como pinus e caramujo-gigante
Espécie invasora ataca áreas protegidas
Thiago Guimarães
Da agência Folha
Consideradas a segunda causa de redução da biodiversidade no mundo, atrás apenas da perda de habitats por intervenção humana, as espécies exóticas invasoras estão presentes em pelo menos 103 unidades de conservação do Brasil, espalhadas por 17 Estados e pelo Distrito Federal. É o que aponta um levantamento sobre a presença dessa ameaça no país.Unidades de conservação são áreas federais, estaduais ou municipais com características naturais relevantes, legalmente instituídas e com limites definidos, às quais se aplicam normas de proteção. Não há um levantamento completo dessas unidades no país, apenas dados recém-divulgados sobre as 651 áreas homologadas pelo governo federal, que somam 56 milhões de hectares.O levantamento das invasoras, inédito no país, é da ONG Instituto Hórus, de Curitiba (PR).Em fase de conclusão, o diagnóstico integra um projeto de informes nacionais sobre o problema, financiado pelo Ministério do Meio Ambiente.As espécies exóticas invasoras são organismos (fungos, plantas e animais, assim como seres vivos microscópicos) que se encontram fora da sua área natural de distribuição, por dispersão acidental ou intencional. Por meio do processo denominado contaminação biológica, elas se naturalizam e passam a alterar o funcionamento dos ecossistemas nativos (veja quadro abaixo). Historicamente, o maior responsável por seu aparecimento é a colonização européia nos demais continentes.As campeãs de invasões, segundo o levantamento, são as plantas coníferas do gênero Pinus, introduzidas no Brasil para produção de madeira de reflorestamento. Identificadas em 35 UCs (unidades de conservação) das regiões Sul e Sudeste, são espécies que podem alterar a acidez dos solos e inviabilizar a sobrevivência de animais, entre outros impactos.E o vento levouAs espécies de Pinus têm grande facilidade de germinação, pois produzem muitas sementes, disseminadas pelo vento. "Elas ocupam o espaço de outras espécies e não geram alimento para a fauna, o que desequilibra o ecossistema", afirma a engenheira florestal Sílvia Ziller, do Instituto Hórus.As outras líderes do ranking de invasões são o capim braquiária e o cachorro (15 UCs), o capim gordura e o eucalipto (13), o lírio-do-brejo (10), a jaca (8) e a uva-do-japão (8). Também figuram na lista animais como búfalo (6), caramujo-gigante-africano (5) e javali (4).No caso do javali, principal ancestral do porco doméstico, a invasão foi pela fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul com o Uruguai, para onde ele foi levado por europeus. Uma hipótese é que a introdução tenha ocorrido em 1989, após estiagem que baixou muito o leito do rio Jaguarão, que delimita a fronteira.O caramujo-gigante-africano, molusco terrestre do nordeste da África, entrou ilegalmente no Brasil na década de 1980, como alternativa à criação de escargot.Entre os principais prejuízos causados pelo javali estão danos a culturas agrícolas, ataque a animais de criação e transmissão de doenças (leptospirose, febre aftosa). O caramujo-gigante-africano destrói plantações e também pode transmitir moléstias, como a angiostrongilíase (infecção causada por parasita e que pode levar crianças à morte)."A tônica do combate é a mesma para todas as invasoras: uma vez instalada, não dá para erradicar", afirmou o biólogo André Deberdt, da Coordenação Geral de Fauna do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).Ataque ao pampaDeberdt cita o capim-anoni como invasora problemática: a gramínea africana já infestou cerca de 3,5 milhões de hectares de pastagens nativas gaúchas. No levantamento, o anoni aparece em duas UCs, uma no Paraná e outra no Rio Grande do Sul.Cerca de 180 espécies de fauna e flora já entraram no levantamento, a partir do qual serão gerados mapas de distribuição das invasoras no país. A ameaça já foi identificada, por exemplo, em 14 parques nacionais.Como o levantamento ainda está em curso, o número de invasoras deverá crescer. Ainda falta reunir dados de Estados como Amazonas, Tocantins e Piauí, para apresentação final em outubro, em simpósio nacional que acontecerá em Brasília sobre o tema.

