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Escravos do tráfico

CB, Mundo, p. 22
05 de Jun de 2005

Escravos do tráfico
Brasileiros cruzam a fronteira para servir de mão-de-obra barata nas plantações de coca, em áreas dominadas pela guerrilha das Farc. Exército e Polícia Federal reforçam patrulhamento nas matas e rios

Cláudio Dantas e Silvio Queiroz Os degraus mais baixos na concorrida hierarquiado narcotráfico na Colômbia estão sendo ocupados por brasileiros das comunidades ribeirinhas da Amazônia,atraídos para o trabalho braçal nas plantações de coca e em rudimentares laboratórios de processamento da droga. Para importar essa mão-de-obra barata, muitas vezes escravizada, indústria da cocaína se vale do frágil controle da fronteira pelo lado colombiano. O fenômeno promete tornar-se mais uma dor de cabeça para a Polícia Federal (PF) e o Exército brasileiro, que vêm reforçando o patrulhamento nos 1,6 mil quilômetros de fronteira comum. Apesar de trocarem informações com o governo colombiano, as autoridades brasileiras vigiam a região praticamente sozinhas. "Não mudou nada desde 2000, quando iniciamos as operações aqui. O lado de lá continua sob domínio das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, maior guerrilha do país)", afirma o delegado Mauro Sposito, coordenador de Operações Especiais de Fronteiras da PF. Profundo conhecedor dos problemas da região, Sposito diz que, na maioria dos casos, a opção por trabalhar para a guerrilha colombiana é dos próprios brasileiros, que supõem haver melhor perspectiva além do garimpo e de escassas atividades comerciais em suas comunidades.
Capturas
"Não dá para impedir que eles deixem o território brasileiro. São pessoas humildes, com poucainstrução e qualificação profissional, que acabam buscando essas atividades mais braçais por falta de oportunidade aqui", afirma o delegado. Apesar da ínfima presença do Estado colombiano na região, Sposito revela que alguns brasileiros já foram capturados pelos militares colombianos em laboratórios instalados em território das Farc. Nesse caso, quem é preso e eventualmente deportado para o Brasil pode se considerar uma pessoa de sorte. A maioria acaba virando "escravo da guerrilha", segundo o policial. "Alguns deixam os garimpos e só ficamos sabendo quando outros colegas que ficaram (no Brasil) comentam. Algumas mães vêm se queixar de que os filhos sumiram depois que foram trabalhar lá. Não tenho notícias de quem tenha ido e voltado", diz.
O especialista colombiano Alfredo Rangel, diretor da Fundação Segurança e Democracia, não estranha o uso de mão-deobra brasileira em plantações de coca. "Nos últimos anos, as áreas de cultivos ilícitos têm se transferido para zonas cada vez menos acessíveis. Já tivemos notícias sobre plantações em áreas próximas à fronteira brasileira", afirma (leia entrevista na página 23). Segundo o Correio apurou, os brasileiros chegam aos territórios dominados pela guerrilha por indicação de barqueiros que fazem contrabando de armas, drogas e suprimentos, durante à noite, através dos rios que ligam os dois países. O Brasil é a principal via de abastecimento de remédios e alimentos para as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. O combustível chega através da Venezuela, enquanto armas e munição entram principalmente através do Equador.
Combates
Rangel e outros estudiosos detectam nos últimos meses um acirramento da guerra civil na Colômbia, relacionado ao Plano Patriota, ofensiva que mobiliza cerca de 18 mil homens das forças armadas na retaguarda estratégica das Farc, no sul do país (veja mapa). Para enfrentar os efeitos colaterais do conflito, as forças aéreas de Brasil e Colômbia vêm operando conjuntamente para interceptar aviões usados no contrabando. A intensificação do tráfico de armas é ditada pela demanda crescente da guerrilha, e é acompanhada pelo maior fluxo de cocaína no sentido inverso, já que drogas são o outro negócio dos traficantes brasileiros e de outros países.
Pelo lado brasileiro, o Exército tem aumentado os efetivos na faixa da fronteira - cerca de quatro mil homens são responsáveis pela vigilância da volátil região. Uma das principais ações foi estabelecer a Brigada de Infantaria de Selva, com comando em São Gabriel da Cachoeira, no estado do Amazonas.
Mais dois batalhões serão instalados em breve à margem do Rio Negro. Essa estrutura logística serve também à Polícia Federal, cujo contingente será reforçado no próximo mês com 600 agentes. "É o nosso grande trunfo. Esperamos esse contingente para podermos dar maior efetividade junto à fronteira. Estamos muito aquém da necessidade, pois nossas atribuições aumentaram muito", admite Sposito. A Polícia Federal trabalha com a hipótese de que o aumento da repressão na Colômbia empurre para território brasileiro os laboratórios de refino de cocaína. "Estamos conseguindo evitar, mas se não tivermos uma atenção bem maior para esse problema na fronteira, poderemos dentro em pouco fazer parte dos países produtores de droga", avalia.

Para saber mais
Batalha decisiva
O Plano Patriota, ofensiva militar iniciada há pouco mais de um ano sob sigilo total, assume ares de um tudo-ou-nada para o presidente Álvaro Uribe. Pela envergadura da operação,bem como pelo objetivo anunciado de atacar o alto comando das Farc naquele que é considerado seu refúgio seguro, o presidente aposta alto para romper o equilíbrio de forças em que o conflito colombiano está estagnado há cerca de duas décadas. Uribe assumiu o governo, em agosto de 2002, com o palácio presidencial sob bombardeio, a capital assediada pela guerrilha e vastas zonas do interior virtualmente submetidas a um estado paralelo. As tropas, em defensiva, apenas contiam o avanço das Farc em direção às principais cidades. Com apoio dos EUA, o novo governo os rebeldes a recuar, recuperou a segurança nas estradas e restabeleceu a presença da força pública em povoados há anos abandonados.
O êxito, porém, limitou-se ao plano tático do conflito. As Farc, cuja meta é passar à ofensiva estratégica, preservaram seu poderio militar evitando o combate quando desfavorável. As operações de impacto realizadas pela guerrilha no governo anterior deram lugar a escaramuças, pequenas porém numerosas. Nos primeiros dois anos de mandato de Uribe, o número de ações armadas superou o total dos quatro anos de seu antecessor,Andrés Pastrana. O mapa dos combates esboça o desenho básico da estratégia rebelde: as Farc mantêm retaguardas conectadas às fronteiras e projetam seus
combatentes novamente na direção das grandes cidades. Favorecida em parte pela concentração de recursos militares na área do Plano Patriota, a guerrilha consolidou posições em pontos estratégicos, como o Maciço Colombiano, na fronteira com o Equador.É o ponto onde a Cordilheira dos Andes se subdivide em três cadeias: a cordilheira oriental dá acesso a Bogotá, a central a Cali e a ocidental a Medellín. (SQ)

CB, 05/06/2005, Mundo, p. 22

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