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Especialistas discutem altas taxas de suicídio entre índios

JB, País, p. A6
10 de Dez de 2003

Especialistas discutem altas taxas de suicídio entre índios
Indigenistas condenam as políticas de controle das agências do governo

Luísa Gockel
Especial para o JB

No começo da década de 90, os ticuna, um dos maiores grupos indígenas do país, ficaram nacionalmente conhecidos por um suposto ''surto epidêmico'' de suicídios entre os jovens. Nos últimos dois anos, foram registrados 60 casos numa população de 30 mil indivíduos. Apesar de as mortes serem freqüentemente atribuídas ao contato com a cultura de fora, pesquisadores de todo o país contestam a versão e caem em novo impasse: intervir ou não nas aldeias. Os habitantes do alto do Rio Solimões não são o único grupo indígena com índice de suicídio elevado. Os sorowaha do Amazonas, com sua taxa de mortalidade cem vezes mais alta que a nacional, evidenciam a necessidade de um mapeamento do fenômeno. O Centro de Monitoramento, Pesquisa e Intervenção em Alcoolismo e Saúde Mental nas Populações Indígenas, do Ministério da Saúde, começou a promover esta semana, em Londrina, reuniões com pesquisadores de todo o país para debater questões de violência indígena, entre elas o suicídio.
A antropóloga do Museu Nacional da UFRJ Regina Erthal, que pesquisa os suicídios entre os ticuna, defende a necessidade de pesquisas mais profundas destes eventos para que seja possível o acompanhamento do trabalho das instituições governamentais. Segundo ela, o número elevado de casos de suicídio entre o grupo, deve ser analisado comparativamente a cada ano. Os primeiros dados, no entanto, são de 1991, tornando impossível o estudo dos períodos anteriores.
- Entre 1993 e 1997, podemos observar uma estabilidade no número de casos anotados, indicando uma impropriedade da tese da epidemia. A partir do final de 1999, no entanto, há a intensificação do processo de transformação das aldeias em bairros indígenas, levando a uma concentração populacional nestes locais - explica a pesquisadora, que chama a atenção para o aumento do número de suicídios a partir de 2000.
O processo de urbanização e contato com a cultura nacional não são, segundo Erthal, os únicos fatores desencadeantes. Casamentos incestuosos, vinganças e até as mudanças do papel social dos jovens são alguns dos motivos apontados pelos Ticuna, que conferem ao suicídio uma explicação externa e mágica.
- O suicídio indígena não tem a mesma conotação negativa que tem no Ocidente. Por isso, os critérios de doença mental das sociedades ocidentais devem ser aplicados com cuidado em populações indígenas - defende a antropóloga, condenando os discursos oficiais das agências governamentais que defendem ''programas de controle''.
Nino Fernandes, do Conselho Geral das Tribos Ticuna, conta que na sua aldeia, no começo deste ano, o número de suicídios foi muito elevado e os motivos mais freqüentes são brigas entre ''namorados'' ou membros da mesma família. Normalmente o cacique intervém nestes casos, atuando como um mediador. Mas, segundo ele, quando é feitiço, ''ninguém dá jeito''.
- Na cultura ticuna, os suicídios ocorrem quando um índio pede para o pajé mandar um espírito ruim para alguém que inveje. Depois disso, o espírito se manifesta, fazendo com que a pessoa invejada comece a brigar com seus familiares. Se ela não conseguir se controlar, acaba sendo dominada. Muitas vezes estes conflitos acabam em suicídio - conta Nino, ressaltando que é um costume antigo da sua etnia e que não está relacionado ao contato com a cultura ocidental.
A não intervenção nestas sociedades também é defendida pelo psicanalista Sérgio Levcovitz, estudioso dos guarani kaiowá, grupo com as taxas mais elevadas de suicídio do país. Segundo ele, todas as formas de intervenção observadas até hoje só agravaram o problema.
- O grande número de suicídios está mais relacionado à preservação do grupo do que com a perda de indivíduos. Para os kaiowá, o suicídio é causado pelo feitiço de um inimigo, o que leva a uma reorganização das famílias em alianças para confrontar o responsável - conta Levcovitz.
Para o psicanalista, a melhor forma de resolver o problema é considerar a maneira com que os próprios índios lidam com a situação. Entre os kaiowá, uma medida adotada pela tribo é não deixar que os índios mais jovens tenham contato com as pessoas mortas. Segundo ele, tanto na cultura ocidental quanto na guarani, podemos observar ondas de suicídio que são agravadas pela divulgação dos acontecimentos.

JB, 10/12/2003, País, p. A6

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