Problema devasta Fernando de Noronha
O arquipélago de Fernando de Noronha, a 360 km da costa brasileira, é um exemplo de ambiente alterado pela ação de espécies invasoras. Segundo o Ibama, ao longo da ocupação da ilha (que ocorre desde o início do século 16, com a chegada dos portugueses ao país) foram introduzidas 13 espécies ornamentais, 12 frutíferas e quatro agrícolas, além de gramíneas e animais que se espalharam pela área sem controle.
A ilha serviu de presídio de 1737 a 1938. Para dificultar o esconderijo de presos, que também utilizavam árvores nativas para fazer canoas, boa parte da vegetação natural foi desmatada.
Com isso, invasoras como a leguminosa leucena, originária da América Central, e a trepadeira jitirana, nativa da Ásia, introduzidas para forragem, passaram a dominar o ambiente.
É consenso entre os cientistas que perturbações no ambiente, sejam naturais (incêndios, cheias, terremotos) ou causadas por seres humanos (queimadas, desmatamentos), reforçam a dispersão e a estabilização das invasoras. As ilhas, por conterem espécies endêmicas (ou seja, que ocorrem exclusivamente naquele local), também resistem menos à competição com as invasoras. Isso porque evoluíram em isolamento e não estão aparelhadas para enfrentar os desafios trazidos pelas recém-chegadas, que não "conhecem". A Polinésia é o exemplo mais crítico desse processo no mundo."A leucena é altamente competitiva e está acabando com a flora de Noronha", afirmou à Folha a engenheira florestal Ângela Freitas, da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco).Para o chefe do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, Marco Aurélio da Silva, a jitirana é o principal problema, pois se propaga rapidamente e sufoca os arbustos nativos.Outra praga de Noronha é o lagarto teiú, introduzido na ilha nos anos 1950 para combater sapos e ratos. A escolha se revelou errada pois, enquanto o teiú tem hábitos diurnos, sapos e ratos são animais da noite. O lagarto, que mede em média um metro, alimenta-se de ovos e filhotes de aves e tartarugas, o que desequilibra a fauna local. Uma equipe da UnB (Universidade de Brasília) estuda meios de retirar o teiú de Noronha."Essas introduções de espécies exóticas têm trazido problemas seríssimos, que ainda não conseguimos controlar", disse Silva. Para ele, é necessário um "empenho maior" do poder público e de órgãos de fomento à pesquisa para enfrentar a questão. (TG)

Cinco projetos estudam tema no país
O Ministério do Meio Ambiente está financiando cinco projetos de abrangência nacional que têm como foco as espécies exóticas invasoras. Cada projeto recebeu R$ 150 mil e deve ser concluído até o final deste ano.
Cada trabalho trata de um dos aspectos do problema: organismos que afetam a saúde humana, os sistemas de produção (pecuária, agropecuária e silvicultura), o ambiente terrestre, as águas continentais e o ambiente marinho.
Na introdução do termo de referência para a seleção das propostas, o MMA cita a "crescente globalização" e as mudanças climáticas e no uso da terra como fatores que "tendem a ampliar as oportunidades de introdução e expansão de espécies exóticas invasoras".
O Instituto Hórus (PR) foi selecionado para o projeto sobre ambiente terrestre, do qual faz parte o levantamento sobre invasoras em unidades de conservação.
O Instituto Oceanográfico da USP é responsável pelo informe sobre o ambiente marinho. O trabalho já apontou o mexilhão-dourado como uma das principais espécies invasoras.
O molusco asiático foi introduzido na América do Sul pela água de lastro de navios que aportaram em Buenos Aires. O mexilhão já subiu a bacia do rio Paraná e pode invadir a Amazônia.
A UFV (Universidade Federal de Viçosa) estuda ecossistemas de água doce. Até o momento, as tilápias estão entre as espécies invasoras com maior dispersão no país. O trabalho é feito principalmente por solicitação de informações a outros pesquisadores, metodologia semelhante à dos outros projetos. (TG)

FSP, 16/05/2005, p. A13

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