VOLTAR

Escolas indigenas vao ter o maior investimento jamais feito na area

OESP, Vida, p.A10
Autor: GESTEIRA, Kleber
26 de Dez de 2005

Escolas indígenas vão ter o maior investimento jamais feito na área
Com R$ 11 milhões, serão construídas 200 escolas, com arquitetura adaptada a cada etnia
O Ministério da Educação (MEC) vai repassar a Estados e municípios R$ 11 milhões para construir 200 escolas indígenas em 69 cidades no ano que vem. É o maior investimento já feito na área. A oferta de estabelecimentos é um dos entraves para o crescimento dos níveis de ensino da população indígena, que cresceu 150% na última década, segundo números do IBGE divulgados este mês. Pouco menos da metade (43%) dos índios com entre 5 e 24 anos estão fora da escola.
Atualmente, de acordo com o MEC, a educação indígena tem 164 mil alunos. A responsabilidade é das redes estaduais e municipais e as escolas funcionam dentro das aldeias. A proposta pedagógica é de um ensino bilíngüe e que leve em conta elementos da cultura dos povos.
No meio do ano, o ministério publicou uma resolução para que os prefeitos enviassem projetos de novas escolas. Seria dada prioridade aos municípios que tivessem professores indígenas participando das decisões e da organização da educação local. Pedimos também para que projetos arquitetônicos fossem adequados aos povos e tivessem fundamentação socioambiental”, diz o secretário de Alfabetização, Inclusão e Diversidade do MEC, Ricardo Henriques, responsável pela área no governo federal.
O ministério recebeu pedidos de 20 dos 24 Estados que têm população indígena. Uma adequação de verbas agora no fim do ano permitiu que o montante a ser investido dobrasse e chegasse a R$ 11 milhões. Todos os Estados serão atendidos. Os recursos criarão 11 mil vagas nas escolas.
O último grande investimento na área havia sido feito entre 2001 e 2003 com recursos do chamado Fundescola e ajuda do Banco Mundial. Havia um projeto arquitetônico único para todas as unidades e elas atenderam cerca de 2.600 alunos.
Na época, o Estado do Acre se recusou a construir as escolas com material de primeira qualidade, mas que não se integravam ao ambiente das aldeias. Além de parecer um elefante branco, as comunidades indígenas aqui são isoladas no meio da floresta e não havia meios de levar os materiais até elas”, conta o secretário atual de Educação, Arnóbio Marques de Almeida Junior. Agora, ele considera um avanço poder construir escolas conforme os pedidos dos povos, usando basicamente madeira. Elas ficam mais próximas da identidade de cada etnia e ainda são adaptadas ao nosso clima.”
O Acre receberá cerca de R$ 400 mil para três novas escolas. Há 2 mil alunos indígenas no Estado e 120 escolas. Outro Estado beneficiado é Tocantins, que tem mais de 4 mil alunos de seis etnias diferentes. Lá, muitas das 72 escolas atuais foram construídas quando a educação indígena ainda ficava sob a responsabilidade da Funai, antes de 1991. Um decreto presidencial deste ano descentralizou o controle e as deixou por conta das redes de ensino. A população só cresce. O estado das escolas é precário porque a história do ensino indígena é de um grande abandono”, diz a secretária estadual de Educação, Maria Auxiliadora Seabra Rezende. Com os novos recursos, Tocantins terá seis novas escolas para os índios. Em São Paulo, apenas Bertioga, no litoral norte, receberá verbas. Serão R$ 50 mil para o povo de etnia guarani. É um dos menores investimentos do MEC.
Gargalos
Do total atual de 164 mil alunos indígenas, 104 mil estão entre a 1.ª a 4.ª série. Entre a 5.ª e a 8.ª série o total cai para 24 mil e no ensino médio, para 4 mil. A maior parte do dinheiro destinado pelo governo federal vai para construção de escolas da segunda etapa do ensino fundamental para tentar corrigir esses gargalos. Mas ainda falta professor com formação para ensinar alunos mais velhos.
Segundo Henriques, há atualmente 7 mil professores indígenas no País e metade deles sequer tem formação em ensino médio. Este ano, o governo de São Paulo passou a oferecer na Universidade de São Paulo (USP) um curso superior específico para professores indígenas que já atuam na rede. O Estado tem hoje 26 escolas indígenas, em 14 cidades, que atendem 1.026 alunos em ensino fundamental, apenas de 1ª a 4ª série. Não há 5.ª a 8.ª série nem ensino médio indígena paulista.
Os números divulgados há cerca de 20 dias no relatório Tendências Demográficas: Uma Análise dos Indígenas, do IBGE, mostraram que o País tem 734 mil índios. O crescimento gigantesco – em 1991 eram 294 mil – foi explicado principalmente pelo fato de a população passar a se declarar como indígena, o que não ocorria no passado. Aumentou também, em 50%, o número de índios alfabetizados, apesar de o total ainda ser inferior à quantidade encontrada na população brasileira em geral.

Números
11 milhões serão destinados à construção de escolas indígenas no País em 2006
200 escolas é o total que será construído com essa verba
11 mil alunos indígenas serão atendidos nesses estabelecimentos, o que representa 7% a mais do total de estudantes índios brasileiros
150% mais índios existem hoje no País, com relação a 1991, segundo dados do relatório do IBGE divulgado este mês
50 mil vai receber o município de Bertioga, o único paulista a participar do investimento atual do MEC
R$ 400 mil receberão os Estados do Acre e do Tocantins para construir escolas
43 % dos índios entre 5 e 24 anos estão fora da escola no País
24 Estados têm populações indígenas atualmente
92 povos indígenas falam 190 línguas no Brasil

Entrevista: Kleber Gesteira coordenador nacional de Educação Escolar Indígena
Estamos muito aquém do direito do índio
Para melhorar o ensino, é preciso formar professor, construir mais escolas e criar material específico, diz especialista do MEC
Para Kleber Gesteira, coordenador nacional de Educação Escolar Indígena, as políticas públicas para a área ainda estão muito aquém do direito dos índios. Apesar dos esforços iniciados principalmente a partir da década de 90, os resultados só começam a ser sentidos agora e ainda são insuficientes . Um dos principais problemas é a evasão escolar na medida em que se avançam as séries. As carências que vemos nas escolas públicas em geral também aparecem nas escolas indígenas”, afirma. Seu cargo é subordinado à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do Ministério da Educação.
Como está a educação indígena no Brasil?
Está melhorando. Esse esforço começou há cerca de dez anos, quando a atribuição de prover educação nas aldeias passou das mãos da Funai (Fundação Nacional do Índio) para as secretarias estaduais ou municipais de Educação. Mas os resultados começaram a ser sentidos só mais recentemente. Entre 2002 e 2004, o número de escolas subiu de 1.700 para 2.200. O número de alunos no ensino básico (até o ensino médio) aumentou de pouco mais de 100 mil para perto de 150 mil. No entanto, ainda estamos muito aquém do direito do índio, já que pelo menos 300 mil índios estão em idade escolar.
Os outros 150 mil índios estão fora da escola?
Não. Cerca de 50 mil estudam nas cidades, em escolas regulares. De qualquer forma, uma parte considerável está fora da escola. Mas, em alguns casos, as populações optam por não colocar suas crianças na escola, principalmente por estratégia sociocultural, como forma de fortalecer sua identidade. A escola é uma instituição estrangeira aos povos indígenas. Por isso, não podemos impor, induzir nem seduzir. Mas um fato que nos preocupa é o número de alunos indígenas ir caindo na medida em que se avançam as séries, principalmente no ensino médio. Isso nos preocupa.
As populações indígenas dizem que há poucas escolas de ensino médio e que as de ensino fundamental são precárias. Como resolver esse problema?
A educação indígena faz parte da educação pública brasileira. As carências que vemos nas escolas públicas em geral também aparecem nas escolas indígenas. Para melhorar, o primeiro ponto é a formação de professores. Em segundo lugar, precisamos construir e ampliar as escolas. Depois, produzir material específico para cada povo. A responsabilidade direta pelas escolas cabe aos Estados e municípios. O Ministério da Educação entra principalmente com recursos e como articulador. Infelizmente, nossas políticas públicas ainda precisam melhorar muito.

OESP, 26/12/2005, p A10

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.